Um dos mais estranhos fenómenos destes nossos tempos,
é a enorme quantidade de programas televisivos, de sites da internet e de
artigos de jornais e revistas, que se dedicam a aconselhar-nos passeios a
lugares secretos. Aparentemente, esse tipo de coisas pega, pois pelos vistos há
muita gente a querer ir a sítios escondidos.
Os lugares secretos tanto podem ser uma praia, como
uma estalagem ou uma taberna, assim como ruas, lojas, conventos ou palácios de
uma cidade. Na verdade, tanto faz, o que mais importa, é serem mesmo sítios
assim tipo confidenciais.
Como nós conhecemos melhor Lisboa do que qualquer outro lugar, fomos verificar que misteriosos locais serão esses, que existem escondidos pelos cantos dessa cidade, que bem ou mal, é a capital de Portugal, desde o tempo em que o castelo foi conquistado pelo valente El-Rei Dom Afonso Henriques.
Existe um site cujo nome é precisamente “Lisboa
Secreta”, que fez agora praticamente um ano, decidiu publicar um artigo com os
dez locais secretos preferidos dos seus estimados leitores. Logo em primeiro
lugar na lista, aparece a Avenida da Liberdade, mais abaixo surge o Jardim da
Gulbenkian e o bairro de Alfama, e quase lá para o fim do Top-Ten, o Parque das
Nações.
O dito artigo tem o seguinte título: “Lisboa é uma cidade cheia de locais «secretos»: estes são os preferidos dos nossos leitores”.
É certo que a palavra «secretos» surge-nos no título
do artigo entre aspas, mas ainda assim, é um tanto ou quanto perturbador, para
não dizer que é um autêntico anticlímax, que os leitores de um site cujo nome é
“Lisboa Secreta”, tenham como sendo os seus locais secretos preferidos,
exatamente aqueles, que são alguns dos sítios mais conhecidos da cidade capital
do país. Parece-nos mal.
No fundo, é como se alguém nos contasse que a sua
grande fantasia secreta é tomar uma meia-de-leite quente acompanhada de
torradas com manteiga. Quem nos lê, há de concordar connosco, que como fantasia
secreta, uma meia-de-leite com torradas não é lá essas coisas, deixando mesmo
bastante a desejar.
Em síntese, o facto é que os locais secretos de Lisboa
preferidos dos leitores do site, são alguns dos menos secretos que em Lisboa
há. É uma predileção um tanto ou quanto paradoxal, mas seja lá como for, há uma
coisa que é certa, tal insólita seleção, dá-nos que pensar.
Mas antes de prosseguirmos, abaixo fica o artigo, para que possam verificar a compilação dos espaços eleitos pelos já referidos leitores:
https://lisboasecreta.co/locais-secretos-em-lisboa/
A pergunta que imediatamente nos ocorre perante a
escolha dos leitores do site “Lisboa Secreta”, é se realmente os ditos gostarão
de locais secretos. A nós parece-nos evidente que não, que gostam exatamente do
oposto, ou seja, dos sítios mais conhecidos e frequentados.
Mas a quem é que ocorre mencionar a Avenida da
Liberdade como um lugar secreto? Ou o Parque das Nações? São ambos sítios que
serão tudo, menos secretos. Sugerir que a Avenida da Liberdade ou o Parque das
Nações são locais misteriosos e com o seu quê de insondável, é o equivalente a
dizer-se que uma meia-de-leite com torradas é uma iguaria exótica e
afrodisíaca.
Olhem lá bem para imagem abaixo, e vejam lá se vos desperta imediatamente um voraz e intenso apetite? Não, pois não?
A questão que agora se impõe é a seguinte: por qual
razão serão então leitores e eleitores do site “Lisboa Secreta”, gentes que na
verdade são apreciadores dos lugares mais comuns, vulgares e conhecidos?
A resposta é óbvia, ou seja, “o secreto” está em voga.
Quem quer estar na moda e ser “cool”, deve ter no seu currículo, um ou vários
lugares secretos onde já foi e acerca dos quais pode falar e conversar.
Imagine-se que, assim sem mais nem menos, alguém nos
diz que foi jantar a Alfama. Ponhamos por exemplo, que quem tal nos diz, é a
Maria (nome fictício). A resposta que temos de lhe dar, caso queiramos ser
“cool”, estar “in”, na moda e em voga, é simplesmente a seguinte: “Alfama?!
