Hoje mudou a hora, ontem vimos os telejornais. Há
poucas coisas tão fascinantes na vida, como assistir aos noticiários por
alturas da hora de jantar. Bem sabemos que as famílias como deve de ser não o
fazem, pois que a hora da refeição é sagrada e é suposto esse ser “um tempo de
qualidade”, mas uma vez por outra, assim de vez em quando, com certeza que não
fará grande mal à saúde de ninguém.
Aliás, afinal que vem a ser isso de “um tempo de qualidade” à hora de jantar? Consiste tão-somente em a mãe perguntar ao pai o que é que almoçaste hoje, o pai perguntar à mãe como é que foi o teu dia no trabalho, e ambos perguntarem aos filhos como é que vai a escola. Se despacharem rapidamente esses assuntos, ainda há tempo mais do que suficiente para todos juntos verem o telejornal.
Como nós nos estamos completamente nas tintas para os
tempos de qualidade, pusemo-nos a ver as notícias na TV sem mais nem porquê, e
a realidade é que não nos arrependemos e demos o nosso tempo por bem passado.
Já agora, só por curiosidade, almoçámos bacalhau de cebolada e o dia no
trabalho correu bem, mais não seja porque é fim de semana.
Manda a verdade que confessemos, que habitualmente nem
sequer vemos muita televisão, no entanto, há dias, assim muito de quando em
quando, em que sim. Dias esses em que nos pomos a ver um telejornal do
princípio ao fim, o que a bem dizer é um tanto ou quanto duro, pois ele dura
uma boa hora e tal, quase duas. No entanto, o certo é que o esforço compensa.
Sejamos sinceros, não vemos propriamente um telejornal
do início até ao final, vamos sim mudando de canal, da SIC para a TVI, depois
para a RTP, a seguir novamente para a SIC, logo após para a TVI, mais uma vez para
a RTP e assim sucessivamente. A isto chama-se fazer zapping, ou seja, aquilo
que no estrangeiro se designa por flipping channels, channel hopping ou
channel-surfing.
Vendo os telejornais ao jantar, soubemos de coisas
absolutamente incríveis e de que jamais desconfiaríamos, como por exemplo, que
a velocidade do planeta Terra está a desacelerar devido às alterações
climáticas.
Desde 1972 para cá, devido a essa desaceleração, já
foram acrescentados vinte e sete segundos ao tempo. Vejam lá que não fazíamos a
menor ideia de que tal coisa tivesse acontecido. Não fazíamos sequer ideia que
isso fosse possível. É por estas e por outras que é bom uma pessoa andar
informada.
Os tais 27 segundos é uma coisa muito complicada de se perceber, e ouvindo as explicações dadas nos telejornais, efetivamente não percebemos absolutamente nada do que se passou. Felizmente que ainda existe a imprensa escrita, por consequência, fomos ler a notícia no jornal Público e aí sim, já percebemos tudo. Vinte e sete segundos a mais, quem diria?
Isto de não se perceber nada do que se diz nos
telejornais à hora de jantar, parece não ter sido um mero acaso, aparentemente
é suposto ser mesmo assim. É que houve mais notícias das quais nada entendemos.
Por exemplo, ontem a RTP decidiu dar a notícia de que
há cinquenta anos, houve em Lisboa um desfile de lingerie feminina. Pelos
vistos, a coisa integra-se numa rubrica diária dedicada aos 50 anos do 25 de
Abril.
Mas que interesse terá sabermos, que nos finais de
março de 1974, houve umas tantas senhoras, que hoje terão para cima de setenta
e tal anos de idade, que nesse tempo desfilaram em cuecas e soutien?
Sinceramente, por mais que nos esforcemos, não
entendemos qual a lógica ou necessidade. Já tentámos ver se na imprensa escrita
haveria algo que nos pudesse iluminar acerca deste tema, mas não, nada há nem
ninguém para nos esclarecer.
Em qualquer dos casos, aqui fica um retrato do tempo
em que as atuais avós andavam semi-nuas a desfilar por aí. Se olharem com muita
atenção, hão de constatar que de algum modo já havia prenúncios do despontar de
uma revolução e de que o povo unido jamais será vencido.
Um outro tema que foi abordado pelos telejornais de
todos os canais, foi a doçaria. Todos falaram extensamente dos tradicionais
doces da Páscoa. Cada estação de televisão escolheu a sua pastelaria favorita e
toca de discorrer longamente acerca de ovos de chocolate e de outras iguarias
que tais.
Contudo, a TVI foi mais longe, decidiu aproveitar a
ocasião para também noticiar, que afinal os ovos, os que saem das galinhas
entenda-se, não fazem mal ao colesterol. Quem tiver oportunidade de ver esta
reportagem, não o deve deixar de fazer, pois é um momento de pura poesia
noticiosa.
