Entre os muitos desejos secretos que são agora possíveis de concretizar, desde que se tenha dinheiro para tal, está o ser-se um Ministério da Educação. Quem no fundo da sua alma, nos mais recônditos interstícios do seu ser, não teve já voluptuosas fantasias e lânguidos anseios nos quais sonhava em ser um Ministério da Educação?
Por enquanto, por cá, por Portugal, tal ainda não está ao alcance das gentes comuns, no entanto, na América, esses apetites já podem ser facilmente satisfeitos.
O que haverá de novo, de tão original e excitante na América, perguntará quem nos lê? A resposta é simples: um considerável aumento de alunos no ensino doméstico. Atualmente todos os desvarios, ímpetos e arroubos educativos podem ser realizados sem sequer se sair de casa. Basta que se tenha um ou mais filhos, ou educandos, e a aspiração de se ser um Ministério da Educação, está ao alcance da mão.
Quem quer que nos EUA, seja assaltado por um intenso fervor pedagógico ou por uma sofreguidão didática, não mais necessita de se condoer em silêncio, pois neste momento todos os caprichos são perfeitamente exequíveis.
Os Estados Unidos da América continuam a ser o centro do globo terrestre, ou seja, vão acontecendo coisas por outros lados do mundo, mas o que sucede pelos “The good old USA” permanece decisivo, e é o que mais tarde ou mais cedo acaba por influenciar todo o resto da humanidade.
Nem sequer vale a pena falarmos em como Hollywood com os seus filmes e séries molda as modas, a moral e os costumes em todo e qualquer lado do planeta, inclusivamente em sítios isolados e longínquos, tipo Alguidares-de-Baixo ou Vila Rica de Cima.
Não vale igualmente a pena destacar o quanto o resultado das próximas eleições presidenciais norte-americanas vai determinar o futuro de muitas outras nações pela Terra inteira, seja na distante Ásia, na Europa ou até mesmo em Portugal.
O que neste momento aqui nos interessa salientar, é vermos o que há de novo na América em termos de modas e políticas educativas, pois sabemos que, o que se passa por lá, daqui uns tempos, passar-se-á por cá. Nesse contexto, a grande novidade é o crescente aumento de alunos no ensino doméstico.
Ainda há uma década, o ensino doméstico na América era uma espécie de bizarria, uma coisa quase exclusiva de fundamentalistas religiosos, contudo, nos últimos quatros anos algo mudou. Com efeito, em termos percentuais, o crescimento do ensino doméstico ultrapassou inclusivamente o crescimento do ensino privado, tendo isso sucedido também à custa da diminuição de alunos no ensino público.
Em termos quantitativos, na América atual há 6% dos alunos em ensino doméstico, o que corresponde a um número total de cerca 2,7 milhões, quase o dobro dos que havia há uns poucos anos atrás.
Mas a mudança não é apenas quantitativa, mas igualmente qualitativa. Se antes eram as razões religiosas que levavam os pais e encarregados de educação a optar pelo ensino no lar, agora há muitas outras.
O jornal Washington Post publicou recentemente um extenso artigo sobre este assunto, que intitulou “Home schooling today is less religious and more diverse”.
Segundo o que nessa publicação se lê, ficámos a saber que as razões pelas quais muitos optam agora na América pelo ensino doméstico, se prendem com preocupações com o ambiente escolar, desacordo com os currículos e modelo educativo, receios com o bullying e também desconfiança quanto aos valores morais difundidos pelas escolas.
Em síntese, poder-se-ia resumir todas essas razões numa única, muitos pais e encarregados de educação norte-americanos pretendem que os seus educandos só sejam expostos a saberes e valores que eles próprios validem e aprovem, e acerca de tudo o resto, zero.
Um outro motivo de cariz diferente destes que aqui expusemos, é o de que pais ou encarregados de educação de crianças com dificuldades de aprendizagem, seja lá estas de que natureza forem, acham que as escolas não possuem nem disponibilidade nem recursos para lidar com os seus educandos, consequentemente, optam por que estes aprendam em casa.
Aqui fica o link do Washington Post para quem quiser aprofundar o tema:
Uma outra novidade nesta nova vaga americana de ensino doméstico, é que não são, como antes eram, as mães que ficam em casa a cuidar e a ensinar os filhos. Com efeito, há agora uma imensidão de recursos on-line que podem ser utilizados e, mais do que isso, há sites especializados em prestar esse tipo de serviços.
Sites que disponibilizam professores e tutores, que acompanhem a aprendizagem dos alunos em ensino doméstico de acordo com um currículo previamente definido pelos pais e encarregados de educação das crianças e adolescentes.
Se consultarmos um desses sites, o Prenda, vamos verificar que na América cada família pode agora ser um Micro-Ministério da Educação, ou seja, decidir o currículo, estabelecer os horários e inclusivamente contratar os professores.
Mas quem quer que pense, que o desejo de se ser um Ministério de Educação é tão-somente um anseio lúbrico de dominar e subordinar o pessoal docente, e ainda para mais se ter o prazer de introduzir currículos, que se desengane. Nada disto é lascivo, tudo isto é amor.
