Nós gostamos
de estar sob. É uma mania nossa, essa a de estar sob. Gostamos sobretudo de nos
deitarmos no chão e deixarmo-nos ficar sob tudo o que está sobre nós. Sob um
teto, sob as estrelas, sob o céu, sob o sol ou sob a chuva. Dantes pouco mais
havia do que estas coisas sob o que ficarmos, agora há muitas mais, tantas.
Podemos ficar por exemplo sob “a pressão da imagem”.
Aqui há uns dias fomos surpreendidos por uma notícia, ficámos a saber que há crianças de oito, nove ou dez anos, sob “a pressão da imagem”, razão pela qual já estão a usar produtos de maquilhagem, cremes anti-rugas e anti-envelhecimento. Aqui fica a reportagem da SIC Notícias, para o caso de não a terem visto.
A reportagem
centra-se nos riscos para a pele de tão precoces práticas, e refere o
consequente e recente aumento de dermatites e alergias entre os mais novos. Nós
não nos vamos centrar nesse aspeto, mas sim naquilo a que muitos designam por
estar sob “a pressão da imagem”.
Mas afinal o
que é isso de estar sob “a pressão da imagem”? Comecemos então a nossa
investigação pelo lado da pressão. Ainda há poucas décadas, relativamente à
pressão, havia tão-somente as panelas da dita, onde se coziam as carnes, as
couves e os enchidos, os pneus, que ou a tinham ou precisavam de a levar e
serem enchidos, e a arterial, que ou bem que estava boa, ou mal que estava alta
e tinha de se cortar no sal, nas gorduras e nos enchidos.
Um aparte,
como já hão de ter reparado, para além de termos a mania de estar sob, também
temos a tara dos enchidos. São bizarrices, não liguem.
Foi
precisamente numa década transata, mais concretamente na de oitenta do século
XX, quando pela primeira vez ouvimos aplicar a expressão pressão a algo mais,
do que não exclusivamente a panelas, pneus ou artérias. O sucedido deu-se a
propósito do mais rápido alentejano do mundo, o antigo atleta Fernando Mamede.
O chouriço de
Serpa, a chouriça de porco preto e o paio do cachaço são enchidos de origem
alentejana. O Fernando Mamede nasceu em Beja no Alentejo, depois veio para
Lisboa e tornou-se atleta. Bateu recordes mundiais e todos o viam como um mais
que provável vencedor de medalhas olímpicas. Ganhava todas as corridas,
contudo, quando participava nas olimpíadas, parecia ceder à pressão que em si
sentia e fraquejava.
Apesar dos
seus inúmeros sucessos como atleta, Fernando Mamede é recordado como um
perdedor, havendo até, na psicologia de café, quem tenha inventado o
"complexo Fernando Mamede". Tal conceito refere-se aos que, estando à
beira de uma vitória tida como certa, não resistem à pressão psico-emocional e
desistem.
Em síntese,
estamos em crer, que no léxico nacional, a expressão estar sob pressão
tornou-se muito popular a partir das corridas perdidas por Mamede. Daí para a
frente, deixaram de ser apenas as panelas, os pneus e as artérias e passou a
haver pressão também ao fazer-se os exames escolares, na carreira profissional,
em ambientes familiares e em muitos outros lugares.
Não em todos
os lugares, pois há inúmeras situações quotidianas em que não se está sob
pressão, está-se sim sob stress, o que talvez não seja bem a mesma coisa, ou
se calhar sim.
Se porventura
nos perguntarem, nós não sabemos dizer qual é a diferença entre estar sob
pressão ou estar sob stress. O que sabemos é que todos os dias vemos umas
quantas gentes que estão sob pressão, e outras tantas distintas que estão sob
stress. Há também quem não ande nem sob stress, nem sob pressão, mas esses são
os que pouco ou nada fazem e andam por aí a encher chouriços.
Nós tínhamos
cá a ideia, que a palavra inglesa “stress” seria traduzível pela palavra
portuguesa “pressão”, mas se calhar era só uma impressão nossa, portanto não
liguem. Mas já agora, mais um aparte, é muito curioso que em Portugal estejamos
sob stress, mas no Brasil estejam sob estresse e que em Espanha andem sob
estrés.
Se calhar
estar-se sob pressão, é coisa diferente consoante se está em Portugal, Espanha
ou no Brasil. Vai na volta, é capaz de ser isso.
Enfim, sigamos
em frente, pois o certo é que isto de expressões tem muito que se lhe diga e
nós temos muito mais que fazer. Não temos tempo a perder, nem um minuto, nem um
segundo sequer. Estamos constantemente sob stress… ou melhor, sob pressão… ou
será mesmo sob stress… é capaz de ser sim sob pressão…
Em síntese,
não sabemos, não nos conseguimos decidir, ficamos só sob e pronto, fica assim.
Ou não, ficamos antes sob estrés como os espanhóis, pois que Espanha fica já
aqui ao lado e chega-se lá num instante sem grandes canseiras, e mudar de ares
sempre alivia a tensão, ou será a pressão?
Terminada a
nossa deambulação pela expressão pressão, regressemos então à “pressão da
imagem”. Para melhor nos informarmos sobre este tema, recorremos a uma
publicação especializada no assunto, a revista VIP.
Segunda tal
publicação, “a pressão da imagem” pode levar a perturbações de autoimagem como
a dismorfia corporal, gerar ansiedade, desamparo e hipersensibilidade à
crítica, assim como sentimentos de culpa, autodepreciação e desvalorização
pessoal.
Eh lá! Safa!
