E se de
repente, uns quantos portugueses já com uma certa idade, nomeadamente aqueles
mais formados e educados, como por exemplo, os médicos, os professores, os engenheiros
e uns outros tantos, decidissem ausentar-se do país para todo o sempre?
Isso não
propriamente por motivos financeiros, ou seja, para ganharem mais dinheiro, mas
pura e simplesmente porque não aguentam, que tudo o que os rodeia e por cá
existe, os vai deixando tristes.
Com efeito,
é triste ver-se que a saúde, a educação, a justiça e outras coisas mais, são
constantemente temas para notícias muito pouco felizes. É igualmente triste
ver-se, que por todo o lado parece haver casos de corrupção, que as
desigualdades aumentam e que ninguém quer encontrar verdadeiras soluções para
essas questões. E por fim, é ainda triste, perceber-se que são cada vez mais, os ressentidos e magoados com tudo isto, que se deixam convencer por fórmulas
políticas simplistas e básicas que nada resolverão, mas que certamente
contribuirão decisivamente para aumentar a confusão.
Caso
Portugal se tornasse infrenquentável, ninguém poderia levar a mal que uns
quantos dos melhores educados e formados desistissem de vez e, apesar da idade,
quisessem partir. Se assim fosse, não era de espantar que esses tantos se
decidissem a deixar o país para trás, e a ir talvez para Londres ou Paris.
Aventuravam-se, faziam-se ao mundo, e depois logo se via, o que a vida lhes
traria.
Pensando bem, para resolverem a situação de vez, se calhar o melhor mesmo era irem para muito longe e arranjarem uma casa assim tipo em Zanzibar. Um sítio tão distante, que com toda a certeza nunca mais ouviriam falar das desgraças e desventuras do seu infeliz país natal.
Na verdade,
não cremos que já tenhamos chegado a tal situação. Ainda acreditamos que há
muitas coisas, que todos juntos, ou seja, os médicos, os professores, os engenheiros
e muitos outros mais, podem fazer pelo país. Continuamos a crer, que aqueles
que tiveram a sorte de ter tido uma melhor formação e educação do que a maior
parte dos seus concidadãos, ainda têm vontade de servir a nação, e dar o que de
bom terão para oferecer a este lusitano torrão.
Há algo de
perturbador numa certa forma de pensar, que cada vez parece estar mais
instalada, segundo a qual, uma boa formação e educação, deverá essencialmente
servir para se obter proveitos pessoais.
Significa
isto, que se diz às crianças e jovens de agora, que terão de estudar e de se
formar para poderem subir na vida, obterem um bom emprego e no futuro, se tudo
lhes correr de feição, auferirem de excelentes rendimentos.
Como é
evidente, uma boa educação e igual formação, também servirão para se subir, mas
o ponto aqui é que não deveriam servir tão-somente para isso, nem essa ideia
egoísta devia ser transmitida a ninguém, sobretudo aos meninos e moços, aos
adolescentes e aos já jovens adultos.
Atualmente
há muito quem pense, que a dita boa formação e educação, é fundamentalmente um
excelente cartão-de-visita para se entrar na rota ascendente do chamado
elevador social, e assim se tentar subir na vida, para se fazer um figurão.
Contudo, noutros tempos, ou seja, naqueles em que crescemos, os de já de certa
idade, e os ainda mais antigos, uma boa educação e formação constituíam também
uma espécie de obrigação.
Dantes, quem
quer que tivesse tido a sorte de beneficiar de uma boa educação e formação,
estava mais ou menos ciente, de que para além dos eventuais ganhos individuais
que daí lhe pudessem advir, estaria também “obrigado” a partilhar com os
restantes concidadãos os frutos, saberes e conhecimentos que adquiriu através
dos seus estudos.
Ponhamos o
caso dos médicos. Sendo absolutamente legítimo que muitos doutores queiram
ganhar mais dinheiro do que aquele que mensalmente auferem no Serviço Nacional
de Saúde, é igualmente verdade que o país os educou e formou, tendo portanto a
nação alguma legitimidade para esperar deles também algo em troca.
Com isto não
queremos dizer ou sequer insinuar, que a classe médica não tem prestado muitos
e bons serviços aos seus compatriotas, estamos simplesmente a dizer, que é
precisamente desse modo que as coisas devem ser.
O anormal
seria que a classe médica se preocupasse exclusivamente em enriquecer,
esquecendo que teve a sorte de ter tido uma boa e educação e formação, e que
isso sucedeu, porque de algum modo a comunidade contribuiu em parte para que
assim fosse.
Mas isto quem diz os doutores, diz igualmente os engenheiros, os arquitetos, os professores e outros mais. Se cada um com uma certa idade, após educado e formado, efetuasse ao longo da vida as suas escolhas profissionais e pessoais pensando estritamente no seu exclusivo interesse, o mais certo era que por esta altura do campeonato, já toda essa gente se tivesse posto a andar, e vivesse agora a gozar a vida em Zanzibar, que fica lá longe, além-mar.
