Avançar para o conteúdo principal

Só sei que nada sei

 


Mais um dia. Tanto faz que seja segunda ou terça, quinta ou sábado. Seja qual for a data, temos por hábito iniciar a nossa jornada lendo jornais on-line. Não só os nacionais, como também os do estrangeiro, pelo menos os principais, claro está.

 

Para tal tarefa, nada melhor que café e cigarros. Mesmo não sendo essa, segundo todas as opiniões que temos lido, uma dieta particularmente saudável para o alvorecer, ainda assim, uma pessoa fica desse modo melhor preparada para um maduro embate com a realidade, do que se ingerisse por exemplo uns infantis flocos de cereais ou coisas tão insípidas como leite ou fruta e legumes. Como é uso dizer-se, começamos o dia com o pequeno almoço dos campeões.

 


Nos jornais nacionais, gostamos especialmente de ler os opinólogos. Na realidade, também não desdenhamos de ler as opinólogas. A bem dizer, não passamos um dia que seja, sem ler igualmente os tudólogos. Já das tudólogas é que não gostamos assim tanto.

 

Se alguém nos perguntar o porquê de não gostarmos das tudólogas, o certo é que não sabemos dizer. Não será certamente por serem mulheres, que nós não somos sexistas. É provavelmente por uma outra razão qualquer, sabe-se lá, talvez algum trauma de infância ou algo ao nível do mais profundo subconsciente. Em qualquer dos casos, já marcámos uma consulta de psiquiatria para nos fazerem um diagnóstico relativamente a este assunto.

 

Tivemos neste momento uma súbita iluminação e fomos consultar o dicionário. E então não é, que opinólogos, opinólogas, tudólogos e tudólogas são tudo palavras que não existem! De uma destas, não estávamos à espera.

 

Assim sendo, toca já a desmarcar a consulta de psiquiatra, vamos antes ao dentista, que diz ser um sítio onde se deve ir com uma certa frequência e regularidade, para além do mais, é capaz de não ser um bocado mal passado. A bem dizer, uma colonoscopia também não ia mal. Enfim, mais à frente logo se verá, por ora fica assim.

 

Bem, voltemos então à imprensa on-line, que é isso que nos interessa. Se querem o nosso parecer, opinólogos, opinólogas, tudólogos e tudólogas são tudo coisas que não existem, mas, como dizem os espanhóis a propósito das bruxas, “que las hay, las hay”.

 

Até vos poderíamos dizer nome de alguns ou de algumas muito conhecidos e conhecidas, mas não vamos arriscar, não nos façam eles ou elas algum preparo ou nos deitem um mau-olhado. Para chatices já bem nos bastam as dores nas cruzes. Talvez neste momento irmos a um ortopedista seja mais urgente do que a um dentista, por via das dúvidas, havemos de pensar nisso.

 

Mas voltemos ao tema, opinólogos, opinólogas, tudólogos e tudólogas, no fundo é tudo a mesma coisa, ou seja, são gente que ganha a vida opinando sobre todo e qualquer assunto, mesmo que de alguns deles tenham apenas uma vaga noção ou mesmo nenhuma.

 

Para facilitar a questão, a partir deste momento vamos usar exclusivamente o termo opinólogos e quem nos lê já fica a saber que com tal expressão nos referimos aos próprios, mas também às opinólogas, aos tudólogos e às tudólogas.

Isto de usar só uma única palavra para nos referirmos a várias coisas tem as suas vantagens. Já pensaram se por exemplo, em vez de se dizer portuguesas e portuguesas, se dissesse tão-somente portugueses e com tal palavra se englobasse ambos os géneros?

 

Parece uma boa ideia, não? E se por exemplo ao invés de dizermos homens e mulheres para nos referirmos a um qualquer conjunto de pessoas dos dois sexos, usássemos a palavra Homens com letra maiúscula para os designar a todos e a todas? Fica a ideia.