Não fazíamos ideia que estar sob “a pressão da imagem” fosse assim. Isto parece
ser coisa que nem com um batalhão de psicólogos se resolve. Vamos ter que
pensar mais seriamente sobre este assunto.
Já pensámos,
só precisámos de um segundo, está feito. Ora bem, uma coisa nós vos podemos
dizer, a VIP usa um palavreado muito complicado para dizer uma coisa bastante
simples, “a pressão da imagem” mais não é do que olharmo-nos ao espelho e não
gostarmos do que vemos, ou então, o que no fundo é o mesmo, constatarmos que
não ficamos nada bem nas fotografias.
Ao olharmos
para o espelho ou ao vermos uma foto nossa, temos imediatamente um esgar de
horror, pensamos portanto, que quando os outros olharem para nós, também vão
ter igual trejeito. Algo que por vezes sucede, manda a verdade que se o diga.
Mas dito isto, nós queremos lá saber disso, se não gostam do que veem, que
olhem para o outro lado, a nós tanto nos faz como nos fez.
Repetimos,
olhem para o outro lado, se nos acham feios, em resumo, desolhem! E com isto,
descobrimos que nós não estamos sob “a pressão da imagem”, pois queremos cá
saber se pensam que somos gordos, altos, baixos ou magros, ou se julgam que
temos uma grande penca, um lindo nariz, os olhos vesgos ou um olhar profundo e
os dentes tortos ou um sorriso de estarrecer. Tudo isso é para o lado que nós
dormimos melhor.
Na verdade,
não nos recordamos de alguma vez na vida, nem no tempo em o Fernando Mamede
corria e éramos crianças e depois adolescentes, termos estado sob “a pressão da
imagem”. E não estivemos porquê, perguntará quem nos lê? Por uma simples razão,
porque tínhamos mais que fazer.
Tínhamos
filmes para ver, livros para ler, gente com quem falar, jogos para jogar,
passeios para dar, festas para ir, museus para visitar e músicas para escutar.
Andámos (e andamos) sempre sob pressão (ou em stress) com as tantas coisas boas
e belas que temos para fazer, e assim é que dever ser.
Pensemos lá
bem nisto, os meninos e as meninas passam o tempo a ver se são lindos e ficam
bem nas selfies, publicam milhentas imagens de si mesmos nas redes sociais e
depois ficam consternados se porventura os outros não os acham belos. Vai daí,
conclui-se que estão sob “a pressão da imagem” e os pais vão a correr
comprar-lhes maquilhagem ainda em tenra idade, ou, já mais tarde, quando são
adolescentes, decidem então pagar-lhes uma intervenção plástica.
Nós não nos
consideramos conservadores nem retrógrados, mas sinceramente, com tanto
sofrimento que há no mundo, com tantas coisas boas e belas que também há,
andarmos a perder tempo com “a pressão da imagem” parece-nos uma autêntica
chouriçada, não no sentido literal da expressão, mas sim no seu sentido
figurado.
Abaixo um
quadro de Salvador Dali, “A Metamorfose de Narciso”, que por alguma razão,
parece vir mesmo a propósito.
Voltemos a
Fernando Mamede. A grande lição que a todos nos deu, aos que o vimos correr em
vários Jogos Olímpicos e sucessivamente desistir, foi a de que, sabendo quem
somos e o que somos, jamais estaremos sob “a pressão da imagem”.
A propósito de
Mamede falou-se de atletas que sucumbem à pressão, todavia, por paradoxal que
possa parecer, havia algo de belo e grandioso naquelas desistências. Envolto na
solidão do seu eu, contra um país inteiro que o via pela TV, Mamede mostrava a
todos que sabia quem era e que não dependia das imagens que os outros dele
possuíam.
Muitos anos
depois das corridas, numa entrevista, Fernando Mamede revelou a ele próprio e à
nação, que na sua forma de ver e viver, a honra e a glória de vencer as
Olimpíadas não era o que lhe importava. Um país inteiro queria que ele
vencesse, mas quem ele era não se interessava pela imagem que os outros tinham
de si, quando lhe apetecia, desistia.
O que lhe
interessava era a felicidade que vivia com a mulher e a filha, uma lojinha de
artigos de desporto que tinha na Avenida de Roma em Lisboa, e o emprego num
banco, no qual selava cartas e a tirava fotocópias.
Para
terminarmos, um tema dos Boyzone de 1997, ano em que o Mamede já não corria. Os
Boyzone, como alguns saberão, é uma daquelas bandas feitas de encomenda.
Um empresário
discográfico contratou uns quantos rapazes engraçados e muito bem-apessoados,
que sabiam minimamente cantar e não desafinavam, e fez deles um sucesso.
O princípio é
semelhante ao de uma tábua de enchidos, ou seja, tem de haver de vários tipos e
sabores: o de sangue, a morcela, a farinheira a linguiça e assim por diante.
Numa banda de encomenda é igual, convém ter um rapaz para cada gosto: o moreno,
o louro, o audaz, o exótico, o introvertido e o romântico.
Numa canção
dos Boyszone, “Picture of You”, fala-se de uma imagem, de uma “picture”.
Fala-se de uma imagem mental, porque são na verdade essas as importantes e não
as que se conseguem com maquilhagens.
Talvez por
isso, no teledisco da dita canção, aparece o Mr. Bean. Personagem que nada tem
que o recomende para uma banda feita de encomenda. Não é lindo, nem atlético,
nem atrativo, nem nada, mas vejam lá se ele se incomoda com isso e está sob “a
pressão da imagem”. Nada disso, salta e dança com os rapazes da banda solto,
despreocupado e sem complexos.
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