Na verdade, quem consultou o dito site, há-de ter constatado que a palavra “Love” aparece constantemente: “Kids (and Parents) love Prenda”, “Microschools help kids love learning again”, “Loved and trusted by thousands of parents”, “Love of learning decrease as kids spent more time in school”...
Mas vejamos um outro site, que fornece à população norte-americana, ensino doméstico:
O que é engraçado neste site, é que os docentes publicitam os seus serviços através de vídeos. Há docentes desde o pré-escolar até ao final do ensino secundário, e há aulas sobre todas as matérias. Há quem lecione história, quem seja de matemática, quem seja de ciências, de artes e de tudo o mais. Há também quem ensine pensamento crítico, quem trabalhe a gestão das emoções, quem instrua sobre relações sociais e tudo o resto que se quiser.
Mas há mais, há aulas a 3€, outras a 15 ou a 30€ e algumas, as mais caras, a 98€. Há docentes que se fazem pagar à hora, outros à semana ou ao mês, e os melhores só são contratáveis por quem o fizer por um ano letivo inteiro.
Há também os que só dão aulas individuais e os que as dão para uma turma. Em resumo, há de tudo, e tudo on-line para todos os gostos e carteiras, e com todos os alunos muito bem aconchegados em casa, cada um na sua.
Imaginem-se não a viver o “American Dream”, mas sim o sonho de serem um Ministério da Educação. Pensem em quão lindo seria, dizerem ao vosso educando, este ano vais ter cinco horas semanais de ciência, três de letras, uma de matemática e meia hora de artes. É este o teu currículo.
Vais também ter um tanto ou quanto de pensamento crítico, talvez uma vez por mês. E em cada trimestre, uma aula de relacionamento social e outra de gestão emocional. Quanto aos teus professores, vamos lá ver quem são, pode ser uma ou um a 50€, escolhe lá do catálogo, mais um outro ou outra a 12€ e, se te portares bem, arranja-se também uns dois a 90€.
Mais do que isso, a esse preço, não pode ser, se não já sabes que neste verão não comes gelados, que o dinheiro não chega para tudo.
- Mas ó mãe, pai, não posso ter também umas atividades extra-curriculares e umas visitas de estudo?- Isso não meu filho. Visitas de estudo é quando fores ver a tua avó. E se queres atividades extra-curriculares, vai brincar com o gato.
Talvez todos os que desejam ser um Ministério da Educação, definir currículos e contratar professores, se julguem a salvo de greves, contestações e manifestações, mas não. Distintamente do que é habitual, neste caso os protestos não têm origem no pessoal docente, mas sim no discente, ou seja, nos alunos.
Uma vez tendo atingindo os vinte e tal, trinta anos, muitos dos alunos que na América frequentaram o ensino doméstico, constatam então que têm graves dificuldades, não só a nível social, mas também profissional.
Não conseguem integrar-se em grupos, trabalhar em equipa é coisa que não fazem ideia de como se faz e lidar com outras gentes, que sejam minimamente diferentes das da sua família, custa-lhes enormidades. Em resumo, em não raras situações, quando adultos, são uns inadaptados.
Se formos espreitar um fórum digital onde jovens adultos norte-americanos que frequentaram o ensino doméstico relatam as suas experiências e dificuldades, o Homeschool Recovery, temos de concluir que o desejo de pais e encarregados de educação de serem um Ministério da Educação acaba por ter efeitos perversos na vida dos seus educandos quando estes crescem e se tornam adultos.
Alguns dos relatos chegam mesmo a ser verdadeiramente aterradores, é ver...
Posto isto, no ano letivo de 2012-2013 havia em Portugal somente 63 estudantes em ensino doméstico, atualmente terão ultrapassado o milhar, prevendo-se que os números continuem a crescer nos próximos anos. É fácil de o perceber, pois é com frequência que vemos muitos pais e encarregados de educação a manifestarem sintomas que revelam o desejo de serem um Ministério da Educação, ou seja, de estabelecerem as regras, os currículos pelas quais as escolas se devem pautar, os valores a transmitir, as disciplinas a lecionar e até os professores a contratar.
Mas voltemos ao Washington Post. De entre as notícias dos últimos dias, destaca-se a que assinala o quinquagésimo aniversário do Hirshhorn Museum.
Tal museu situa-se precisamente em Washington, capital dos Estados Unidos da América, mais do que isso, é um exemplo praticamente único do que é um serviço educativo, não um daqueles virtuais de que neste texto falámos, mas sim um verdadeiro, daqueles ao vivo e a cores.
Com efeito, esta instituição cultural é acessível a todos gratuitamente, tem imensos recursos educativos e presta um grande serviço pedagógico à nação norte-americana. Nós aconselharíamos os pais e encarregados de educação que efetivamente quisessem aprofundar o saber e o conhecimento dos seus educandos, que os deixassem ir à escola e depois, ao fim do dia, numas férias, num sábado ou num domingo, fossem então passear em família a um museu. Era capaz de ser mais saudável.
E pronto, é por coisas como o Hirshhorn Museum e não pelo Homeschooling, "that we like America and America likes us"...
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