"O gordo vai à baliza" era uma expressão que dantes a rapaziada usava livremente, sem mais nem porquê. Agora já não se pode. Se tal coisa suceder no recreio de uma escola, o mais certo é o que putativo gordo desenvolva problemas de autoestima, que os encarregados de educação se venham queixar e que a escola tenha que desenvolver estratégias de integração e inclusão.
Ontem houve um derby. Não foi a primeira vez, mas disso logo falaremos numa outra vez. Fica prometido. Nas escolas, como por todo o lado,
fala-se muito de futebol, só que nada, ou quase nada, dentro das salas de aula.
Há quem considere o futebol um assunto grosseiro, uma mera brincadeira e não um
tema com dignidade académica. Para esses, falar de futebol, só serve para
conversas corriqueiras.
Se porventura for professor, quem assim pensar, falar
de futebol fica a ser tema exclusivo do recreio, pois nas aulas, fala-se
tão-somente da matéria e de coisas intelectuais e sérias.
Tal não é o modo de pensar de quem concebeu a
revista espanhola Panenka, que nasceu em 2011. Esta publicação mensal, com
distribuição internacional, fala-nos de futebol como uma brincadeira séria,
falando-nos simultaneamente de artes, de livros, de música, de história, de
política, de filosofia e de outras coisas que tais.
Significa isto, que para a revista Panenka, o futebol
é um fenómeno cultural acerca do qual se deve escrever tão a sério ou tão a
brincar, tão bem ou tão mal, como se escreve acerca de um poema, de uma
melodia, de uma escultura ou de um ideal. A nós parece-nos bem pensado, pois feitas as contas o futebol é uma metáfora da vida.
Há uns tempos, houve um número da Panenka que foi
dedicado a Portugal. Abaixo a imagem de capa:
A revista Panenka tem uma intencionalidade que lhe é
subjacente, por isso, publicou um manifesto em que explícita claramente ao que
vem, vejamos alguns dos seus melhores pontos:
“A Panenka le gustan las historias de
fútbol sin espacio en los medios mainstream: historias de seres humanos que
ganan y pierden. Sobre todo, que pierden.”
“En Panenka nos apasiona la capacidad
del fútbol para transportarnos a otros países y otras épocas. Sociedad, cultura
y política botan al compás del balón.”
“Panenka no colabora con la dictadura de la actualidad,
la agenda manida y los temas obvios, repetidos y políticamente correctos.”
“Panenka supone una modesta locura compartida por varias
docenas de periodistas, escritores, ilustradores, fotógrafos e infografistas.
También por algunos futbolistas y entrenadores. La locura de creer que el
fútbol merece otro lenguaje y otra estética.”
Neste blog compartilhamos modestamente as intenções da
revista Panenka, só que em vez de termos como tema central o futebol, temos a
educação. Acreditamos poder falar de educação viajando a outros países
e a diferentes épocas e brincando com a ditadura da atualidade e com as
matérias óbvias.
Acreditamos ainda em escrever sobre educação mantendo
uma espécie de “flirt” discreto com a loucura, ou seja, com a loucura de
acreditar, que essa conversa, merece uma outra estética e uma outra linguagem,
que não a de sempre.
No fundo, gostamos de quem brinca e arrisca mesmo que perca, pois pouco nos importam as conversas habituais sobre rankings, facilitismo, indisciplina e de outras coisas sérias desse género, do que gostamos mesmo, é de quem vai a jogo.
https://www.panenka.org/manifiesto/
De que falamos quando falamos de futebol ? Pois claro
que podemos falar das incidências do jogo, de uma finta, de um penálti ou de um
fora de jogo, mas isso não dá para muito, frequentemente só dá para fazer
barulho. Melhor é falar do que envolve o futebol e do seu profundo significado.
A boa literatura futebolística, tende até a prescindir
da bola, preferindo explorar as paixões, as felicidades e as misérias que lhe
andam associadas. Se é no futebol que se encontram os grandes heróis trágicos
contemporâneos (coisa que podemos lamentar mas não contestar), resulta então
fácil perceber que haverá poucos temas tão atrativos para o pensamento
filosófico, como o pontapé no esférico.
Nesse contexto, uma das melhores obras dos últimos anos intitula-se "De Nietzsche a Mourinho; Guia Filosófico para Tempos de Crise". O autor é Santiago Navajas, eminente professor de Filosofia e ensaísta.
Abaixo uma foto do grande avançado centro da filosofia alemã, Friedrich Wilhelm Nietzsche.
Mas de que falamos quando falamos de educação? Pois claro
que podemos falar de exames, de testes e da matéria, ou da indisciplina e da
carreira docente, mas isso não dá para muito, frequentemente só dá para fazer
barulho nas televisões, nos jornais e nas redes sociais. Melhor é falar do que
funda a educação e qual o seu profundo significado. Nesse contexto, falar de um
derby ou de quem foi Panenka, cabe perfeitamente numa aula, seja esta de que
área disciplinar for.
Pela sala de aula adentro entram cientistas e
exploradores que ao longo da história se aventuraram por experiências e viagens
inusitadas. Pela sala de aula adentro entram escritores e artistas que
escreveram arrojados livros e criaram surpreendentes obras de arte. Pela sala
de aula adentro entram pensadores que pensaram assombrosos pensamentos e
matemáticos que calcularam o incalculável. Pela sala de aula adentro poderia
também entrar Panenka.
Panenka foi um futebolista checoslovaco cujo nome ficou conhecido, por na emocionante e intensa final do Europeu de 1976 entre a Alemanha e a Checoslováquia, que foi decidida por pontapés da marca de grande penalidade, ter batido o penálti decisivo com toda a calma deste mundo, atirando lentamente a bola em arco para o centro da baliza. Como é habitual, o guarda-redes lançou-se para um dos lados da baliza e a bola entrou tranquilamente pelo centro, de forma quase insultuosa.
“Grace under pressure” é uma das características dos
grandes, de Vasco da Gama ao dobrar o Cabo das Tormentas, de Galileu Galilei
quando sussurrou que o planeta Terra se movimentava em torno do Sol perante o
tribunal da Inquisição, de Fernando Pessoa ao sentir agitarem-se em si os seus
múltiplos heterónimos, de Einstein quando calculou o quão grande era o
infinito, de Picasso ao reinventar a arte e claro, de Panenka ao bater um
penálti.
Nós gostamos de discretos flirts com a loucura. Para isso, nada melhor do que deixar que o espírito de Panenka entre pela sala de aula adentro, assim como a bola batida por ele em 1976 entrou pela baliza adentro: com calma, tranquilidade e alguma graciosidade. É assim que se fazem as grandes reformas, viagens, equações, descobertas, escritas, e obras artísticas.
Foi isso que tentámos fazer com o guião que aqui vos deixamos.
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