Avançar para o conteúdo principal

Os asnos e o infinito.

 

Como um dia disse Albert Einstein, só há duas coisas infinitas, o universo e a estupidez. Acrescentou também, que relativamente ao universo não tinha assim tanta certeza. Um outro grande académico, Carlo Cipolla (1922-2000), estabeleceu cientificamente as cinco leis fundamentais da estupidez. Aqui ficam:

 

1ª - Todos subestimamos, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos.

2ª - A probabilidade de determinada pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa.

3ª - Uma pessoa estúpida é uma pessoa que prejudica outra pessoa ou grupo de pessoas, não obtendo nenhum ganho para si mesma, e possivelmente incorrendo em perdas.

4ª - Pessoas inteligentes subestimam o poder de causar danos dos indivíduos estúpidos. As pessoas inteligentes esquecem-se constantemente de que em qualquer momento ou lugar, e sob qualquer circunstância, lidar e/ou associar-se com pessoas estúpidas resultará infalivelmente num erro.

5ª - Uma pessoa estúpida é o tipo mais perigoso de pessoa.

Albert Einstein era um fervoroso defensor da democracia e disse-o repetidamente. Nós também o somos, todavia, vislumbramos negras nuvens a pairar no ar. Sente-se no ambiente, uma clara sensação de bafio, e de que talvez a democracia esteja a fraquejar e venha por aí uma borrasca. E isto não só no nosso país, mas por todo o ocidente, que é precisamente o lugar, onde o regime democrático nasceu, cresceu e floresceu.

 

Se a democracia fenecer, não seria a primeira vez a acontecer. Com efeito, o atual clima é tal, que há já quem se pergunte, se o presente ano vai ser um igual ou semelhante ao de 1933.

Há sinais dessa possibilidade por todo o lado e ainda ontem a edição internacional do El Pais, publicava um artigo cujo título era “Will 2024 be, like 1933, the year of destruction of democracy?”. Aqui fica:

 

https://english.elpais.com/opinion/2024-02-02/will-2024-be-like-1933-the-year-of-destruction-of-democracy.html

 

Temos sempre um problema quando uma grande quantidade de gente boçal se junta, se agrupa e se associa. Enquanto os imbecis e ignorantes andam por aí sozinhos ressentidos com a vida e com o mundo, as cretinizes que lhes saem pela boca afora não fazem grande mossa.

De vez em quando, essas gentes, excitam-se enormemente, sobretudo quando dispõem de uma plateia. São sempre situações um tanto ou quanto incómodas e embaraçosas, mas que tirando isso, acabam por não dar em nada nem causar mais maçadas.

 

Dantes, essas tais intensas excitações apenas sucediam ao balcão de uma taberna após a ingestão de uns copos de vinho, em conversa fiada à mesa do café da esquina, numa boda, num jantar de Natal ou num outro qualquer ajuntamento social ou familiar. Só que agora não, pois os imbecis e ignorantes congregaram-se, organizaram-se e tornaram-se muito visíveis. Como se sentem acompanhados e em grande número, estão cheios de confiança e andam por aí de rédea solta a dizer os maiores dislates.

 

Na verdade, os asnos são muitos mais do que antes se calculava, ocuparam por isso o palco principal e dizem agora inanidades por todo o lado, seja nas televisões, nas redes sociais ou nos jornais.

Vão para as ruas e manifestam-se e não têm qualquer pudor em ostentar que ambicionam ter posições de poder. Parece desse modo estar em vias de se cumprir a profecia do maior cronista de sempre de língua portuguesa, o brasileiro Nelson Rodrigues. Aparentemente até já saiu na imprensa que assim vai ser.

Mas qual é na realidade o mal dos asnos? Quando estão desacompanhados, não é nenhum, tirando o facto de quando se põem a perorar serem desagradáveis e maçadores. Mas quando se juntam, aí sim, já a situação muda de figura.

 

Juntos parece que se agigantam e dá-lhes para quererem mandar nos outros e impor as suas ideias, se assim lhes podemos chamar. O que um imbecil e ignorante jamais compreenderá, é que haja quem saiba pensar e decidir pela sua própria cabeça e não necessite absolutamente para nada de ordens e diretrizes de um qualquer suposto iluminado.