 

Regressemos ao tema, mas antes disso um aparte. Num dia destes, vimos na imprensa on-line espanhola um anúncio de emprego para opinólogo. No caso em concreto, era para opinar sobre o Médio Oriente, o narco-tráfico e a insegurança. Aqui o deixamos, para eventuais interessados.

 


Uma característica “sine qua non” de qualquer opinólogo é conhecer a verdade absoluta sobre tudo. Ou melhor, não é tanto conhecer, mais aparentar que conhece. Para tal, é fundamental usar-se um tom assertivo e até levemente agressivo.

 

Um opinólogo pode escrever sobre os mais variados assuntos e não saber praticamente nada sobre todos eles, todavia, o que não lhe pode faltar é ter uma pose de quem sabe o que está a dizer e também o quanto baste de firmeza e autoridade. Tanto faz que escreva sobre política, justiça, educação, gastronomia, futebol, o clima, ciência ou poesia, o que importa é que pareça um doutor em qualquer um destes tópicos.

 

Como quem nos lê já terá calculado, toda esta conversa vem a propósito de Protágoras, como é evidente. Aqui um retrato do homem, para quem dele já não se recorda.

 


Protágoras viveu na Grécia antiga e era um sofista. Ficou célebre a sua frase na qual se diz que “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."

 

A frase é simples de compreender, se o homem é a medida de todas as coisas, então coisa alguma pode ser a medida para todos os homens. As leis, as regras, a cultura e tudo o resto valem para uma determinada pessoa, mas podem não valer para uma outra e vice-versa. Esta máxima ou axioma significa também que, segundo Protágoras, cada indivíduo conhece as coisas de uma forma particular e pessoal e qualquer opinião é válida.

 

Não sabemos se quem nos lê conhece o termo antilogia, mas seja como for, nós esclarecemos. Uma antilogia é uma contradição entre diversas ideias num mesmo discurso ou argumento ou uma oposição incoerente. No contexto da medicina, antilogia é a associação de sintomas contraditórios que impedem um médico de fazer um diagnóstico preciso.

 

Protágoras era professor e a base dos seus ensinamentos eram duas antilogias, a primeira era "Duas teses opostas podem ser validamente defendidas", a segunda era o seu complemento, ou seja, a necessidade de se “fortalecer a tese mais fraca" com os melhores argumentos, sejam eles verdadeiros ou falsos. A pedagogia de Protágoras consistir em ensinar os jovens a defender um ponto para, logo de seguida, defenderem com igual convicção o ponto oposto.

 

Em síntese, os sofistas não precisavam de verdadeiramente saber nada de particularmente profundo sobre o que quer que fosse, necessitavam tão somente de dar a aparência que sim. E foi precisamente isso que fez o seu imenso sucesso. E é também isso que faz o atual êxito dos opinólogos.

 

Abaixo uma imagem dos últimos momentos de Sócrates, o ateniense, o que dizia “Só sei que nada sei”.

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano civil. Entre

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam sim d

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol, ao

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/estudo-revela-dep

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça com que um el

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma determinada esco

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem mais nem menos

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e passou

Nas escolas há pormenores que entram pelos olhos adentro

  Talvez não haja no mundo país algum em que a atenção aos pormenores seja tão intensa como em Itália. É precisamente isso, o que distingue os italianos do resto do mundo.   Com efeito, a atenção aos pormenores explica muitas coisas acerca de Itália, desde a elegância no vestir até à tipicidade única da sua gastronomia popular, passando pela sua beleza urbana, pela arte e, inclusivamente, por certas características no modo como as equipas italianas jogam futebol.  A esse propósito, lembrámo-nos da seguinte história. Há uns anos, em 2016, numa escola no centro de Itália, Matteo, um “ragazzo” de oito anos, escreveu um texto no qual descreveu uma flor como sendo “petaloso”, ou seja, cheia de pétalas.   Em italiano, pétala é uma palavra do género masculino, daí o “petaloso”. Como em português, pétala é uma palavra do género feminino, nós vamos traduzi-la por “petalosa”.   A palavra não existia, nem em italiano, nem em nenhuma outra língua. Nenhum dicionário a acolhia. Contudo, a pr