O Paco
Bandeira é um cançonetista que não se importa muito com as fronteiras que
delimitam as identidades nacionais. Canta ele que anda de lá para cá e de cá
para lá da raia sem grandes preocupações: “Ó Elvas, ó Elvas, Badajoz à vista,
sou contrabandista de amor e saudade…”
De vez em
quando há coisas geniais em Portugal, uma das mais espetaculares das quais nos
recordamos, foi durante o Euro 2004, em que todos colocaram bandeiras nacionais
nas suas varandas, janelas e estendais. Atualmente, a nossa bandeira voltou às
luzes da ribalta, agora não por causa da bola, mas sim por razões bem
diferentes e especiais, ou seja, por via de um mero logotipo.
Nós não
vamos comentar tais razões, aquilo de que verdadeiramente vos queremos falar, é
da bandeira norte-americana, que é certamente a mais odiada, adorada,
vilipendiada e amada de todas as bandeiras nacionais.
Para uns é o
símbolo sagrado da identidade e do sonho americano, ou seja, da promessa de
prosperidade e liberdade sem fim. Para outros é o incontestável emblema do vil
dólar, do capital, do imperialismo e do mal.
Não é essa violenta diferença de opiniões que nos interessa. Aquilo que efetivamente queremos destacar, não são essas crenças extremas, mas sim como, ao longo dos tempos, a bandeira norte-americana serviu a inúmeros artistas para conceberem, criarem e urdirem belas, reflexivas e divertidas obras de arte. Aqui fica uma: “Untitled (Flag)”, obra de 1988 de Keith Haring. Poderá uma bandeira fazer rir?
Quem visita
Nova Iorque e é apreciador de arte (ou mesmo não o sendo), acaba sempre por ir
passear a um (ou a vários) dos três mais icónicos museus de Manhattan, ou seja,
o Met, o MoMa ou o Guggenheim, que, para além de tudo o mais, são também
autênticas “tourist attractions”.
As razões
para visitar qualquer um desses três museus são óbvias, pois percorrendo as
suas salas e galerias vemos o mundo. Com efeito, aí encontraremos mestres da
Renascença italiana como Da Vinci ou Rafaello, impressionistas franceses como
Manet e Monet, holandeses de distintas épocas como Rembrandt e Van Gogh, muitos
espanhóis como Velásquez, El Grego, Picasso ou Dali, e muitas outras peças de
arte vindas de oriente e de todos os restantes recantos da Terra.
Dito isto,
há na cidade de Nova Iorque um outro importante museu, um que se dedica
exclusivamente à arte norte-americana: o Whitney Museum of American Art. Apesar
de não ter a imensa fama dos outros três, é uma sólida, séria e importante
instituição.
Mais do que
isso, é onde orgulhosamente se exibem obras artísticas “All American”, ou seja,
peças que são tipicamente americanas e refletem a identidade e o espírito audaz
e inventivo desse enorme país.
O Whitney Museum é pois um sítio privilegiado para começarmos a perceber como a bandeira norte-americana serviu a muitos artistas para conceberem, criarem e urdirem belas, reflexivas e divertidas obras de arte.
Comecemos
por Jaspers Johns (n. 1930), que é um dos mais destacados e importantes
artistas norte-americanos de sempre. Em 1980 o Whitney Museum adquiriu a sua
pintura “Three Flags” de 1958 (imagem acima).
Adquiriu-a
por um milhão de dólares, o que à data foi a mais alta soma alguma fez paga por
uma obra de um artista vivo. O espanto foi tanto, que o jornal The New York
Times deu ao assunto destaque de primeira página.
Em “Three
Flags” o artista desvia o nosso olhar do significado simbólico da bandeira e
centra-o antes no seu padrão geométrico. Põe também em evidência a textura da
pintura, pois nela notam-se perfeitamente os gestos, as pinceladas, as marcas e
camadas de tinta aplicadas, vendo-se dessa forma os vestígios do processo
pictórico desenvolvido pelo artista.
Atravessará
a obra de Jaspers Johns a fronteira existente entre abstração e representação?
Será tal e qual como Paco Bandeira, que também atravessa a fronteira? São estas
as perguntas que nos poderíamos colocar, estando nós diante de “Three Flags”.
