Há supostos especialistas das coisas românticas, que em sites, revistas e jornais, sugerem que para se conhecer potenciais pares e se iniciar uma primeira conversa, o melhor sítio são os supermercados.
Ao contrário de outros locais mais habituais para este tipo de situações, sejam estes bares ou bailes, nos supermercados, não há cá timidez ou pressão emocional, muito pelo contrário, tudo acontece de forma espontânea e muito natural.
Quem quer que se interesse seriamente por este assunto, o melhor que tem a fazer, é deixar neste exato momento de nos ler, e concentrar-se na imprensa especializada, como por exemplo, a edição internacional da Marie Claire:
https://www.marieclaire.com/sex-love/a3174/flirting-tips-grocery-store-whole-foods/
Com efeito, no supermercado, alguém vê um outro alguém
lá ao fundo na secção dos congelados, e sem mais nem porquê, põe-se a andar, e
ao chegar, mete conversa, queixando-se amargamente da carestia de vida.
Muito naturalmente, o outro ouve e responde que sim
senhora, está tudo pela hora da morte. Não é preciso mais, a partir daí, a
conversa desenrola-se facilmente e com toda a normalidade.
Se tudo correr bem, descobrem depois, que um e o outro
até têm algo em comum, a saber, que ambos adoram pescadinhas de rabo na boca a
acompanhar com arroz malandrinho. E pronto, em princípio, o mais complicado
está feito. Deu-se início ao idílio, porque não começar já em busca de um
padrinho?
No entanto, só o futuro dirá, se o romance virá a dar em casamento, ou se tarde ou cedo, vai cada um para seu lado. O único que é certo, é que seja o que for que suceder, o problema não foi a falta de assunto para iniciarem uma primeira conversa.
Quem nos lê, independentemente da sua idade, saberá perfeitamente, ou por experiência própria ou pelas alheias, que a falta de um tema apropriado para se iniciar uma primeira conversa, é um assunto que tem castigado sucessivas gerações de homens e mulheres.
Quantos suspiraram longa e profundamente por este, por
aquele ou pelo outro, mas nunca chegaram a ganhar coragem para deles se
aproximarem e lhes dizerem isto, aquilo ou aqueloutro? Serão milhares, quiçá
milhões.
Mas a todos esses, podemos juntar ainda mais. Pensemos
também, em todos aqueles, que efetivamente ganharam coragem e se decidiram a
meter conversa com alguém, mas cujo tema da dita, provocou no receptor uma
imediata e expressiva, quando não agressiva, reação de desprezo e desdém.
Se formos a pensar bem nisso, a todos esses audazes,
mais lhes valia terem ficado calados e sossegados. Evitariam assim, ter sido
liminarmente rejeitados, ainda mal tinham aberto a boca, e por essa via, terem
adquirido um trauma, que os acompanhará para o resto das suas vidas.
Antes de terem sido cruelmente desprezados, esses
destemidos, pensavam em si próprios como sendo só tímidos. Mesmo crendo-se
tímidos, sentiam-se ainda assim como se fossem uma espécie de heróis, capazes
de fazer das fraquezas forças, ultrapassar a timidez, ganhar coragem, arriscar
e ir meter conversa.
Só que após terem metido conversa e sido desdenhados,
ficaram a saber que não eram só tímidos, souberam também, que a sua conversa
não valia nada, que o mais que provocava, era risos e gozos. Adquiriram então
dessa forma, uma súbita e plena consciência de quão insignificantes são, sendo
isso uma dor interior, que nunca mais os largará.
A única conclusão a retirar de tudo isto, é que um
supermercado é um lugar seguro, pois há poucas probabilidades de alguém se sair
com uma enorme baboseira e ser rejeitado, enquanto faz o avio das frutas, das
carnes e dos legumes.
Para além do mais, é um sítio onde se cria prontamente empatia. A vida custa a todos, e se alguém disser com um ar cândido, que é uma roubalheira o preço a que está o quilo de abacaxis, não há quem não tenha tendência imediata para dizer que sim, e a simpatizar rapidamente com quem o diz.
Mas tudo isto, o relativo aos supermercados, não é a nossa cena, nós é mais museus. Mas a que propósito, é que iríamos meter conversa acerca de robalos, moelas, vegetais, miudezas, tubérculos o outras coisas que tais?
Nós somos assim mais a atirar para o intelectual,
razão pela qual, as nossas conversas são sempre de cariz cultural. Por assim
ser, metemos conversas em galerias de arte e museus.
E nisso não estamos sozinhos, há toda uma longa
tradição, que para quem queira aprender, vale a pena ver. A esse propósito, há
sobretudo que recordar, as cenas nova-iorquinas de alguns filmes de Woody
Allen.
Pensemos no filme “Play it again Sam” de 1972. Nele, Woody Allen quer meter conversa, mas não sabe como o há de fazer. Uma amiga,
interpretada por Diane Keaton, ensina-o como. Vão ao Museum of Modern Art
de Nova Iorque, e procuram por uma oportunidade.
Até que ao longe avistam alguém. Diane incentiva-o.
Woody aproxima-se então de uma miúda que observa um quadro e diz-lhe assim: é
um magnífico Jackson Pollock, não é?
Ao que esta lhe responde que sim. Woody continua a
conversa e pergunta-lhe que significado tem o quadro para ela. Ao que ela lhe
diz, que vê na obra a negatividade do universo, uma horrível solidão e o imenso
vazio de toda a existência, assim como o escuro absurdo do cosmos, o nada e o
horror perante a vasta eternidade.
Como a conversa lhe estava a correr bem, Woody
questiona-a seguidamente, sobre os quais planos teria ela para o próximo sábado
à noite.
Ela diz-lhe que no sábado se vai matar. Surpreendido mas não muito, Woody reformula rapidamente a questão, perguntando-lhe então se porventura estaria livre na sexta-feira à noite.
Aqui fica a cena:
Nós queremos que no futuro, quando forem mais crescidos, os nossos alunos saibam meter conversa nos museus, e não tenham de recorrer a supermercados. Foi por isso que com eles trabalhámos o guião de aprendizagem "Amor é fogo que arde sem se ver"
PS - As fotos de supermercado, são da autoria do grande artista alemão Andreas Gursky.
Comentários
Enviar um comentário