Há um lugar
no Brasil muito pouco conhecido em Portugal, o seu nome é Inhotim. É um sítio
onde se pode ir ver arte mas que dá também para passear. Não para se ver
montras ou andar às compras, mas sim para se desfrutar da natureza num estado
semi-selvagem e admirar também como a mente humana conseguiu criar obras de
arte em plena harmonia com as árvores, as nuvens, os montes e os vales
envolventes.
Inhotim fica
a 60 quilómetros da grande cidade de Belo Horizonte, na afastada e imensa Mata
Atlântica e do Cerrado, onde as paisagens são exuberantes e surpreendentes. O
sítio estende-se por uns extensos 140 hectares. Quem visitar esse recolhido
local viverá uma experiência mística, na qual verá a arte misturar-se com a
natureza e vice-versa, como se entre ambas houvesse um vínculo que as tornasse
inseparáveis.
No total há
cerca de 4500 espécies de diferentes plantas e 500 obras de arte contemporânea
de mais de cem artistas de distintos lugares do mundo. É como se esse espaço
fosse simultaneamente uma festa da cultura e da biodiversidade.
O lugar é
tão grande e cheio de um intenso verde, que parecemos estar a entrar numa
floresta encantada. Há plantas de todos os tipos, flores de muitas cores,
pássaros diversos cantando pelo meio das árvores e até lagos com peixes! Dá
para passar o dia inteiro passeando por lá. Parece que cada cantinho de Inhotim
foi criado para primeiro nos fazer respirar fundo, e para logo de seguida
suspirarmos de espanto.
O que torna o Inhotim num lugar ímpar é a forma como a arte e a natureza se integram perfeitamente. As obras de arte estão espalhadas por todo o espaço, tanto ao ar livre como dentro de galerias com amplas vistas para o exterior, proporcionando desse modo uma experiência aos visitantes que se aproxima quase do sublime.
O que é
absolutamente singular em Inhotim, é que se pode sentir a arte contemporânea
com todo o nosso corpo. Não estamos exclusivamente a ver com o olhar as peças expostas,
também caminhamos em direção a elas, respiramos o ar que as rodeia, ouvimos os
sons que as abraçam e sentimo-las e tocamo-las.
As obras que
se encontram nesse imenso espaço não são apenas para ser vistas com os olhos, o
local concreto e físico onde estão interage com elas e também connosco.
Em boa
verdade, o lugar faz parte das obras de arte e nós, os que as visitamos, também
as integramos. Acontece de igual modo o oposto, ou seja, quer o lugar, quer as
obras, tornam-se igualmente parte de nós.
Sentimos no
nosso íntimo os odores e as brisas que atravessam as obras de arte, podemos
tocá-las, ouvir os sons da floresta que as envolvem e inclusivamente percorrer
o seu interior e sentir nos pés as rugosidades e irregularidades do terreno
onde se implantam.
Em certo
sentido, tudo interage e é poroso em Inhotim, com efeito, entramos pela arte
adentro tanto quanto esta entra em nós. Penetra-nos através do chão onde está
sediada e que nós pisamos, entra através dos cheiros que inalamos e também pelas
sonoridades que junto a elas escutamos.
Outro tanto
sucede com a natureza circundante, que apossando-se das obras de arte e ao
mesmo tempo de quem as vê, requisita desse modo todos os nossos sentidos e toca-nos
bem no âmago do nosso ser.
Em síntese,
em Inhotim, a arte contemporânea, a natureza e os visitantes tornam-se coisas
porosas e interpenetram-se de muitas e diversas formas, proporcionando assim
uma experiência estética e sensorial que vai muito para além da visão.
Por tudo
isto, no título deste texto vos falávamos de arte contemporosa, pois na
verdade, as obras contemporâneas de Inhotim entram por todos os poros adentro.
Os odores
que nelas sentimos vão desde o nariz até aos pulmões. Entram também pelos
nossos ouvidos os sons que as envolvem. Ao tocá-las, seja tacteando-as com as
mãos, seja experimentando nos pés as sensações resultantes das superfícies,
texturas e formas dos sítios que pisamos, vivenciamos uma experiência em que
todo nosso corpo está plenamente implicado, bem até ao seu centro do seu ser.
Ou muito nos
enganamos, ou um sítio assim, tal como Inhotim, só poderia existir no Brasil.
Não o dizemos pura e simplesmente por esse ser um país tropical e muito dado às
aventuras dos sentidos. Dizemo-lo sim, por nele haver uma longa tradição no que à arte contemporânea diz respeito, que aponta claramente nessa direção.
O Brasil
sempre esteve na vanguarda de uma certa contemporaneidade artística, não
propriamente daquela que era exclusivamente intelectual ou conceptual, mas sim
de uma outra, que diríamos ser sobretudo sensorial.
