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Terá sido o 25 de Abril romântico, abstrato ou antes Pop?

 


A propósito dos 50 anos do 25 de Abril, muito se falou nos últimos tempos dessa revolução. Queremos hoje prolongar mais um pouco essa conversa, no entanto, queremos fazê-lo sob um ângulo raramente abordado, ou seja, pretendemos tentar dar uma resposta à questão que dá título a este texto, terá sido o 25 de Abril romântico, abstrato ou antes Pop?

 

Para tal, antes de irmos ao 25 de Abril, vamos primeiro a duas outras revoluções. É possível que as revoluções mais marcantes da História tenham sido a francesa e a soviética. A primeira aconteceu em 1789 e a segunda em 1917.

 

A arte capta sempre o ar do tempo, ou seja, o pulsar e o sentir de uma determinada época e das suas gentes. Muitas vezes antecipa o que está para vir, noutras é o que melhor ilustra o que sucedeu ou ainda está a acontecer. Em qualquer dos casos, uma coisa é certa, a arte apresenta-nos invariavelmente as imagens mais representativas daquilo que funda todo e qualquer presente.

 

Vejamos um exemplo, olhamos para a imagem abaixo e podemos nada saber sobre ela, contudo, só por a vermos, verificamos imediatamente que a sua origem há de estar algures entre os finais dos Anos 60 e o princípio dos 70.

 

As cores vivas e vibrantes e um certo tom “naif” não enganam ninguém, pois associamos instantaneamente tal estilo à era psicadélica, aos hippies, ao “Peace and Love”, ao Pop e a tudo o mais que caracteriza o final da década de sessenta e os princípios da de setenta.



A imagem acima é uma obra de António Palolo, um artista português nascido em 1946 em Évora e falecido em Lisboa no ano 2000. Intitula-se “O Jardim das Delícias” e foi pintada em 1970.

 

Três anos antes, longe de Portugal e num ambiente muito diferente e muito mais ousado do que aquele que então por cá se vivia, ou seja, na chamada “Swinging London”, os Beatles gravaram o seu mais conhecido álbum, Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band. Dele constava o tema “Lucy in the sky with diamonds”.

Basta que quem nos lê vá ver o filme abaixo, que foi realizado para acompanhar a dita melodia, e percebe sem margem para quaisquer dúvidas as suas semelhanças com a arte de Palolo, e também qual era o ar do tempo.

 


O que nós queremos dizer com este exemplo, é que António Palolo antecipou com a sua arte em pelo menos quatro anos a revolução de Abril. Não queremos com isto dizer que a adivinhou, que sabia exatamente o que iria suceder, o homem não era cartomante. Queremos sim dizer que captou o ar do tempo que estava para vir.

 

Mas voltemos à nossa questão inicial e às outras duas revoluções de que acima falámos. Se pensarmos bem nisso, constatamos que os movimentos artísticos surgidos à volta da Revolução Francesa têm o seu quê de romântico, já a arte nascida na Revolução Soviética é nitidamente abstrata.

 

Comecemos por França. Todos sabem que o Romantismo se define principalmente por duas ou três características, ou seja, por uma exaltação dos sentimentos, por uma certa idealização da mulher e por um amor extremo à terra-mãe, ou seja, à pátria.

 

Por assim ser, a mais célebre pintura que ilustra o ar do tempo e o sentir das gentes acerca da Revolução Francesa é um quadro de Eugène Delacroix intitulado “A Liberdade guiando o povo”.

É uma obra de 1830 e o seu autor não pretendia representar a revolução francesa de 1798, no entanto, queria certamente que o romantismo daqueles que a fizeram aí estivesse presente.


Temos uma mulher de peitos descobertos, a Liberdade, uma grande exaltação sentimental, e também não nos falta o patriotismo, que se solta aos ventos no agitar-se da bandeira tricolor.

 


Delacroix representou a Liberdade como uma figura que é simultaneamente inspirada numa deusa clássica e também numa decidida mulher do povo. Os cadáveres na parte inferior da imagem, como que formam uma espécie de pedestal. É daí que a Liberdade parece lançar-se, descalça e com os seus peitos descobertos, do interior da tela para o espaço exterior, o do espetador.

Em síntese, tudo nesta icónica representação da revolução está envolto em romantismo. Há lá imagem que melhor simbolize o lado romântico de uma revolução do que esta? Com efeito, o que temos é uma mulher, quase uma semi-deusa, que meio desnuda e ultrapassando todos os obstáculos com coragem, determinação e olvidando até a morte, vem sem receios direito a nós, que a vemos vir vindo e a aguardamos ansiosamente. Em conclusão o ar do tempo da Revolução Francesa era todo ele envolto em romantismo.

Mas vejamos agora o que sucedeu na Revolução Soviética de 1917. Aí o ar do tempo era outro, mais a atirar para o abstrato. Se o espírito da Revolução Francesa estava imbuído de grandes sentimentos, o da Soviética era mais teórico. Em França o povo revoltou-se, agitou-se e exaltado tomou as ruas, na Rússia a base da revolta assentava fundamentalmente nas teorias marxistas e na construção de uma sociedade nova.

A diferença entre o espírito que presidiu a cada uma destas revoluções é enorme, enquanto a primeira teve origem no sentir povo, a segunda inspirou-se nas novas perspectivas abertas pelas técnicas e materiais modernos que deveriam estar ao serviço de objetivos sociais progressistas e levar à construção de um mundo novo.´

 

 

A imagem acima é de El Lissitzky, artista soviético que viveu entre 1890 e 1941. O que pretende retratar é a guerra civil russa que se seguiu à revolução. O seu título é “Como a cunha vermelha golpeia os brancos”. Como se sabe os vermelhos eram os revolucionários bolcheviques e os brancos eram os que apoiavam o Czar. A guerra civil entre ambas as facções durou anos e com muito sangue derramado de parte a parte, contudo, quem olha para a imagem de El Lissitzky vê tão-somente formas geométricas e abstratas.

 

Quão longe estamos aqui do romantismo da revolução francesa?

Mas dito isto, vamos à portuguesa, que foi para isso que aqui viemos.

Ora bem, há quem a julgue romântica, como certamente também houve quem a pensasse abstrata. Mas nós não, temos uma nova hipótese. É que, na sua essência, embora possa ter sido ambas as coisas, o que na verdade foi, foi Pop!

Não vos vamos dizer muito mais…

Abaixo fica uma das mais célebres imagens artísticas do 25 de Abril. É de Nikias Skapinakis, artista português nascido em Lisboa em 1931 e falecido na mesma cidade em 2020. A obra intitula-se “Delacroix no 25 de Abril em Atenas”.



É ou não é Pop? É preciso dizer mais? Sim? Então cá vai. Um filme de Anna Hatherly, artista portuguesa nascida no Porto em 1929 e falecida em Lisboa em 2015. A obra intitula-se “Revolução” e é toda ela Pop, é verem…

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