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Guerra e Paz

 



Entre os romanos, Palas Atena era conhecida como Minerva. O seu símbolo era uma coruja, ave que até hoje representa a sabedoria e a inteligência. No Museu Calouste Gulbenkian há uma pintura de Rembrandt que retrata Palas Atena, muito embora alguns historiadores de arte também a chamem Minerva.

 

Uma coruja encima o capacete da personagem retratada, que segura na mão direita uma lança, exibindo na esquerda um escudo decorado com a cabeça da funesta Medusa e as das suas terríveis serpentes, digamos que são símbolos da ignorância e da maldade.

 

 

Sopram inquietantes ventos pela Europa, são demasiado frequentes as vezes em que atualmente se ouve falar de guerra. Ouvem-se pelo continente inteiro, até em Portugal, vozes que advogam o regresso do serviço militar obrigatório, de modo a que nos vamos preparando para o que aí vem. Significa isto, que já não estamos a falar apenas das guerras que já decorrem, mas também das que em breve poderão estar para vir.

 

Ainda há dias, Donald Tusk, que foi presidente do Conselho Europeu durante anos e é o atual primeiro-ministro da Polónia, dizia para quem o quisesse ouvir, que a Europa se encontra numa “era de pré-guerra”. Quando um homem com tanta experiência, saber e responsabilidade diz uma coisas destas, não há como não o levar a sério.

 

Abaixo, uma imagem da obra de Max Ernst “A Europa depois da chuva II” de 1940, uma visão apocalíptica de um território em ruínas, devastado pela guerra.

 


Tendo nós crescido e vivido décadas em tempos de paz na Europa, é-nos quase incompreensível como é que podemos agora ter chegado a este ponto de anúncios pré-bélicos. Algo falhou redondamente para que as gentes se vão deixando novamente arrastar para conflitos tão destrutivos e com tão pouco sentido.

 

Há cerca de uma semana, no Dia Mundial do Teatro, o atual Prémio Nobel da Literatura, o norueguês Jon Fosse, fez um discurso ao mundo no qual nos dá algumas pistas sobre o que eventualmente terá falhado, mas que talvez ainda possa ser remediado.

Se o mundo ouvirá o que ele disse e lhe dará atenção, isso não sabemos, em qualquer dos casos, aqui fica a nossa humilde contribuição para que tal suceda.

 

O discurso é bastante curto, comecemos logo pelo seu final: “A guerra e a arte são opostas, tal como a guerra e a paz são opostas – é tão simples quanto isso. Arte é paz.”

 

Arte é paz, é esta a conclusão a que Jon Fosse chega. Não se trata de um “cliché” ou de uma pueril declaração de boas intenções, é muito mais do que isso.

 

No quadro abaixo de Peter Paul Rubens, vemos ao centro em segundo plano na composição Minerva, a deusa romana das artes, da sabedoria e do conhecimento, a afastar Marte, o deus da guerra, que nos aparece pela direita.

 

A figura nua ao centro, em primeiro plano, é Pax, a deusa da paz, que graciosamente distribuiu os seus frutos, prazeres e deleites pelos que a rodeiam. O quadro intitula-se “Minerva protege a Pax de Marte”, é de 1630 e pode ser visto na National Gallery em Londres.



O que quer a pintura de Peter Paul Rubens, quer o discurso de Jon Fosse nos dizem, é que só o conhecimento, a sabedoria e as artes são capazes de conter e afastar a guerra.

 

Numa outra passagem do dito discurso, diz-se assim: “A arte, a boa arte, consegue, à sua maneira maravilhosa, combinar o absolutamente único com o universal. Permite-nos compreender o que é diferente – o que é estranho, pode-se dizer – como sendo universal. Ao fazê-lo, a arte rompe as fronteiras entre línguas, regiões geográficas, países. Reúne não apenas as qualidades individuais de cada um, mas também, num outro sentido, as características próprias de cada grupo de pessoas, como as de cada nação.”

