No quadro de ardósia da imagem está escrita a giz a fórmula matemática do princípio da incerteza, que foi descoberta em 1927 por Werner Heisenberg. Em boa verdade não temos mesmo a certeza que seja a fórmula de Heisenberg, pode ser ou não ser.
Toda a gente necessita de algumas certezas na vida, não muitas na verdade. As certezas indispensáveis são poucas. Diríamos que se resumem às seguintes: ter a certeza que temos de que comer, que temos um tecto, que estamos de saúde, que temos um certo dinheiro para as precisões, que não vivemos num sítio em guerra, que usufruímos de liberdade, de justiça e de educação, e por fim, que tudo isto se estende também aos que nos são próximos.
Basicamente são essas as poucas certezas de que todos necessitamos, quer vivamos aqui, na China, na Argentina ou no Zimbábue. Todas as restantes certezas são opcionais e não fundamentais, como as que acima elencámos.
Há quem necessite de telefonar de hora a hora para ter a certeza por onde um outro anda e se está bem e se recomenda, é opcional. Há quem precise da certeza de poder adquirir luxuosos apartamentos ricamente equipados com o melhor do décor, é opcional. Há quem necessite estar certo que não vai ser assaltado e se previna com eficazes sistemas de alarme e câmaras de vigilância, é opcional. Há quem faça imensos seguros e planos de poupança reforma para se certificar que em nenhuma circunstância vai passar mal, é opcional. Há quem queira estar totalmente certo e pergunte constantemente “gostas de mim?”, é opcional. Há quem só ingira alimentos saudáveis e vá ao ginásio todos os dias para ter a certeza que tão cedo não vai morrer, é opcional. Há quem…há quem…há quem…
Enfim, não precisamos continuar, pois cremos que já todos terão percebido, que há certezas que não necessitamos ter. Vivemos muito bem sem termos de nos assegurar que estamos mesmo preparados para toda e qualquer eventualidade.
Dito isto, vamos ao fascismo. Em termos históricos e políticos, o fascismo tem uma clara definição, todavia, nós vamos ser um tanto ou quanto libertinos no uso dessa expressão. Queremos com isto dizer, que não a vamos usar na sua acepção científica, mas sim de um modo mais ou menos livre, o mesmo é dizer, de forma pouco ou nada rigorosa.
Que ninguém nos venha acusar de não estarmos a ser conceptualmente escrupulosos, pois nós já avisámos que não o vamos ser e, assim sendo, contamos ser previamente perdoados por quem nos lê.
Viajemos então ao passado, a Braga. Estamos no dia 28 de maio de 1936 e Salazar faz então o mais célebre dos seus discursos. Logo no início diz assim: “Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procuramos restituir o conforto das grandes certezas.”
Abaixo Oliveira Salazar, o Presidente do Conselho, e Óscar Carmona, o Presidente da República, à chegada a Braga no referido dia de 28 de maio de 1936.
Às grandes certezas de Salazar naqueles tempos, podemos contrapor a dúvida metódica de René Descartes, que tendo nascido numa época muito mais antiga, em 31 de março de 1596, era muito mais moderno.
Dizia o filósofo francês, que a dúvida não é a ausência de conhecimento, é antes uma inquietação que quer ser apaziguada. Descartes tinha como método duvidar e considerar tudo provisoriamente falso até chegar a uma base sólida sobre o qual já não fosse possível duvidar.
Nós que pensamos e que nos podemos enganar ou ser enganados ou mesmo duvidarmos da própria realidade, devemos necessariamente ser qualquer coisa e não sermos nada. Por consequência, podemos duvidar de tudo, mas não podemos duvidar que duvidamos. Existimos como seres que duvidam, ou seja, que pensam. Por isso “cogito, ergo sum”, ou seja, “Penso, logo existo”.
A base sobre a qual Descartes ergue todo o conhecimento é a dúvida, o mesmo é dizer, o pensamento, o exato oposto das grandes certezas. Em síntese, e para resumirmos a nossa tese muito rapidamente, René Descartes não era fascista.
Já agora, Sócrates, o filósofo ateniense, também afirmou um dia “Só sei que nada sei”, portanto, grandes certezas também não teria.
Voltemos ao discurso do dia de 28 de maio de 1936. A passagem que ficou para a história foi esta: “Não discutimos Deus e a virtude. Não discutimos a pátria e a sua história. Não discutimos a autoridade e o seu prestígio. Não discutimos a família e a sua moral. Não discutimos a glória do trabalho e o seu dever."
Feitas contas, resta pouco para discutir, e dito isto, também nós não temos nada mais para dizer, exceto uma coisa, ao fascismo das grandes certezas, contrapomos o nosso fascínio pelo princípio da incerteza.
Abaixo uma obra obra de Mark Tobey (1890-1976), um pintor que nunca tinha a certeza absoluta sobre aquilo para que estava a olhar. Dizia ele que “We look at the mountain to see the painting, then we look at the painting to see the mountain".
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