“Os carros dos papás estão a criar uma grande dor de cabeça…”, é este o início de uma notícia publicada ainda ontem no jornal Público. Ao que parece, em Lisboa, e muito provavelmente noutros sítios do país, à hora de entrada e de saída das escolas, os carros dos papás e das mamãs entopem as ruas adjacentes aos edifícios escolares, causando um considerável transtorno a todos os que querem circular.
Se alguém tem pressa que espere, pois o menino sai agora às cinco horas e tem de se despachar, pois antes de dormir ainda tem três coisas para fazer: os TPC’s, jogar PlayStation e tomar banho. Se há uma ambulância que quer passar, que importa isso? O urgente agora é apanhar a menina para a levar ao ballet. Se o taxímetro continua a contar sem que se saia do mesmo lugar, não faz mal, é um justo preço que todos temos de pagar para que a nossa juventude não se estafe usando as pernas a caminhar.
Tudo isto já sem falar nos problemas de segurança, com
a malandragem que há por aí nunca se sabe. Uma pessoa vai pela rua e só vê é
estrangeiros, imigrantes e gente mal-encarada e suspeita, sabe-se lá do que são
capazes. O melhor, o melhor, é as crianças e jovens irem e virem de popó, mais
tarde, quando estiverem no ensino superior e já forem quase doutores, logo se
vê se podem ir a pé. Ainda assim, se calhar não, nessa altura compra-se-lhes um
carro.
Na verdade, não era sequer necessário que tal situação
fosse noticiada no jornal para o sabermos, bastava que andássemos por uma
qualquer rua onde haja uma escola, para o verificarmos. Seja de manhã cedo,
seja ao fim do dia, é um ver se te avias, são poucos os papás ou as mamãs que
não venham recolher os seus petizes nos respetivos popós. Tanto faz que residam
a cinco minutos da escola, ou que os petizes já sejam uns matulões com
dezasseis ou dezassete anos, o facto é que, para casa a pé, é que eles não vão.
Feito o ponto da situação, vamos a uma canção, “Drive
my car”, dos Beatles. O que se diz nesta canção, é que há uma rapariga
disponível para aceitar um rapaz, o narrador da cantiga, como chofer: “Baby you
can drive car”.
O rapaz, o dito narrador da canção, está embeiçado
pela moça, mas ouve-a dizer, que ela quer ser uma “star”. Ele ainda lhe diz, à
rapariga claro está, que tem boas perspetivas de vida, mas isso de nada lhe
vale, porque ela não vai em cantigas e boas perspetivas não lhe bastam. Ainda
assim, dá-lhe uma ténue esperança, dizendo-lhe que quando ela for uma “star”,
ele poderá conduzir o seu “car”. Acrescenta também, que se assim suceder,
“maybe I'll love you”.
Como todos já terão entendido, a rapariga, a da canção
bem-entendido, tal como os meninos e as meninas à entrada e saída das escolas,
não anda a pé e, mais do que isso, está disponível para ter chofer.
Em 13 de outubro de 1965, nos estúdios de Abbey Road
em Londres, os Beatles gravaram o tema “Drive my car”. No vídeo abaixo podem
escutar a canção e ver raras fotos dessa sessão:
E se falássemos agora de arte, por exemplo do artista
austríaco Erwin Wurm. Muitas das suas esculturas são carros gordos, ou melhor
dizendo, obesos. Os carros de Wurm são balofos, com banhas por todo o lado, uns
autênticos badochas.
O que lhes terá acontecido? Será que a obra artística
de Erwin Wurm é uma metáfora? Mas uma metáfora do quê? Terá algo a ver com
andar pé?
São questões acerca das quais talvez valha a pena
pensarmos.
Uma das melhores formas de pensarmos acerca de uma
qualquer questão, é fazermos a sua desconstrução. Com efeito, o
desconstrutivismo é o que está a dar, é o melhor modo de resolver as mais
complexas questões.
Vejamos um exemplo de desconstrução. É junto às
escolas em que os encarregados de educação tem um maior poder de compra e
auferem de maiores rendimentos, que se concentra o maior número de carros à
hora de entrada e de saída.
Este é um facto que qualquer um pode empiricamente confirmar, é só ir verificar a quantidade de caros que estão à porta de um colégio privado e quantos estão à porta de uma escola situada num bairro social, a desproporção é enorme.
Os mais abonados encarregados são também os que têm
uma superior preocupação com a educação dos seus educandos, no entanto, são
esses mesmos, os que com o seu exemplo ensinam aos seus educandos, que quem
quer circular que espere, que não faz mal que as ambulâncias não possam passar
e que os taxímetros podem continuar a rodar. que alguém há de pagar. Ensinam-lhes
portanto, que o mais importante é que os meninos e as meninas não andem a pé.
E pronto, está feita a desconstrução desta questão.
Abaixo uma imagem de um automóvel desconstruído, no caso um Volkswagen, uma
obra do artista mexicano Damián Ortega’s intitulada “Cosmic Thing”.
E para terminarmos este tema, que tal mais uma canção?
Uma que nos diz assim:
But look at
us now, (Quit driving)
Some things
hurt more, much more than Cars and Girls
Just look
at us now, (Start counting)
What adds
up the way it did when we were young?
Just look
at us now, (Quit driving)
Some things
hurt more much more than Cars and Girls
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