Em tempos recentes lemos umas quantas notícias de que a escola está doente. Todos os estudos nos indicam que os problemas de ansiedade e de depressão aumentaram claramente nos últimos anos e isto quer em professores, quer em alunos. Temos uma solução? Claro que não. O mais que podemos dizer, é que desconfiamos, que falta a docentes e a discentes uma luz que os oriente e lhes sirva de farol.
Não vos falamos de uma luz vinda de fora, ou seja, da chegada de um qualquer iluminado, que qual D. Sebastião, apareça numa manhã de nevoeiro para a todos salvar. Falamos-vos sim de uma luz vinda de dentro, mais concretamente do interior de cada um. De cada um que é professor e de cada um que é aluno.
O papel de professores e alunos já não é o mesmo de sempre, mudou completamente. Não só mudou, como promete mudar ainda mais, basta pensar na chamada Inteligência Artificial para se perceber que os tempos vindouros vão ser muito diferentes, não só dos do passado, como também dos do presente. Dito isto, o que fazer? Que luz nos há de iluminar?
Há quem se queira refugiar no antigamente e clame pelos luminosos tempos de outrora em que havia respeito, rigor e tudo o mais. Há também quem desespere, se agite, se irrite e quotidianamente trave uma batalha para tentar pôr alguma ordem no caos reinante. Há ainda quem tente inovar e inventar outros caminhos. Estes últimos vão frequentemente às escuras e sem saber muito bem o que fazer a seguir. Em resumo, cada qual vai tentando sobreviver como lhe parece melhor e ninguém sabe muito bem por onde ir, nem avista a luz de um farol a que seguir.
Antes de continuarmos, aqui vos deixamos algumas notícias relativas ao presente estado das coisas:
No Diário de Notícias:
No Público:
No Expresso:
Na CNN:
Como já antes dissemos, nós não temos nenhuma solução para este assunto. Não somos salvadores da pátria nem acreditamos que alguém o possa ser. Porém, naquilo em que cremos, é que se quer professores, quer alunos, estiverem dispostos a ver a luz que lhes vem de dentro, hão de conseguir vislumbrar algo mais do que escuridão que atualmente os cerca.
Professores e alunos estão demasiadamente distraídos por luzes que brilham, mas a nada nem a ninguém iluminam. Há supostas luminárias por todo lado, que diariamente aparecem nos jornais e nas televisões com as suas brilhantes teorias sobre educação. Só que na realidade, tais gentes ilustres, mais não fazem do que aumentar a escuridão, a ansiedade e a depressão
Nós, a única certeza que temos, é que se professores e alunos reflectissem e pensassem de si para consigo próprios e sem ruído à sua volta sobre qual é e será o seu papel, daí surgiria certamente alguma luz.
Refletir e pensar exige uma certa solidão e recolhimento, no entanto, hoje em dia, não há quem não tenha uma “abalizada” opinião e por isso queira ser ouvido. Por consequência, é difícil à escola escapar à imensa multidão de opinadores e estar só, para que tranquilamente do seu interior possa nascer alguma luz.
Mas dito isto, o que mais poderemos dizer? O que podemos dizer é que conhecemos alguém que pode servir de exemplo a professores e alunos. Alguém que retratou gente, que vivendo num mundo caótico e agitado, conseguiram ainda assim encontrar-se a sós consigo próprios e vislumbrarem em si uma luz que os salvasse e os iluminasse.
A sós. A escola necessita de estar a sós para se pensar. Não precisa que empresários, jornalistas, comentadores, opinadores, sindicalistas, políticos, especialistas, gurus e “tutti quanti” estejam constantemente a dizer o que ela deve ser. Desse imenso sururu de iluminados jamais virá qualquer luz, só de dentro, daqueles que vivem quotidianamente no seu interior, ou seja, professores e alunos.
Vamos então deixar o sector da educação e falar-vos daquele alguém, que pode servir de exemplo, para que de um modo sereno, sossegado e solitário, se possa ter a quietude interior para se avistar uma luz que encaminhe e alumie.
