Então não é
que, segundo se diz nos jornais, os jovens portugueses correm o grave risco de
serem radicalizados? Aparentemente, as causas radicais que os movem, aos jovens
bem entendido, são muitas e diversas. Numa pesquisa rápida pela internet,
encontrámos imediatamente no Público duas notícias diferentes acerca desse
assunto.
Na primeira dizia-se que as “Secretas portuguesas identificaram jovens radicalizados no jihadismo”, na segunda falava-se “no crescimento do extremismo de direita nas gerações mais novas e da criação de grupos juvenis deste tipo”.
Mas se
alguém quiser fazer uma pesquisa mais aprofundada, vai rapidamente descobrir,
que o tipo de grupos e movimentos em que os jovens se radicalizam são múltiplos
e de sentido oposto. Vão desde o anti-capitalismo ao ativismo climático,
passando pelo negacionismo e até ao extremo conservadorismo religioso, isto já para
não falar das claques de futebol. Em síntese, causas intensas e ardentes pelas
quais lutarem, aos jovens portugueses de hoje não lhes faltam.
Tudo isto, a
nós nada nos espanta, com efeito, desde quando é que um jovem não é um radical?
A não ser que seja um choninhas, desde épocas imemoriais que um jovem é por
inerência alguém com tiques de radicalismo.
Ser-se
intransigente e excessivamente dramático, acreditar-se piamente que se tem
invariavelmente razão, ter-se ideias extraordinárias e inconsequentes e
andar-se inflamado e possuído por um enérgico entusiasmo, parecem mesmo ser,
para além da idade, as principais características que definem a juventude. A da
agora como a de sempre.
Ser-se
conservador e ponderado quando jovem, e revolucionário e radical quando maduro,
isso sim, é que pareceria uma coisa estranha e inusitada, o contrário é
absolutamente normal. Desde que o mundo é mundo e Portugal é Portugal que é
assim, basta lembrar como agiu D. Afonso Henriques para com a senhora sua mãe,
e como não lhe foi suficiente sair de casa e ir à sua vida, teve de ser radical
e fundar um país.
Mas se por
um lado, os jovens aparentam ser cheios de certezas inquestionáveis, por outro,
ser-se jovem é sobretudo estar-se confuso e sentir-se angustiado, sobre o que a
futura vida adulta lhe reserva.
Por muitos
bons planos que se tenha, e mesmo sabendo-se muito bem o que se quer fazer,
sendo-se jovem, é inevitável que se navegue em hesitações e se sintam grandes
dúvidas relativamente ao que por aí vem. Sempre assim foi, e perpetuamente e de
igual modo sempre assim o será.
Por o ser, se aos baralhados jovens alguém lhes puser sobre a mesa indiscutíveis certezas, é normal que eles precipitadamente se agarrem a elas como a uma tábua de salvação. No mar de indefinições, vacilações e inconstâncias que é ser-se jovem, palavras convictas, fortes, assertivas e radicais servidas em vistosas bandejas, atraem imenso a quem anseia por segurança, estabilidade e firmeza.
Perante um
futuro que é sempre incerto, diante das interrogações que as responsabilidades
adultas trazem consigo e defronte do horizonte de inquietações que é o tempo
vindouro, o mais corriqueiro e usual, é que um jovem se atire de cabeça à
primeira, e de peito aberto acolha entusiasticamente a quem o abasteça de
radicais e inabaláveis convicções.
Ser-se jovem
é isto, ou seja, acreditar radicalmente em algo. Acreditar não porque se tenha
pensado muito sobre o assunto, também não porque se tenha ponderado enormemente
o tema, mas sim e apenas, porque esse algo em que se quer crer, parece certo e
surge à vista como um porto seguro.
Numa certeza
radical, é possível a um jovem atracar o seu barco e estar resguardado desse
caótico mar agitado de hesitações, de perplexidades e de temores com que a
juventude perspetiva a futura vida adulta.
Dito isto,
em princípio, os jovens, os de agora como os de sempre, acabam por ser um alvo
fácil para quem os queira persuadir com firmes certezas, pois eles anseiam por
quem lhes diga o que é o certo, o que é o errado e também o que é a verdade.
Todavia, os
jovens não querem ouvir as velhas verdades, as repetidas, ou seja, aquelas que
lhes foram ditas por pais, avós e professores. Querem sim algo de novo, de
radical, que os excite, os indigne ou os entusiasme.
Querem quem
lhes dê certezas apaixonantes e irrefutáveis, sobre as quais se possam erguer e
dizer bem alto, agora já sou um adulto, tenho as minhas ideias, crenças e
convicções e ninguém me vai dizer que estou errado, porque não estou.
Quando
crescem os jovens não querem verdades mornas, sensatas e gastas, tipo tens de
estudar, arranja um emprego, pensa na tua vida, arruma o teu quarto, tem juízo,
vai com cuidado, olha que isso te faz mal ou veste um agasalho que ainda te
constipas. Nada disso. Na sua perspetiva, tudo isso são coisas de velhos, de
professores e de pais.
O que
desejam é outra coisa, algo de excepcional, arrebatador e original, que os faça
sentir que vão viver aquilo que antes deles jamais foi vivido. Ser jovem é
também isso, ter uma crença radical que agora é que é, que pela primeira vez
nada vai ser como dantes na história da humanidade e que as gerações anteriores
mais não são do que o passado, enquanto eles sim são o futuro e os amanhãs que
cantam.