Cruz, credo! Isso está mais que visto, é um sítio tão turístico. O bom agora é
Xabregas. Há lá uns lugares secretos, que a esses sim, vale mesmo a pena lá
ir.”
Apanharam a ideia? O ponto é que não merece o esforço
dizer-se a alguém que se foi ali ou acolá, mesmo que esse lugar seja chique a
valer, se o sítio não tiver uma qualquer aura de mistério, é como se nada
valesse.
Atualmente, o elegante a sério é em conversa dar-se a
entender, que só se vai a sítios com mistério, desses mesmo secretos, que
apenas uns “happy few” sabem onde fica.
Pouco importa que tais locais, acabem afinal por ser
recantos que todos os tristes conhecem e frequentam, o que verdadeiramente
interessa, é que quando se fala em lugares secretos, se ganha imediatamente
fama de elegante e eloquente, e demonstra-se a todos que se está sempre na
linha da frente.
Imagine-se por exemplo, que passados uns largos meses
depois do encontro anterior, reencontramos a Maria (nome fictício), que nos diz
dessa nova vez, ter ido jantar ao tal lugar secreto em Xabregas, que antes lhe
tínhamos sugerido.
Se tal suceder, que ninguém se fique. O que há a fazer
nessa ocasião, é pôr um ar “blasé” e dizer assim: “Xabregas?! Valha-me Deus,
esse sítio está tão “démodé”! Dantes é que era bom, mas agora o que está a dar
é mesmo Moscavide. Há lá um lugares desconhecidos, daqueles que é só para
«connaisseurs», que isso sim, é tipo de nível superior.”
Em resumo, o fundamental é manter-se sempre à frente,
tipo “up to date”, sobre quais são os locais secretos mais conhecidos e
frequentados, e ir acompanhando as mais recentes tendências, de forma a
estar-se sempre atualizado e nunca se ser apanhado desprevenido.
Quando alguém nos diz que foi aqui ou acolá, é pô-lo no seu sítio e espetar-lhe logo com um qualquer novo lugar secreto, agora em muito voga, e arruma-se imediatamente com o assunto.
Mas dito tudo isto, queremos também nós aconselhar-vos
lugares secretos para passearem em Lisboa. Só que os locais que vos vamos
indicar, são mesmo exclusivos e não daqueles que são secretos e depois toda a
gente lá vai e sabe onde é. Em boa verdade, são tão exclusivos que no mundo
real, nem sequer existem. Vejamos três.
O primeiro é de Antonio Muñoz Molina (1956), um dos
maiores escritores espanhóis atuais, sendo a alta qualidade da sua escrita
reconhecida muito para além das fronteiras de Espanha. Viveu durante muitos
anos em Nova Iorque, mas recentemente decidiu mudar-se para Lisboa.
Há umas décadas, quando ainda era novo, já por Lisboa
tinha vivido durante uns bons tempos, local onde escreveu uma das suas
primeiras obras, “O Inverno em Lisboa”. Fica a sinopse de uma cidade secreta e
imaginada, e absolutamente exclusiva para aqueles que a souberem ler.
“Entre Lisboa, Madrid e San Sebastián, o jazz serve
de envolvente a uma história de amor. Um pianista apaixona-se por uma mulher e
os dois são perseguidos pelo marido dela. A intriga adensa-se com o
desaparecimento de uma tela de Cézanne e a entrada em cena de um traficante de
quadros e livros antigos.
O Inverno em Lisboa desenrola-se a um ritmo meticuloso e infalível. Homenageando o cinema noir americano e os grandes músicos que inventaram o jazz. Temos um thriller tão ágil quanto cativante, evocativo das grandes paixões que decorrem na vertigem do submundo.”
A segunda Lisboa secreta e
imaginada é uma filmada, que também já não existe, se é que alguma vez existiu.
Falamos-vos do filme “A cidade branca” de Alain Tanner, película de 1983.
O personagem principal é um
marinheiro suíço que desembarca em Lisboa, onde fica por um tempo. Instala-se
num quarto, e faz pequenos filmes da cidade que envia para a mulher, juntamente
com cartas que lhe vai escrevendo. Conhece uma empregada de mesa, com quem vive
uma estranha paixão sob a branca luz de Lisboa.
Por fim, uma terceira e última Lisboa exclusiva
e secreta para quem a conseguir imaginar, uma vez que também esta provavelmente
não existe nem nunca existiu, embora não tenhamos absoluta certeza, vem-nos num
fado que se inicia assim: “Mudou muito a minha rua…”
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