Em boa
verdade, pouco ou nada sabemos de Zanzibar, apenas que é um lugar muito antigo,
com cerca de mil anos, e que por lá andaram e se estabeleceram navegadores
portugueses em séculos distantes. Sabemos também, que os seus costumes e
cultura são uma exótica e singular mistura de influências africanas e
europeias, a que se juntaram outras com sabor a especiarias, vindas da remota
Arábia e das longínquas Índias.
Tirando o
que já fomos dizendo, de Zanzibar, nada mais conhecemos. Todavia, o seu
excêntrico nome, faz-nos sonhar e por isso pensar, que é capaz de ser um excelente
sítio para se ir, quando de Portugal perpetuamente se quiser fugir.
No fundo, Zanzibar neste texto mais não é do que uma metáfora para se dizer que há no
nosso país coisas tristes, que nos demonstram claramente, que já muita gente
pensa só em si, e o resto que se lixe. Sendo por isso, que por vezes, a muitos
outros que pensam em todos, dá vontade de partir para longe daqui.
Vejamos um
exemplo, soube-se há uns poucos dias, que a classe docente no seu conjunto, dá
dois milhões de faltas ao serviço por ano letivo. É certo que muitas delas são
completamente justificadas por legítimas razões de saúde, contudo, pelo tom das
notícias jornalísticas, fica-se com uma certa desconfiança, que haverá
bastantes que poderão não o ser. Quem quiser confirmar as notícias, é só ir
ver.
Essa
desconfiança acentua-se grandemente, quando essas mesmas notícias nos dizem num
tom quase a roçar o jocoso, que apenas 10% da totalidade dos professores são
responsáveis por cerca de um milhão e oitocentas mil dessas ausências. Quase
que se insinua que há docentes malandros.
No entanto,
se formos olhar para esses exatos dados com alguma atenção, o que estes nos
dizem também, é que há 40% dos docentes que nunca faltam ao serviço, e uns
outros 50%, que só o fazem muito pontualmente.
Assim sendo,
qual é a razão que justifica fazerem-se parangonas jornalísticas realçando o
número dois milhões, ao invés de realçar o facto de 90% dos docentes
praticamente nunca faltarem ao serviço?
A razão para
se preferir realçar o lado mau da questão é simples: as televisões, as rádios,
os jornais e quem os dirige, só pensam em si mesmos, e mais particularmente em
fazer machetes sensacionalistas.
Na
realidade, pouco ou nada lhes parece importar, que o tom dado a essa notícia,
contribua grandemente para destruir publicamente a reputação da classe docente
e a credibilidade da escola pública.
Desde momento
que tenham muitos leitores, ouvintes e as audiências cresçam fortemente, tanto
lhes faz como lhes fez. O que é bom ou mau para a restante comunidade, aparenta
não ser coisa que os afete.
Presumimos
que a maioria dos jornalistas beneficiou de uma boa educação e formação ou, que
pelo menos, completou o ensino básico. Nesse contexto, alguma matemática hão de
ter aprendido e, assim sendo, bastava fazerem umas contas simples, pois por ano
letivo há 50 milhões de aulas, havendo faltas em 2 milhões, isso significa que
na classe docente há uma taxa de absentismo na ordem dos 4%.
Como se
compreenderá, dizer-se que a taxa anual de absentismo da classe docente é de
4%, é completamente diferente de dizer-se que os professores faltam a dois
milhões de aulas por ano. Os factos são os mesmos, o enfoque que se dá é que é
completamente distinto.
A bem dizer,
os títulos da imprensa em vez de terem sido dois milhões de faltas por ano,
podiam muito bem ter sido, 96% do serviço letivo anual é cumprido. É triste que
não tenha sido.
Mais a mais, que só para compararmos, fomos verificar qual é a taxa de absentismo nos setores empresariais e constatámos que esta há anos que se situa entre os 6% e os 7,5%, como detalhadamente se explica neste artigo da revista Forbes:
A pergunta
que então se impõe, é por qual razão se dá destaque noticioso de enfoque tão
negativo às faltas dos professores, quando feitas as contas, estas são em parca
percentagem e há outros setores em que o absentismo é bastante mais elevado?
Mais uma vez,
a razão é simples, a saber, os interesses privados. Há uns quantos que
ambicionam subir na vida à custa da educação e a quem muito convém, que a
escola pública seja publicamente denegrida. Esses quantos sabem que podem
contar com a comunicação social, pois salvo raras excepções, aos órgãos da
dita, também lhe convém que haja escândalos e cenas tristes, é bom para
audiências. Consequentemente, junta-se a fome com a vontade de comer e todos
satisfazem as suas clientelas.
Muito provavelmente, todos estes de que falámos, beneficiaram de uma excelente educação e formação, mas ao invés de a colocarem ao serviço da comunidade, põe-na exclusivamente ao serviço dos seus proveitos, sendo por tudo isto, que a outros por vezes lhes dá vontade de fugir para Zanzibar.
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