Hoje é Dia da Mentira. Desde pequenos que pais, avós,
professores e outros adultos nos ensinaram que mentir é feio, contudo, é
bastante provável que quem tal nos ensinou não estivesse a dizer a verdade. Com
efeito, todos os estudos nos demonstram que as pessoas mentem abundantemente.
Na verdade, mentem em média cerca de duzentas vezes por dia.
Pensam que estamos a mentir? É fazerem uma pesquisa na
internet e logo verão. Para vos facilitarmos a vida, deixamos-vos abaixo um
site de tipo científico, em que consta a seguinte conclusão: a cada cinco
minutos dizemos uma treta, umas quantas para nós próprios, mais outras tantas
para os outros.
https://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0220&area=d4&subarea=d4B
Klaus Fiedler, cientista e professor de Psicologia
Social na Universidade Ruprecht Karls, em Heidelberg, na Alemanha diz-nos “que
devemos desistir da nossa hipocrisia e do nosso conceito moralista sobre a
mentira, com isso, não fazemos justiça à essência da mentira". O mesmo
professor e cientista dá-nos um conselho que nos parece bastante útil e
prático, ou seja, que devemos ter “uma abordagem altamente seletiva da
verdade".
A abordagem altamente seletiva da verdade não nos
serve apenas para nos relacionarmos com os outros, mas também
para lidarmos com nós mesmos. Para que tenhamos uma mente saudável e uma
atitude positiva perante a vida é essencial que não sejamos implacavelmente
honestos connosco. Ninguém gosta de ouvir a dura realidade dita pela sua
respetiva voz interior quando é culpado de algo ou se sente infeliz, é ou não é
verdade?
Em boa verdade, custa-nos um bocado a acreditar que
mentimos duzentas vezes por dia, mas se a ciência o diz, quem somos nós para
duvidar, não queremos ser negacionistas.
"Temos a arte para não morrer da verdade" é
uma célebre frase proferida por Friedrich Nietzsche. A frase pode ser
interpretada de muitas e diversas formas, sendo que uma delas é a de que os
sonhos, a dança, a embriaguez, a poesia, a ilusão e tudo o mais que está na
base da arte, são setas lançadas contra as tristes e duras verdades diárias que
nos consomem e a pouco e pouco nos vão matando.
Verdades tão duras e tristes como “isto tem que ser
assim”, “as coisas são como são”, “não vale pena pensar nisso”, “não há nada a
fazer” ou quaisquer outras do mesmo género.
Estas verdades tristes e duras são ditas e repetidas a
propósito de tudo e de nada pelas mais humildes gentes, por poderosos
políticos, pelos chefes de secção, pela vizinha do lado, pela velha senhora,
pelo pai, pela mãe, pelo patrão, pelo taxista, pelo colega de trabalho, pelo
comentador e pelo senhor doutor.
Foi para não morrermos de desgosto diante de todos os
que nos repetem as mais desencantadas verdades, que foi inventada a arte.
Poemas que nos dizem aquilo que jamais imaginaríamos poder ser dito, melodias
que nos dão a ouvir o inaudível que há em nós, quadros onde se retratam os mais
incompreensíveis sonhos, e também peças de teatro, romances, filmes e outras
coisas mais que nos dão a ver o que doutro modo nunca veríamos.
Serão todos os poemas, músicas, pinturas e filmes
meras mentiras? Que nos importa isso? Na verdade, nada.
O que Nietzsche não amava era as verdades pesadas,
inflexíveis e rígidas. Posto perante elas, preferia antes as leves e alegres
mentiras e as fúteis e flutuantes ilusões, sobretudo as nascidas da arte.
Para o filósofo, a maior das falsidades não era uma
afirmação inexata ou que não correspondesse à realidade dos factos, era sim a
negação da vida como alegria, oscilação e dança.
O falso para Nietzsche é o viver-se de um modo fixo e
grave, como se continuamente se carregasse um imenso peso, e só nos restasse
arrastarmo-nos cansados pela vida fora agrilhoados às inamovíveis verdades
feitas de ferro.
Contra tudo isso, Nietzsche propõe-nos a cura trazida
pela leveza e pela instabilidade da dança. Quando nos deixamos levar pela
embriaguez da dança nada é como é, nada tem que ser assim, e as pesadas e duras
verdades desfazem-se no fluxo dos movimentos e na agilidade dos gestos.
Propõe-nos igualmente como tratamento o riso. Dança e
riso são donde nasce essa grande mentira que é a arte, ou seja, aquilo que nos
salva de morrermos esmagados pelo peso da verdade.
“Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou
nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido
acompanhada pelo riso!”
Há dias morreu o escultor Richard Serra, tinha 85
anos. Foi um dos escultores mais importantes de sempre, há obras suas nos
melhores museus e coleções de todo o mundo.
Era conhecido como o "poeta do ferro". As
suas esculturas de aço de grande dimensão pesam imensas toneladas. Apesar de
usar um material duro, rígido e inflexível, Serra transforma o aço em espirais
e elipses, criando assim uma inesquecível e vertiginosa sensação de que o
espaço está em movimento.
Parece mentira que estruturas tão grandes, pesadas e
feitas de um material tão rijo como o aço, aparentem ser instáveis, leves e em
precário equilíbrio. A verdade é que as esculturas de Richard Serra são dos
mais notáveis exemplos dessa grande mentira que é a arte. A verdade é que se
riem e dançam.
Para continuarmos este texto dedicado ao Dia da
Mentira, nada mais apropriado do que citarmos Oscar Wilde. Em 1891 o autor
escreveu um ensaio intitulado “O Declínio da Mentira”. Nessa obra Wilde
argumentava que “a derradeira revelação é que a mentira, o acto de contar belas
coisas não verdadeiras, é o propósito exclusivo da arte”.
Oscar Wilde revolta-se nesse livro contra a sua época
e criticando-a ferozmente por nela ver o crescimento do “monstruoso culto dos
factos”. Segundo o autor era decisivo que a arte de mentir fosse recuperada, e
isto não só por motivos artísticos, mas também porque é na habilidade de iludir
que se funda a vida em comunidade: “A finalidade do mentiroso é simplesmente
fascinar, deliciar, proporcionar regozijo. Ele é o fundamento da sociedade
civilizada.”
Poderíamos continuar a apresentar-vos um sem número de
citações de Oscar Wilde a propósito deste tema, no entanto, findamos com esta,
que é uma das mais divertidas: “Se alguém diz a verdade, pode estar certo de
que mais tarde ou mais cedo será descoberto.”
Para terminarmos, uma das mais célebres cenas
inventadas nessa imensa fábrica de ilusões que é Hollywood. “Johnny Guitar” é
um western de 1954. Os personagens principais, Johnny e Vienna, reencontram-se
após uma separação de cinco anos. Nesse entretanto muita coisa sucedeu, a única
possibilidade de ficarem juntos é ignorarem a verdade, Johnny sabe-o e é por
isso que diz a Vienna para lhe mentir, “Lie to me”:
Johnny - How many men have you forgotten?
Vienna - As many women as you've remembered.
Johnny - Don't go away.
Vienna - I haven't moved.
Johnny - Tell me something nice.
Vienna - Sure. What do you want to hear?
Johnny - Lie to me. Tell me all these years you've waited...
Vienna - All these years I've waited.
Johnny - Tell me you'd have died if I hadn't come back.
Vienna - I would have died if you hadn't come back.
Johnny - Tell me you still love me like I love you.
Vienna - I still love you like you love me.
Johnny - Thanks. Thanks a lot.
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