Tudo se inicia com imagens de um galinheiro ao som de
música latina. O repórter diz-nos então que as galinhas gostam dos sons
latinos. Por alguma razão em especial? Há alguma explicação para tal? É só uma
piada falhada? Ficámos sem saber. Seguidamente aparecem uma série de
especialistas de assuntos vários para nos dizerem que, ao contrário do que
muita gente pensa, afinal os ovos não fazem mal ao colesterol. Ai não?! Essa
agora! De uma contrariedade destas é que não estávamos mesmo à espera!
Bom, calma, seja como for, por nós tudo bem. O certo é
que continuaremos a comer ovos, mesmo não sendo estes maus para o colesterol. A
bem dizer, a alguma coisa hão de fazer mal, talvez ao fígado, sabe-se lá. Doa a
quem doer, as galinhas podem continuar a contar connosco, estamos solidários,
venham de lá esses ovos camaradas galináceos, 25 de Abril sempre.
A reportagem continua informando-nos que os ovos podem
ser cozidos, estrelados ou mexidos e que há também quem os ingira em forma de
omelete. Quem diria tal coisa? É uma novidade daquelas que jamais
adivinharíamos.
Há quem coma omeletes? A sério? Ainda bem que vemos as
notícias, se assim não fosse, íamos morrer sem saber certas coisas. Mais uma
vez repetimos e dizemos, é bom andarmos informados.
Por fim, a notícia termina anunciando-nos que as
galinhas não gostam só de música latina, também gostam de música clássica.
Porquê? Isso não nos dizem. Será mais uma piada? Uma descoberta resultante de
uma importante pesquisa científica? Será por causa da desaceleração da Terra? É um
mistério.
É como antes vos dissemos, quem tenha Box’s ou TV 7
dias, não pode deixar de ir ver ou rever este brilhante momento de jornalismo
televisivo, vale mesmo muito a pena.
Mas como é evidente, a grande notícia do dia, a que
teve destaque em todos os canais, a que é de última hora, é a de que mudou a
hora. Esta madrugada adiantaram-se os relógios.
Claro está que todas as televisões deram imenso realce
a esse tema, mas houve uma reportagem em específico, que captou a nossa
particular atenção, intitulava-se “A mudança da hora faz mal à saúde?” ou
qualquer coisa assim. Enfim, apesar de estarmos extremamente atentos,
escapou-nos o título correto.
Algo que se compreende, pois ainda estávamos um tanto
ou quanto perplexos com as notícias anteriores sobre galinhas que gostam de
sons latinos e senhoras que antes do 25 de Abril desfilavam em trajes menores.
Segundo a notícia, ao que parece, quando muda a hora,
o ritmo circadiano que regula o nosso sistema metabólico é alterado. Como o
ritmo circadiano desempenha um importante papel na metabolização do colesterol,
essa alteração horária pode causar-nos alguns problemas de saúde.
Em resumo, os ovos não fazem mal ao colesterol, mas a
mudança da hora é capaz de fazer. Se os vinte e sete segundos que foram
acrescentados ao tempo têm ou não efeitos no nosso metabolismo é coisa que
ainda não se descobriu, mas se tivéssemos de apostar, diríamos que sim.
Para o final ficou guardada uma reportagem sobre
pessoas extraordinárias, ou seja, aquelas que fazem a diferença. Aparentemente
é uma rubrica que vai passar a dar todos os dias, ontem foi o primeiro
episódio. A pessoa extraordinária que escolheram para a reportagem inicial foi
uma professora primária, foi desse modo que a designaram.
Ficámos com o ritmo circadiano alterado pela expetativa.
Mas que fará de tão fenomenal esta senhora professora? Queres ver que põe ovos,
que desfila pelas aulas em cuecas e soutien ou que tem zero de colesterol?
Afinal não era nada disso, o que fez foi transformar a
sala de aula num reino de emoções. Pelo que se vê na reportagem, a professora é
uma pessoa muito empenhada e dedicada e obtém excelentes resultados. Alunos e
encarregados de educação adoram-na, nada contra, tudo favor.
Mas dito isto, e depois de termos visto durante uma
hora e tal notícias tão extraordinárias nos telejornais, estávamos à espera de
algo de absolutamente excepcional, e a verdade é que docentes empenhados e
dedicados conhecemos bastantes, não é uma novidade assim tão grande. Novidade
grande foi saber que há quem coma omeletes.
Seja como for aqui fica a reportagem, a professora para além de competente, é também simpática, alegre e divertida, e isso vale sempre a pena ver:
Terminadas as notícias fomo-nos repousar e aguardar
tranquilamente pela mudança da hora, como, seria de esperar tivemos pesadelos
com galinhas em cuecas, o planeta Terra transformado numa omelete, relógios com
os ponteiros a moverem-se descontroladamente e professoras a babarem-se de
colesterol enquanto bailam ao sons “calientes” dos ritmos latinos.
Foi horrível, acordámos com o metabolismo totalmente alterado. Gostámos muito de ver os telejornais, demos o tempo por bem passado, mas tememos não ter uma saúde suficientemente robusta para fazermos muitas mais sessões televisivas deste calibre, sobretudo quando muda a hora, o futuro o dirá.
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