Imaginemos uma gigantesca e ultra-povoada cidade cheia de vozes que dizem isto e aquilo. Melhor, pensemos numa em concreto que corresponda a tais características, como por exemplo, Nova Iorque. Mas imaginemos agora também, alguém que nessa imensa cidade cheia de gente, escolhe voluntariamente viver recolhido. Melhor ainda, pensemos efetivamente num indivíduo em específico, pois que é ele o nosso exemplo. Referimos-nos a um tipo, que apesar de viver numa extensa, vibrante e cacofónica urbe, preferia andar só, em silêncio e metido consigo próprio. Falamos-vos do pintor norte-americano Edward Hooper.
Hooper nasceu em 1882 numa pequena localidade, não muito longe da grande cidade de Nova Iorque. Ainda em jovem mudou-se para Manhattan, onde viveu o resto da sua existência, excepto no verão, período do ano que passava junto ao mar, em Cape Cod. Faleceu em 1967 após uma vida inteira dedicada à arte.
Abaixo uma pintura do dito Edward Hooper, na qual o artista representa a colina do farol em Cape Cod.
Digamos que a pintura acima não é uma representação típica de um local de férias e veraneio à beira do plácido mar. Com efeito, do retrato de Hooper do sítio, parece também desprender-se algo de secreto e enigmático. Tanto assim é, que o cineasta Alfred Hitchcock, conhecido mestre do suspense e do mistério, se inspirou em muitas das pinturas que o artista realizou em Cape Cod para as suas excitantes películas.
Há uma obra de Edward Hooper que é mundialmente famosa e faz parte da iconografia norte-americana, tendo sido milhões de vezes reproduzida em posters, t-shirts, postais, calendários, agendas e demais produtos de merchandising. Serviu também de inspiração para múltiplos poemas, para uns tantos filmes, umas certas séries de TV e para algumas canções Pop, o seu título é “Nighthawks”.
O que vemos nessa pintura é simples, é noite, três seres, dois homens e uma mulher, estão sentados ao balcão de um qualquer snack-bar de esquina. Um dos homens está afastado das restantes duas personagens, que talvez constituam um casal. Ou não, a sua relação é incerta, poderão estar ali juntos ao balcão por mera casualidade.
Há uma quarta figura, o empregado do snack-bar, que executa os seus afazeres. Quiçá lave a loiça. A rua está deserta e escura, a única luz existente é a do interior do estabelecimento de comes e bebes.
Na verdade, ao pensarmos na obra de Edward Hopper, não devemos associar à palavra solidão qualquer tipo particular de estado depressivo, de desamparo ou de tristeza. Os seres isolados e apartados dos quadros de Hooper, parecem sê-lo não devido a alguma dessas infelicidades, mas sim por uma decisão consciente da sua parte. São gente que foge a qualquer aglomeração ou convívio, preferindo antes andar só e em meditação pela grande cidade.
É como se tanto o artista como as figuras que retratou, tivessem escolhido viver envolvidos numa bolha e estivessem por isso distanciados do mundo exterior que os rodeia.
São solitários voluntários, se pudessem viveriam ali isolados naquele snack-bar perpetuamente, para sempre sentados ao balcão a refletir sobre o que já passou e o que ainda há de vir.
No fundo, Hooper e os seus personagens, são como uma espécie de monges, que só no recolhimento interior, na introspecção e no silêncio conseguem encontrar-se verdadeiramente consigo próprios e ver a luz.
Se olharmos novamente para o snack-bar de “Nighthawks”, reparamos que não há uma porta de saída para o exterior. Há uma porta na parede do fundo que provavelmente dará para uma arrecadação ou para qualquer coisa desse género, mas não há nenhuma outra visível que dê para a rua.
A ausência dessa porta para o exterior, como que reforça a sensação de que aqueles quatros seres não se importariam de se demorarem ali por toda a eternidade. É como se estivessem fora do tempo, protegidos do que há fora deles e só entregues aos seus próprios pensamentos.
Permanecem assim recolhidos num espaço luminoso que os acolhe e envolve, e que quase se diria ser um local de meditação. Na realidade, este snack-bar poderia muito bem ser um templo ou, quem sabe, uma escola.
Há quem queira ver nas solitárias figuras de Edward Hooper seres melancólicos e infelizes, mas não, essa é uma visão equivocada, dizemos nós. O que na verdade elas são, é gente que profunda e poeticamente reflete, divaga e devaneia, sendo que é nesse seu esquivo deambular, que se lhes faz luz.
Vejamos uma sua outra obra, “New York Movie” de 1939.