 

O que Jon Fosse nos diz na passagem citada, é que através da arte conseguimos compreender os outros, ou seja, o que há de único em cada ser humano, em cada grupo e em cada país e, simultaneamente, compreendemos também o que é igual em todos nós, o que é universal.

 

Diz-nos ainda o autor, não conhecer maneira melhor de unir os desiguais do que arte, sendo esta “a abordagem exatamente oposta à dos conflitos violentos que vemos com demasiada frequência no mundo, os quais cedem à tentação destrutiva de aniquilar tudo o que é estrangeiro, qualquer coisa única e diferente…”

 

Se por um lado a arte é a fonte da sabedoria e do conhecimento que nos permite ter paz e ver no outro, no que é diferente, “um mistério fascinante”, há guerra porque “as pessoas também têm um lado animalesco, movido pelo instinto de experimentar o outro, o estrangeiro, como uma ameaça à própria existência (…) O que é visto de fora como uma diferença, por exemplo na religião ou na ideologia política, torna-se algo que precisa de ser derrotado e destruído.”

 

No quadro abaixo de Peter Paul Rubens, Marte, o deus da guerra, liberta toda a sua fúria. Debaixo dos seus pés vemos um livro e um desenho, que nos mostram como as artes e as letras são esquecidas e destruídas em tempos de violência.

Ao centro, Vénus, a deusa do amor, tenta conter Marte, mas é em vão. Alekto, a encarnação da ira transporta uma tocha acesa na mão e incita Marte a não parar.

 

Mais abaixo na composição, ligeiramente à direita, de costas, vemos a Harmonia, cujo alaúde já está quebrado. Junto a ela uma mãe agarra uma criança e um arquiteto segura ainda nos seus instrumentos, apesar de prostrado. Do lado esquerdo da pintura, envergando negras vestes, temos uma representação da Europa, que mais não faz do que lançar os braços aos céus em lamento.

 

O quadro intitula-se “As Consequências da Guerra”, é de 1638 e pode ser visto no Palácio Pitti em Florença.

 

 

“A guerra é, portanto, a batalha contra o que está profundamente dentro de todos nós: algo único. E é também uma batalha contra a arte, contra o que está no cerne de toda a arte.”

 

Em síntese, ao invés de se tentar compreender o que há de único e também de universal em cada ser humano, cada conjunto de pessoas ou cada nação, nos conflitos opta-se por tentar destruir todas as singularidades, para que se instale uma mesmice, algo ou alguém de distinto deve ser eliminado ou erradicado.

Abaixo uma pintura de Yue Minjun de 2001, “Pirâmide”.


Como já dissemos, Minerva era a deusa romana das artes, da sabedoria e do conhecimento, razão pela qual, por todo o mundo há inúmeras escolas, colégios e universidades que ostentam o seu nome.

Minerva é uma figura inspiradora do estudo, da investigação e da educação, o mesmo é dizer, do trabalho e labor que nos conduzem à sabedoria e ao conhecimento. Contudo, constatando os novos ventos de guerra que sopram pela Europa, talvez tenhamos de concluir que talvez não lhe estejamos a dar devida atenção.

 

Com efeito, provavelmente esquecemo-nos que a sua capacidade de nos inspirar se revela fundamentalmente nas artes e letras, é aí que aprendemos a conhecer e ficamos a saber que “embora sejamos todos diferentes uns dos outros, também somos parecidos. Pessoas de todas as partes do mundo são fundamentalmente semelhantes, não importa que língua falemos, que cor de pele tenhamos, de que tom seja o nosso cabelo.”

 

Mas mesmo sendo as pessoas de todo o mundo parecidas, há em cada pessoa, grupo ou país algo de absolutamente único, e é também isso que se revela nas grandes obras de arte, nas melhores melodias e nos bons livros: “Poderíamos chamar a isso o espírito ou a alma. Ou então podemos decidir não rotulá-lo com palavras, simplesmente deixá-lo como está”, ou seja, simplesmente em paz.

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