Percebemos
pelas eleições do passado domingo e pelas análises e estudos demográficos a
esse propósito efetuados, que parte significativa da atual juventude nacional é
fã de Portugal. Ao que parece são nacionalistas ou qualquer coisa desse género.
Pelos vistos defendem com unhas e dentes as nossas tradições e costumes e
acreditam piamente que o que é nacional é bom.
“O que é
nacional é bom” é um conhecido slogan publicitário que tem atravessado
gerações, sendo que o termo nacional se refere neste contexto à fábrica “A
Nacional”, cuja existência remonta a 1849.
Um dos produtos mais conhecidos da marca “A Nacional” é a Bolacha Maria. A tradicional Bolacha Maria carrega a pesada incumbência de ter o mesmo nome que mais de metade das portuguesas e está na base de iguarias tão tipicamente lusitanas como por exemplo o bolo de bolacha ou a serradura.
Nós fomos
jovens noutros tempos e por consequência, de nacionalistas temos pouco, para
não dizer quase nada. Com efeito, nessa época não se usava muito ser um garboso
português, ser nacionalista era coisa que não estava na moda.
Gostamos de
Portugal? Sim. Às vezes. Enfim, de vez em quando. Na verdade, tem dias. E da
Bolacha Maria, gostamos? Não. Nunca, jamais. É seca, desenxabida e enrola-se na
língua.
Não nos
interpretem mal, nada temos contra os produtos de “A Nacional”, gostamos até
bastante dos seus esparguetes e demais massas, só da Bolacha Maria é que nem
por isso.
Talvez
causemos uma grande desilusão aos amantes nacionais das tradicionais bolachas,
mas a nossa consciência impõe-nos que a todos revelemos, que nem a origem da
Maria é portuguesa, nem os portugueses a podem chamar só sua.
Desta é que
ninguém estava à espera, pois não? Ou porventura já sabiam?
Em Outubro de 1853, nasceu não muito longe de São Petersburgo, Maria Alexandrovna, filha do czar Alexandre II da Rússia. Duas décadas depois, em 1874, Maria Alexandrovna é pedida em casamento pelo filho da Rainha Victoria, o Duque de Edimburgo. Para celebrar o enlace, uma fábrica britânica de bolos e biscoitos decide então lançar uma bolacha comemorativa. E pronto, foi assim que se iniciou a história da célebre e “tão portuguesa” Bolacha Maria. Abaixo uma foto de Maria Alexandrovna.
Passados uns
tempos, no início do século XX, a Bolacha Maria já era produzida em Portugal e
em Espanha, pois tal foi o seu sucesso por terras inglesas e não só, que o seu
fabrico se expandiu para muitos outros países.
Por cá foram
muito populares, mas em Espanha tornaram-se um autêntico símbolo. É de tal
forma, que ainda hoje “As Galletas Maria” constituem um verdadeiro ícone do
país vizinho. Os nacionalistas espanhóis também gostam muito dela, sempre
gostaram, Franco, o ditador, era um grande fã.
Sabendo tudo
isto, se por acaso nós fossemos jovens nacionalistas portugueses, nem mais uma
bolacha Maria entraria pela nossa boca adentro. Andávamos por aí todos
convencidos que a Maria fazia parte inalienável e exclusiva da identidade
nacional e vai-se a ver, afinal é uma russa, tem relações com o Reino Unido e
os espanhóis chamam-na sua. Está mal, feitas as contas a Maria é uma devassa de
dimensão internacional.
Quem queira
entender qual o grau de promiscuidade da Bolacha Maria, é só ir verificar os
múltiplos e sugestivos nomes porque responde nas mais diversas nações. Na
Bolívia chamam-lhe Maria Bonita, na Dinamarca Mariekiks, na Finlândia Kulta
Marie, no Uruguai Maria Rika e na Malásia Ping Pong Marie.
Isto já para
não falar de todos os nomes que lhe chamam por terras de Espanha: María Dorada,
María Hojaldrada, María Leche, La Buena María e outras coisas mais. Em síntese,
é uma pouca-vergonha, essa é que é essa, a Maria que era só nossa, afinal é de
todos.
Acreditávamos
que a nossa bolacha não era uma Maria vai com as outras, e vai na volta anda
pelo mundo inteiro no regabofe. O trauma é grande, sobretudo para os
nacionalistas, pois tais liberdades era coisa que jamais associariam à Bolacha
Maria, que aparentava ser muito ajuizada e sossegada.
Em boa
verdade, a Maria é uma grande sonsa, tem aquele ar de pãozinho sem sal, e pela
calada parte a loiça toda. A Bolacha Maria é produzida pela fábrica “A
Nacional”, mas dadas as suas tantas e muitas relações, bem podemos dizer que
com ela é tudo à grande e à francesa.
A comprovada
imoralidade da Maria leva-nos a crer que apesar das aparências, tem poucas
afinidades com a nossa casta e tradicional pastelaria. Mesmo sendo insossa e
desengraçada, a Bolacha Maria tem costumes e liberdades mais afins à pâtisserie
francesa do que propriamente à pastelaria portuguesa.
Quando
pensamos em bolos, doces e biscoitos franceses vem-nos logo à ideia coisas
imorais como La Brioche, Les Chouquettes, La Charlotte au fraises ou La
Religieuse. Coisas em que somente pelos nomes, sabemos logo que estamos a falar
de sensuais sabores, de cremosas texturas e de massas fofas e crocantes.