O que vemos na pintura acima é uma sala de cinema. No canto superior esquerdo, avistamos um detalhe da tela onde o filme é projetado. Podemos também ver algumas cadeiras e pessoas nelas sentadas, contudo, o que imediatamente nos capta a atenção, é uma mulher encostada a uma parede.
Trata-se de uma funcionária da sala cuja tarefa consistia em indicar os lugares aos espectadores, função que hoje em dia está praticamente extinta. Agora quem vai ao cinema, que procure sozinho o seu lugar, que já não há lá ninguém para o ajudar.
Atentamos na mulher e percebemos que não está a ver o filme. Compreendemos que aquilo que está a ver é uma outra coisa, a saber, o que decorre no interior de si mesma.
Há uma luz que a ilumina e a envolve, e que faz com que esteja claramente fora do escuro em que todos os outros na sala estão submersos. É certo que a vemos só e pensativa, mas quererá isso porventura dizer que se sente sorumbática e taciturna?
Nós dizemos que não. Dizemos que a mulher sabe que os espectadores estão imersos num mundo artificial de fantasia e ilusão, facto que o pomposo e pretensioso décor da sala ainda mais acentua.
Ela, pelo contrário, não se deixa ludibriar por imagens postiças. Nem pelas que estão a ser projetadas no ecrã, nem pelas da presunçosa decoração da sala, que imita de um modo pedante a de clássicos palácios reais do passado (tal como outros querem imitar no sector da educação, a exigência e o rigor de outrora).
Em síntese, a mulher encostada à parede da sala de cinema, é tal e qual como os clientes noturnos do snack-bar em “Nighthawks”, ou seja, seres cuja escolha é viver numa bolha de luz que os separe da escuridão e das ilusões onde habitam as multidões. Seres que vivem amparados por uma luz que os abriga e envoltos na qual se encontram a sós consigo mesmos e com o que lhes vai pela alma.
Mais abaixo, temos um outro quadro de Edward Hooper, este intitulado “Morning Sun”. Se o virmos com atenção, verificaremos outra vez a presença dessa referida luz vinda do interior que envolve e protege do exterior. A figura feminina da pintura está ela própria contida nessa benevolente aura de luminosidade originada a partir de dentro.
Dir-se-ia também que a personagem retratada está recolhida em si própria, segura que a luz que a circunda lhe fornece um qualquer aconchego, que lhe permite recolher-se e deixar-se abstrair pelos seus pensamentos e em quem realmente é.
Para lá da janela avista-se Nova Iorque, onde há multidões pelas ruas e avenidas, teatros, cinemas, lojas, variedades e múltiplos espectáculos musicais na Broadway, no entanto, a esta mulher, o que a entretém, é cogitar no mundo que em si mesma tem, ou seja, na sua luz.
Na pintura está só, mas certamente que não se sente abandonada ou desacompanhada. Como sucede com outro qualquer ermita desde tempos ancestrais, ela tem sempre consigo uma luz interior que lhe faz companhia e a conduz.
Antes de terminarmos este nosso texto sobre Edward Hooper e outras coisas mais e depois irmos de viagem, paremos numa bomba de gasolina. Vem isto a propósito de mais um quadro do artista, “Gas Station” de 1940, que podem ver mais abaixo.
Se contemplarmos essa pintura, vamos reparar que do lado direito do quadro, a estrada que se nos apresenta lá mais à frente conduz-nos diretamente em direção à escuridão. Possivelmente, esse seria o modo de Edward Hooper nos dizer que algures no futuro, teremos inevitavelmente o escuro como destino.
No entanto, e por enquanto, ainda há muita luz. Tanta como a que ilumina um qualquer snack-bar durante a noite, como a que serve de luz de presença numa sala de cinema, como a do sol pela manhã ou como a de um posto de gasolina numa longa e sombria estrada, mas sobretudo tanta, como a que há dentro de cada um de nós, nos protege e nos alumia pelo caminho. Essa que só a sós poderemos vislumbrar.
Em Nova Iorque, ou seja, lá fora, no exterior, há muitos neons e muitas luzes da ribalta, todavia, não podemos deixarmos iludir-nos, o certo é que nunca devemos esquecer que não são essas luzes as que nos servem de farol. Na escola, tal como na vida e na pintura de Hopper, unicamente a luz que vem de dentro nos poderá servir de farol.
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