Lemos no jornal El Pais uma reportagem que se intitula
assim: “El instituto donde las ciencias se aprenden bailando”. Descobrimos
depois, que o dito instituto (chamar-lhe-íamos uma escola em Portugal), se
situa em Barcelona.
Já muitas vezes falámos de dança e de música neste
blog, no entanto, pouquíssimas vezes falámos de Barcelona. Hoje também não
vamos falar grandemente da cidade catalã, apenas a referimos, porque há nela
essa escola pública (instituto em espanhol) que mistura no seu currículo
ciências, matemáticas e dança, entre outras áreas disciplinares.
A escola chama-se Oriol Martorell e tem alunos desde o
1° ciclo até ao ensino secundário. A escola está especialmente vocacionada para
receber alunos das áreas de ciências e matemáticas, que queiram simultaneamente
bailar.
Muitos dos alunos que a frequentam estudam para ingressar em cursos superiores da área das ciências exatas ou das matemáticas, e a maior parte deles consegue-o. No entanto, a escola também está vocacionada para a dança.
Não se pense no entanto, que a dança é nesta escola
uma atividade meramente lúdica ou complementar, nada disso, ciências,
matemáticas e dança estão completamente interligadas no currículo, sendo que, é
aprendendo a dançar que os alunos estudam os mais complexos conceitos
científicos e matemáticos.
Exemplos? Muitíssimos. Os alunos insonorizaram uma
sala de aula que tinha um som muito mau. Vejamos o testemunho de um aluno a
propósito dessa tarefa: “A partir de conceitos sobre a física do som,
descobrimos que o problema acústico que tínhamos na aula era a reverberação.
Fizemos um trabalho de medição dos espaços e efetuámos os cálculos, tendo em
conta os coeficientes de absorção dos diferentes materiais, adaptando-os assim
às normativas existentes. Por fim, decidimos que a solução passava pela construção
de uns painéis absorventes e de difusores de som.”
Um outro exemplo, durante o ano letivo 2021-2022, os alunos criaram o projeto “Geometria em Cena”, que partindo da relação da geometria e das matemáticas com o movimento e a música, desembocou no fabrico de elementos cenográficos com poliedros iluminados com luzes LED programadas, de forma a que tudo isso pudesse ser incorporado num espetáculo.
Quem quiser ler um pouco mais sobre este assunto, poderá fazê-lo em:
https://habilis.ro-botica.com/es/iea-oriol-martorell-una-pedrera-dartistes-amb-vocacio-cientifica/
Ciências, matemáticas e dança parecem não ter uma
relação óbvia, todavia, basta pensarmos com um pouco mais de rigor e poesia,
para percebermos que sim. É certo que um determinado espaço pode ser medido, o
seu comprimento e largura, a sua área e perímetro. Tudo isso implica um
pensamento matemático e científico, todavia, sendo só isso, é uma coisa um
tanto ou quanta chata e aborrecida.
Imaginemos que temos um espaço com 7 metros de
comprimento por 6 de largura, ou seja, o seu perímetro são 26 metros e a sua
área é de 42 metros quadrados. Que coisa tão interessante! É mesmo fascinante.
Uau!
Imaginemos agora que temos um espaço com 8 metros de
comprimento por 2 de largura, ou seja, o seu perímetro são 20 metros e a sua
área é de 16 metros quadrados. É ainda mais interessante que a primeira
situação! Cativa logo a um primeiro olhar. Novamente uau!
Imaginemos agora que dançamos em qualquer um desses
dois espaços. É logo outra coisa, o entusiasmo é imediatamente maior, certo?
Com efeito, dançar é um modo de libertar o espaço da sua monotonia métrica, uma
forma de contribuir para a sua alegria. 42 ou mesmo 16 metros quadrados de
alegria, quem é que não queria?
Só para vos darmos uma ideia da quanta alegria se pode construir em poucos metros quadrados, deixamos-vos uma cena do filme “Pulp Fiction”. Na cena, John Travolta, muitos anos após “A Febre de Sábado à Noite”, já retirado dessas andanças e ligeiramente anafado, nem sequer quer dançar. No entanto, o seu par insiste: “I wanna dance”. Travolta não tem outro remédio que não seja fazer-se à pista e transformar o espaço em pura alegria. É uma ciência que o homem tem:
Poder-se-ia dizer que dançar, é fazer com o que o chão
fique doido, mas não é só isso que já não é pouco, dançar tem também afinidades
com pular e saltar. Quem dança pulando e saltando quer chegar mais alto, se
possível ao céu. Imaginemos portanto, que as nuvens são pedaços de dança.
Um meteorologista fala-nos das nuvens como um
cientista, para ele, são fenómenos climáticos Diz-nos delas que são corpos de
água e/ou gelo que estão suspensos na atmosfera. Diz-nos que se formam pelo
resfriamento do ar e pela transformação do vapor presente na atmosfera e pela
passagem da água do estado gasoso para o líquido, ou seja, pela condensação.
Tudo isso é muito certo, rigoroso e científico, mas
imaginemos com um outro rigor e com alguma poesia, que as nuvens se formam
quando alguém dança pulando e saltando. Imaginemos que desse alguém se liberta
um vapor que vai ser uma nuvem. Imaginemos as nuvens como restos de uma
coreografia. As nuvens bailam no céu como memórias de uma dançam….
Abaixo uma imagem de John Constable (1776-1837), artista romântico inglês que pintou dezenas de quadros em que as nuvens dançam.
Por fim, falemos de uma outra ciência, de anatomia. A
palavra deriva do grego “anatome”, termo formado por “ana”, que significa neste
caso “em partes”, e “tome”, cujo significado é “corte”.
A mais célebre imagem artística dessa ciência, que dantes muitos médicos tinham no seu consultório, é “A lição de anatomia do Doutor Tulp” de Rembrandt, quadro pintado em 1632. A pintura foi encomendada pela Associação de Cirurgiões de Amsterdão e retrata uma aula de anatomia do doutor Nicolaes Tulp, onde ocorre a dissecação da mão esquerda de Aris Kindt, um marginal condenado à morte por assalto a mão armada no dia anterior.
Aris Kindt, o marginal dissecado, não se movimenta,
está morto. Em síntese, já não dança. No entanto, enquanto vivos os corpos não
suportam a imobilidade, e não a suportam porque há qualquer coisas neles que é
invisível e nenhuma ciência vê, nem qualquer matemática ou barómetro conseguem
medir.
Significa isto, que num corpo que dança, há algo que
escapa à ciência, à matemática e à meteorologia. Um corpo a dançar produz
música, mas por muito intensa que esta seja, não necessita de ser insonorizada,
pois é música que ao invés de ser som, é antes movimento. Dançar, no fundo, é
obedecer ao incognoscível que há em nós.
Em conclusão, e para voltarmos à escola Oriol Martorell de Barcelona, não é possível haver currículo mais completo, do que o que engloba em si o conhecimento científico e matemático, mas igualmente o incognoscível.
Terminamos com cenas dançantes, “Papa was a rolling stone:
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