Muito
frequentemente se diz, que há que repor a autoridade dos professores. Diz-se
outro tanto, relativamente às polícias e a outras forças de segurança. Também
não falta quem diga, que a política e a justiça já não têm o prestígio de outros
tempos, e que por isso é preciso recuperar a autoridade de estado.
Tudo isto se
diz em Portugal, mas diz-se também noutras democracias do mundo ocidental.
Tanto quanto se vê, a autoridade das instituições só tem a mesma pujança de
outrora, em locais pouco dados a práticas democráticas.
Talvez seja
por isso, que muitos fantasmas do passado, andam por aí a assombrar-nos. Com
efeito, há alguns, que desnorteados por um mundo que não compreendem, buscam em
épocas já mortas, as soluções para lidar com os problemas do presente e do
futuro.
A antiga
Bolsa do Comércio em Paris está cheia de homens velhos, que já só conseguem
deslocar-se em cadeiras de rodas. Os seus rostos denotam a sua avançada idade e
os cabelos são raros e ralos. Possuem longas barbas brancas que cresceram ao
longo de muitos anos. Alguns deixam-se dormir, enquanto uns parecem tentar
iniciar uma conversa.
Dadas as
suas vestes, adivinhamos que todos terão sido homens que tenham ocupado
cadeiras de poder com autoridade e prestígio. Entre eles há quem farde como
almirante da marinha, quem tenha medalhas ao peito, quem envergue trajes de
líder religioso e quem vista um fato de bom corte e leia o Financial Times.
Na verdade,
não se trata de pessoas reais, é sim uma obra de arte. A peça intitula-se “Old People’s Home”, é de 2007, e foi
concebida pelos artistas chineses Sun Yuan e Peng Yu.
Como quem
nos lê já terá pressentido, esta obra de Sun Yuan e Peng Yu é uma metáfora da
decadência e senilidade dos poderes do passado, daqueles que caem da cadeira.
Os velhos dirigentes movem-se impotentes nas suas cadeiras elétricas pela sala
da antiga Bolsa do Comércio de Paris, tal e qual como os fantasmas do passado
assolam o ocidente.
Concepções
de poder e autoridade do antigamente, movem-se agora por entre nós, tal e qual como
espectros. Já não são uma resposta para o mundo presente e muito menos para o
futuro, mas há muito quem insista em saudosamente as evocar, como se estas
tivessem ainda algo para nos dar, que não apenas uma realidade fantasmagórica,
uma mera ilusão de que tudo pode actualmente ser, como um dia terá sido.
O edifício
da Bolsa do Comércio de Paris foi erguido no século XVIII, mas há muito que já não
funciona como bolsa. Atualmente as transacções e negócios fazem-se num outro
lado, mais adaptado às realidades do momento. O edifício que foi a bolsa é
agora um museu de arte contemporânea onde se expõe uma das maiores colecções
privadas do mundo, a Pinault, e onde se realizam exposições.
A peça
intitula-se “Old People’s Home” está
integrada numa recém-inaugurada exposição intitulada «Le monde comme
il va», o que traduzido do francês para
português, seria algo como «Como vai o mundo».
Uma coisa é certa, para Bertrand Lavier, um muito conceituado artista
francês nascido em 1949, sentado num Ferrari, o mundo não vai de certeza.
Lavier pegou num Ferrari Dino 308 GT4 envolvido num aparatoso acidente do qual
não resultou qualquer ferimento para ninguém, e transformou-o numa obra de arte,
o seu título é «Dino».
«Dino» faz igualmente parte da já
referida mostra «Le monde comme
il va». O que ele nos dá a ver, não é
apenas chapa amolgada, é muito mais do que isso, põe diante de nós, o modo como
um símbolo de status, riqueza e poder, um Ferrari, bem vistas as coisas, afinal
mais não é do que um monte sucata.
O
conceito artistico subjacente à obra de Bertand Lavier não é o muito conhecido
«ready-made», mas sim um que ele inventou, o «ready-destroyed».
Vemos
um Ferrari destruído, vemos velhos senhores outrora poderosos e agora
impotentes, e começamos a perceber que o mundo é diferente do que foi noutros
tempos. Se continuarmos o nosso percurso pela antiga Bolsa do Comércio de
Paris, encontraremos uma obra do britânico Damien Hirst, que logo a começar
pelo seu título, nos dá a entender que as sólidas verdades de dantes já não
existem. A obra de Hirst chama-se «The Fragile Truth».
O que
observamos é um armário de vidro e aço inoxidável com
medicamentos e produtos farmacêuticos, que Damien Hirst criou após descobrir a
enorme quantidade de remédios que a sua avó tomava diariamente.
Para
muitos, a ciência, e sobretudo a médica, deveria ser a nova religião moderna,
aquela que nos poderia fornecer as mais recentes e firmes certezas, todavia, a
verdade é que todos temos verificado, que assim não é.
Por
um lado, as próprias verdades científicas são provisórias e estão sempre
sujeitas a revisões e a novas descobertas, por outro lado, cresce o número
daqueles que negam as mais evidentes verdades científicas. Em síntese, também
não será a ciência a dar-nos a sensação de segurança e de certeza, de poder e
de autoridade que parecia haver antigamente.
Uma outra obra presente na exposição «Le monde comme il va», é da colombiana Doris Salcedo. Um dia, a dita artista concebeu uma obra na qual reconstituiu meticulosamente, tal e qual como se fosse um puzzle, uma mesa que tinha sido quebrada em mil pedaços. O título que lhe deu foi «Tabula Rasa».
Entre
outras coisas, o que a obra desta artista nos diz é que o mundo mudou. O mesmo
é dizer que as anteriores certezas à volta das quais nos sentávamos, a
autoridade que antes existia, e o prestígio que dantes certas instituições e
pessoas tinham, se desfez, tal e qual como a mesa.
Assim
sendo, podemos sempre pegar em todos os pedaços e tentar reconstruir o que se
perdeu. Daquilo que não nos podemos esquecer é que as marcas, as fendas, as
mossas não vão desaparecer, estão lá para as vermos.
O que
isto significa é que a autoridade, e prestígio de professores, polícias,
políticos, juízes e todos os demais, pode ser reconstituída, sendo certo que
será sempre diferente do que antes era. Se não o soubermos corremos o risco de nos
tornarmos velhos impotentes, Ferraris amolgados e só funcionarmos a medicamentos.
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