 

É essa a razão fundamental pela qual os asnos odeiam a democracia. Como não conseguem acolher nas suas limitadas mentes raciocínios complexos sem ficarem imediatamente confusos, e como também não são capazes de pensar autonomamente, não admitem que muitos outros o possam fazer. A lógica do asno é simples, se eu não sei pensar, mais ninguém sabe (excepto o iluminado chefe).

 

O asno segue obedientemente a voz do chefe, de quem manda, sem mais nem porquê, e deseja ardentemente que todos façam exatamente como ele. Detesta pensar e tudo o que faça pensar. É por isso que é tão intolerante relativamente a toda e qualquer diferença.

 

Ao asno, as diferenças, sejam estas de nacionalidade, de género, de cor, de classe social, políticas, religiosas ou quaisquer outras, fazem-no pensar, coisa que odeia, porque o cansa e perturba. Daí até começar a vociferar contra tudo e todos, que por alguma razão, são diferente dele, é um instantinho. O asno só se sente verdadeiramente acolhido e compreendido, quando está entre os que são semelhantes a si, ou seja, entre asnos.

 

Pensemos em 1933. Na Alemanha de então havia por todas as livrarias e bibliotecas livros de escritores, poetas, pensadores, cientistas e filósofos, como por exemplo Sigmund Freud, Albert Einstein, Thomas Mann, Karl Marx, Berthold Brecht, Robert Musil entre muitos outros. Na Alemanha de então havia também muitos imbecis e ignorantes que não conseguiam compreender como eram diferentes, complexas e sofisticadas as ideias de todos esses grandes autores.

 

Uma vez tendo os asnos tomado o poder, foi um instantinho até se proceder à queima de centenas de milhares de livros de todos esses autores, por muitas das principais cidades germânicas. Tudo o que fosse crítico, diferente ou se desviasse do padrão foi destruído pelas chamas.

Uns anos mais tarde, em 1938, na mesma Alemanha, ao invés dos livros, o alvo foi a arte. Muitas das melhores obras de arte daquele momento, eram demasiado diferentes e complicadas para certas mentes e, assim sendo, organizou-se uma grande exposição que percorreu as maiores cidades alemãs, para se mostrar às gentes, que os artistas que as criaram eram pura e simplesmente uns degenerados.

 

Os menos inteligentes vieram aos milhares ver a exibição de arte degenerada (Entartete Kunst em alemão), até porque a entrada era gratuita. Estavam lá expostos artistas que hoje em dia fazem parte das coleções dos melhores museus de arte moderna e contemporânea do mundo, como por exemplo Kandinsky, Max Ernst, Paul Klee, Chagall ou Mondrian.

Deixemos a Alemanha de 1933 e passemos à Grécia de há sensivelmente 2500 anos. Péricles (495 a. C. – 429 a. C.), o grande estadista, general e orador ateniense, proferiu um célebre discurso onde fez o elogio das virtudes da cidade de Atenas, sendo que a principal de entre elas, era a capacidade das suas gentes de decidirem o seu destino por si próprios, através da discussão de ideias e de projetos: “Nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos esfor­çamo-nos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação…” 

 

Como se adivinha por esta passagem do discurso de Péricles, Atenas amava a sua democracia. Atenas amava também as discussões entre gente com diferentes pontos de vista, distintas ideias e variadas opiniões. Em contraste, desdenhava da sua grande rival, a oligárquica cidade de Esparta, porque nesta apenas uns poucos decidiam por todos e sem direito a debates.

 

Péricles sabia que a superioridade de Atenas relativamente a todas as suas cidades rivais, e sobretudo a Esparta, não residia no seu poderio militar, residia fundamentalmente na inteligência e sabedoria dos atenienses. Razão pela qual, a educação, a ciência, as belas-artes e as letras aí nasceram, cresceram e floresceram como em nenhum outro lugar da antiguidade.

 

Concluiu Péricles no seu discurso que “Por estas razões e muitas mais ainda, a nossa cidade é digna de admiração. Ao mesmo tempo em que amamos simplesmente a beleza, temos uma forte predileção pelo estudo.” Em síntese, Atenas não era um sítio para asnos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...