Em resumo,
ouvindo tais nomes sabemos imediatamente que estamos perante o tipo de
libertinagens gustativas de que só os franceses são capazes.
Abaixo temos
uma imagem de um Le Fondant au chocolat. Só pelo aspeto, percebe-se já o que
para ali vai. Mas para que carga de água servirá o cordel? Porventura alguém
ata ou amarra algo ou alguém quando está a comer? E as flores são para quê?
Estaremos por acaso nalgum prado ou pastagem? Seremos nós cabras ou vacas?
Pastagem é pastagem, pâtisserie é pâtisserie e pastelaria é pastelaria, são
coisas que os bons portugueses não confundem.
Um bom
nacionalista português, como já se vê, jamais abriria a boca para pastar e
comer flores. Um verdadeiro patriota nunca deixará que na sua cavidade bocal lá
entre a indecente e libertina pâtisserie francesa. Portugal não é Paris e por
cá não confundimos pastagem com pâtisserie, nem ambas com pastelaria. Portugal,
Portugal, Portugal…
Antes,
quando os nacionalistas não desconfiavam das origens e das relações da Bolacha
Maria sentiam-se tranquilos e seguros, olhavam para ela e viam que nada no seu
aspeto chamava a atenção ou despertava a mais leve sensação. Como convém e fica
bem, passava despercebida em qualquer lado.
Ao comê-la
os patriotas verificavam que o seu sabor também não era nada de extraordinário,
por consequência, quando comiam a Maria, sabiam estar a comer uma coisa
decente, casta, moral e verdadeiramente portuguesa, e não algo que se
assemelhasse às pecaminosas iguarias francesas.
Mas dito
isto, o que vieram eles a descobrir? Que a Maria também não é uma bolacha
séria, que é russa, tem relações britânicas e dá-se muito com espanhóis. E isto
já para não dizer que também se dá com finlandeses, uruguaios e até com
malaios, no fundo, tudo lhe serve.
Aqui
chegados, a verdade é que neste momento um jovem nacionalista deve estar
desorientado. A sua confiança no mundo estará provavelmente abalada. Se um
produto que se julgava tão genuinamente português, é afinal tão internacional,
como poderá a juventude portuguesa ter a certeza de que o mesmo não sucede com
outros símbolos da identidade nacional?
Comecemos
desde logo pelo próprio hino, que foi composto por Alfredo Keil. Mas como assim
Keil? Que apelido é esse, não tem nada ar de ser português! Será que o hino não
terá antes sido composto por Alfredo Silva ou Alfredo Lopes? Na realidade não,
foi mesmo composto pelo português Alfredo Keil, cujo pai era o alfaiate alemão Hans-Christian
Keil e a mãe a francesa de origem alsaciana Maria Josefina Stellflug.
E que dizer
da capital de Portugal, que durante séculos foi conhecida pelo seu nome árabe,
Al-Lisbuna. De origem árabe são também alguns dos seus mais tradicionais
bairros, como a Mouraria, a Madragoa ou Alfama, não falando no Castelo de São
Jorge, que também foi erguido pelos árabes.
Neste
instante, é possível que o jovem nacionalista esteja a pensar mas que tourada
vem afinal a ser esta? A propósito, a arquitetura da Praça de Touros do Campo
Pequeno é de origem mourisca.
Para agravar
a situação, a capital sempre foi uma cidade altamente cosmopolita, e já na
época quinhentista era bastante numerosa a população de
origem africana que a compunha.
Uma
célebre pintura do século XVI intitulada “Chafariz d’el Rei", retrata a
Lisboa desses tempos e nela podemos observar uns quantos
africanos que eram escravos, mas também muitos outros que viviam e conviviam de
igual para igual com a restante população.
Inclusivamente, existia até quem
fosse de origem africana e tivesse sido armado cavaleiro. Era o caso de João de
Sá Panasco, nascido no Congo em 1524 e falecido em Lisboa em 1567.
Abaixo podemos vê-lo na parte inferior direita da pintura, usando um requintado chapéu e montado no seu elegante cavalo. Leva negras vestes, nas quais se destaca nas costas a rubra cruz da Ordem de Santiago da Espada.
Na década de 80 do século XX havia em Espanha uma popular banda de punk galego que se chamava Siniestro Total. Em 1984 lançaram o seu álbum de maior sucesso, que se intitulava assim: “Menos mal que nos queda Portugal”.
A expressão “Menos mal que nos queda Portugal” há muito que é usada por “Nuestros Hermanos”, existem várias versões sobre a sua origem, mas a mais divertida, é a de que a expressão terá surgido porque, aquando dos Festivais da Eurovisão, não importava o quão mal classificada ficava Espanha, porque Portugal salvaria a honra nacional espanhola, ao ficar ainda pior. Quem, como nós, foi jovem noutros tempos, que não nos atuais, recorda-se bem da frase “Portugal, zero points”.
Em 2010, os BLA (duo indie-pop espanhol) lançaram o
single “Yo Soy Como Portugal”, no qual a vocalista se compara a Portugal, já
que os dois são uma espécie de relíquia por descobrir,
pois “parece que em qualquer lugar, há sempre igual, ou melhor, que o nosso”.
Terminamos dedicando este tema musical a todos os jovens nacionalistas, e já agora, também aos mais velhos, Mal não lhes faz…
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