Serão apenas formas, padrões e cores o que vemos na pintura, ou antes um
retrato mais ou menos fiel de três bandeiras sobrepostas? Realidade ou
abstração, haverá uma clara fronteira que as separa? Fica a questão.
Enquanto vão
pensando na resposta, podemos ir indo até Philadelphia, uma das mais
tradicionais cidades norte-americanas. Tanto que muitos lhe chamam
simbolicamente “The Birthplace of America".
Há nessa
cidade inúmeros edifícios e monumentos históricos que fazem parte da identidade
norte-americana, sendo que, entre estes, encontra-se o seu museu de arte, que
foi fundado em 1876 e é um dos mais antigos e respeitados de todo o país.
É
precisamente no museu dessa cidade tão carregada de história, no Philadelphia
Museum of Art, que vamos encontrar a obra “Forms in Space” de Roy Lichtenstein,
datada de 1985. É giro ver como o pintor pegou na bandeira americana e fez dela
uma obra de Pop-Art. Será que uma bandeira nos pode divertir?
Mas sigamos
agora para Los Angeles. Não há lugar que melhor represente o “American Dream”
do que LA. Foi aí que todos aprendemos a sonhar com a América, pois é aí que
fica Hollywood.
O cinema
feito em Hollywood redefiniu todos os nossos sonhos. As imagens que vimos nos
filmes americanos moldaram-nos completamente, e isto desde as nossas mais
íntimas ilusões, até ao tipo de sociedade que juntos aspiramos ser. Os filmes
serviram-nos de inspiração e proporcionaram-nos fantásticas visões, dando-nos a
ver irrealizáveis(?) utopias individuais e coletivas.
É certo que
com Hollywood a nossa imaginação ficou povoada de pesadelos, de vampiros, de
zombies, de terríveis espiões, de invasores vindos do espaço sideral e de uns
quantos monstros mais. Todavia, o mais importante de tudo o que Hollywood nos
ensinou, é que mesmo contra todas as evidências e versus os maiores obstáculos,
ansiamos sempre por um “Happy End”.
O “Happy
End” é a condição “sine qua non” de Hollywood, a sua efetiva razão de ser. A
sua e a nossa, pois que depois de mais século e meio a vermos filmes
norte-americanos, já ninguém consegue acreditar que no fim tudo vá acabar mal.
O museu de
arte contemporânea de Los Angeles, o MOCA (Museum of Contemporary Art), tem na
sua coleção uma obra de Bárbara Kruger intitulada “Untitled”.
A obra é de
1990 e coloca-nos umas quantas questões. As perguntas de Kruger levantam
algumas dúvidas sobre o “American Way of Life”, ou seja, revelam-nos que a
artista não está completamente encantada com a América, e que desconfia, que
talvez possa não existir um “Happy End”.
A nós, ou
seja a quem vos escreve, causa-nos alguma perturbação ser precisamente no seio
da glamourosa e fantasiosa LA, que esteja esta reflexiva peça baseada na
bandeira norte-americana. Será que uma bandeira também nos pode fazer pensar?
Vamos
terminar este nosso passeio pelo meio artístico norte-americano, com uma obra
de Danh Vo, que nasceu em 1975 no Vietname e veio em criança como refugiado
para a Dinamarca, país onde cresceu. Estudou depois em Frankfurt, tendo
trabalhado de seguida em Los Angeles e Paris, sendo que, atualmente reside
entre o México e Berlim.
Dada a sua
biografia, era de prever, que um dos temas fundamentais da sua obra fosse a
maleabilidade da identidade. Como muitos outros, também ele se inspirou na
bandeira norte-americana. Abaixo a
obra “She was more like a beauty queen from a movie scene” de 2009.
Nesta obra
vemos uma série de acessórios militares usados nas faustosas comemorações do
centenário da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América.
Independência que se deu após um longo conflito com a potência colonizadora, o
Reino Unido.
Sabendo nós
que Danh Vo em criança teve de fugir do Vietname em consequência da guerra
resultante da invasão desse país pelos Estados Unidos, percebemos bem como esta
peça expressa a maleabilidade das identidades.
E pronto dito tudo isto, e percorrido todo este caminho, regressemos ao território nacional, ao nosso querido Portugal. Queremos fazê-lo com uma imagem típica da nossa identidade: um dia soalheiro, as varandas de ferro rendilhado, as casas modestas e as vestes humildes mas asseadas do bom povo português.
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