À tradição
artística contemporânea do Brasil, poder-se-ia muito bem chamar Vanguardismo
Sensual, era um nome que não lhe ficava nada mal. A título de exemplo, pensemos
em Hélio Oiticica (1937-1980), considerado um dos maiores artistas brasileiros
de sempre.
Há mais de
meio século, já Hélio Oiticica concebia obras de arte que não eram tão-somente
para ser vistas com os olhos, mas também para serem cheiradas, ouvidas, tocadas
e pisadas.
Em 2012,
houve em Lisboa uma grande exposição dedica à sua arte. À data, um crítico do
jornal Público escrevia assim: “Que o corpo seja o único guia. Uma obra não é
só para ver, mas para penetrar, entrar lá dentro e obedecer a um enorme
conjunto de requisitos”.
Mas esse
mesmo crítico, não se ficava por aí, acrescentava ainda que “Museu e o mundo
exige que se ande descalço, se molhem os pés, sujem os sapatos na areia, que o
corpo seja o único guia numa floresta intensa e tropical de cores, formas e
matérias”.
Abaixo a
imagem de uma obra de Hélio Oiticica intitulada “Éden”.
Há um outro
reputado artista brasileiro que seguiu a mesma linha e que se insere nessa tradição
que apela a todos os sentidos, o seu nome é Cildo Meireles e nasceu em 1948.
Em 1970,
portanto há mais de cinquenta anos, concebeu uma a obra a que chamou
“Entrevendo”. A obra consiste numa instalação cilíndrica de madeira,
que convida o visitante a entrar e a caminhar no sentido de uma
fonte de vento quente. Sendo que, ao mesmo tempo, o visitante coloca na
sua boca cubos de gelos de água doce e salgada, que vão derretendo à
medida que vai avançando no percurso.
Entre o
claro e o escuro, o frio e o quente, o doce e o salgado, o visitante
experimenta sensações que transbordam o campo da visão e deflagram outras
maneiras de se perceber e sentir a arte.
A visão, que
é o sentido mais associado às artes plásticas, é aqui desconstruída e
desafiada, sendo-nos proposto percepcionar o mundo de muitas outras formas e leva-nos
a desconfiar das verdades, quando só as percepcionamos com os olhos e não
também com os restantes órgãos e sentidos do nosso corpo.
Quem vai a
um museu também tem boca, nariz, mãos e pés, não apenas olhos.
Como estamos
em crer que muitos dos que nos leem não terão disponibilidade, para assim do pé
para mão, irem até Inhotim, nós propomos-vos um passeio que fica mais perto, pelo
menos para quem está em Portugal.
No MAAT, em
Lisboa, está agora patente uma exposição de Ernesto Neto, mais um artista
brasileiro internacionalmente consagrado, este nasceu em 1964. A sua obra já
foi apresentada nos mais prestigiados museus do mundo, na Tate em Londres, no
Pompidou em Paris, no Guggenheim e no MoMa em Nova Iorque. Em resumo, é uma
estrela mundial da arte contemporânea.
Feita a
introdução, informamos-vos que Ernesto Neto criou para o MAAT, uma das suas obras
de maiores dimensões, a que chamou “Nosso Barco Tambor Terra”. Como já terão
adivinhado, é uma obra que se cheira, pois tem em si especiarias, tal e qual
como também se ouve, pois é constituída por tambores, tamborins, tamboretes e
outros instrumentos sonoros.
É uma obra
na qual podemos entrar, mas que para o fazermos, temos de nos descalçar. Para
além de tudo isso, podemos tocá-la e igualmente ver todos os seus intricados
rendilhados e a as suas vibrantes cores. Em síntese, é uma obra que se vê com
todo o nosso corpo e não apenas com olhos.
“O olhar só
atrapalha” é uma frase do artista Ernesto Neto, vejamos que outras coisas ele
diz relativamente à obra que criou para o MAAT:
E pronto,
com isto terminamos, quem puder ir a Inhotim que vá e quem puder ir ao MAAT que
se faça ao caminho. Mesmo para finalizarmos, uma canção de Caetano Veloso, a
sua primeira, “Alegria, alegria”.
Este tema
musical de Caetano Veloso é muito afim às obras de arte cotemporosa de que aqui
fomos falando, também nos fala de sensações e sentires que não apenas os que olhos
enxergam, como é o caso de fotos, caras de presidentes, bombas e a Brigitte
Bardot nas bancas de revista.
A canção
fala-nos igualmente de outros sentidos e sabores, como o de tomar uma
Coca-Cola, o de caminhar contra o vento, do sol de quase dezembro e ainda de
alegria e de preguiça. Seja como for, o que Caetano nos diz é “Eu vou, porque
não, porque não?”
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