Ser jovem é
não ter a certeza de nada, andar angustiado com o futuro, mas simultaneamente e
de um modo contraditório, agir e falar como tendo a certeza de tudo. É ser
medroso e intrépido ao mesmo tempo. É não se querer saber se faz chuva ou faz
sol, mas saber-se sem dúvida absolutamente nenhuma, que faça o tempo que faça,
isso nada importa, e logo a seguir descobrir também, que afinal quem anda a
chuva molha-se. Em resumo, um jovem é um tumulto de emoções e sensações
contrárias envolto em roupagens de certezas inteiras.
São todas
estas as razões pelas quais, aos jovens, quando lhes aparece quem lhes forneça
convicções radicais, e desde que estas sejam diferentes das de antigamente, ou
seja, daquelas com que cresceram, eles se agarram a elas como se estas fossem o
seu destino.
Para voltarmos ao início do nosso texto e ao que se notícia nos jornais, diríamos que o atual problema não é os jovens serem radicais, pois isso é o que sempre foram, caso não fossem uns choninhas. O verdadeiro dilema deste nosso tempo, é que há cada vez mais gente e com mais eficazes meios a fornecer aos jovens “verdades” absolutas nas quais eles tendem a devotamente crer.
Nunca como
agora, houve tanta gente semelhante àquele personagem do filme Pinóquio, o João
Honesto (no original Honest John). Todos esses novos personagens aplicam-se a
seduzir os jovens lançando-lhes “verdades” e dizendo-lhes que sabem o caminho
para os resgatar das incertezas e dúvidas que os rodeiam, e desse modo
endireitar o mundo. Ordem e rigor, há muito quem diga, é o que os jovens
precisam. Se for tudo à tropa, certamente que voltaremos a ver toda juventude
em marcha.
Seja à
esquerda ou à direita, relativamente às alterações climáticas, à religião, aos
costumes ou até ao futebol, há grupos e movimentos que se dedicam afincadamente
a arregimentar os jovens para as suas causas, aproveitando para tal o seu
natural e saudável radicalismo, para o transformar num radicalismo de muito
diferente natureza.
Ou seja, um radicalismo que já não se manifesta tão-somente em dizer verdades hesitantes e inconsequentes como “não quero”, “não faço”, “eu é que sei”, “ninguém me entende” ou “a vida é minha”, mas que se expressa em algo de muito mais perigoso e nefasto, a saber, em crer e defender supostas verdades indisputáveis, pelas quais há que combater até ao fim, doa a quem doer, venha lá quem vier e aconteça o que acontecer. Este último radicalismo sim, é que constitui um grave risco para a atual juventude, e não o outro, o de sempre.
São a esses personagens equivalentes ao João Honesto, que devemos estar atentos, pois os radicais caminhos para os quais aliciam os jovens de agora, ou muito nos enganamos, ou são perniciosos e sinistros.
Para
terminarmos, um filme, “A Primeira Noite”, no original “The Graduate”. O jovem
Benjamim regressa a casa de seus pais após se ter formado numa universidade
longe do lar. É recebido entusiasticamente pelos pais, que lhe prepararam uma
festa de boas-vindas para a qual convidaram vários amigos da família, muitos
deles que conhecem Benjamim desde pequenino.
Benjamin, interpretado por um novíssimo Dustin Hoffman, não sabe bem que fazer do seu futuro, no entanto, o que não lhe faltam são conselhos e quem lhe diga como orientar a sua vida. Vejamos a cena da festa de boas vindas em que tal acontece:
Benjamin
ouve com perplexidade todos esses conselhos, mas como qualquer jovem sente-se
confuso e radicalmente certo do que quer, ou seja, alberga em si todas as
contradições da juventude.
Mais
tarde na história, Benjamin acaba por ser seduzido pela esposa do sócio do seu
pai, que para além disso também é uma vizinha de sempre e amiga íntima da sua
família, o seu nome é Mrs. Robinson. Ainda assim, Benjamin não tem a certeza se
Mrs. Robinson o quer mesmo seduzir. É jovem, está confuso, a vida de adulto parece-lhe
muito complicada e pouco clara.
Durante
um tempo Benjamin anda entusiasmado com o “affair” com Mrs. Robinson, uma
mulher mais velha e sente-se o maior. Porém, há um momento em que reencontra
Elaine, a filha de Mrs. Robinson que já não via a algum tempo e que também
andou a estudar numa universidade.
Furiosa
com o romance de Benjamin com a sua filha, Mrs. Robinson conta tudo ao seu marido
que, se antes apoiava o namoro da filha, agora resolve vingar-se, e muda-se com
a filha e a mulher para lugar desconhecido de Benjamin.
Benjamin
passa então, a procurar Elaine por todo o lado, e acaba por encontrá-la no dia
do casamento dela com uma outra pessoa. Determinado a casar-se com Elaine,
Benjamin consegue interromper o casamento, enfrentando o noivo, a família dele,
a família de Elaine e todos os outros convidados.
Como
dois radicais, Elaine e Benjamin fogem da igreja e apanham o primeiro autocarro
que passou na rua e o filme termina mesmo assim.
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