É muito curioso ouvir os fóruns radiofónicos, sobretudo, o mais conhecido de todos eles, o da TSF. A propósito de um tema pré-determinado, qualquer ouvinte pode telefonar e dar a sua opinião em direto. Os assuntos são muito diversos e há quem diga coisas acertadas, quem diga outras abstrusas e também quem só as diga inúteis, em síntese, há de tudo.
Toda a gente pode falar, seja doutor ou engenheiro, ou não tenha sequer cumprido a escolaridade obrigatória. Seja rico, remediado ou pobre, para o caso, tanto faz. Está muito bem assim, pois a realidade é que, com enorme frequência, não é o nível sócio-económico que determina o acerto ou desacerto daquilo que por lá se diz, mas sim o bom senso, ou a falta dele, de quem fala e opina.
Com efeito, tanto há patacoadas ditas por pessoas economicamente favorecidas e bastante letradas, como as há proferidas por quem pouco tem e quase não foi à escola, sendo que, o oposto é igualmente verdade.
De uma coisa podemos estar certos, os fóruns radiofónicos são um excelente termómetro para medir a temperatura do país. Neles aparecem expressas as ansiedades das populações de um modo tão veemente e intenso, como jamais, ou muito raramente, aparecem nas televisões e nos jornais.
Digamos que na rádio, para o bem e para o mal, há menos filtros, e muita gente diz imediatamente que lhe vai pela alma, ainda que, por vezes, tal não faça lá grande sentido.
A rádio é por definição, um meio de comunicação íntimo e próximo, pois o seu principal veículo é a voz, essa que vem bem de dentro de nós e com a qual dizemos coisas com o coração ao pé da boca.
Na televisão também há vozes, mas lida-se fundamentalmente com imagens, sendo que, estas são sempre captadas sobre um certo ângulo, compostas sob uma luz e editadas de uma determinada forma, não havendo portanto uma grande espontaneidade.
Nos jornais, por outro lado, o essencial é a escrita, que por muito rudimentar que possa ser, exige sempre algum tipo de raciocínio, de construção e de pensamento. Ou seja, nem as imagens, nem as palavras escritas, possuem a intimidade, a urgência e a imediatez das palavras ditas, o mesmo é dizer, não há nenhum meio de comunicação que se aproxime tão imediatamente de nós, como a rádio, pois esta usa exclusivamente a voz.
Não raramente, os fóruns radiofónicos, e muito especialmente o da TSF, dedicam o seu tempo a falar sobre educação. Quem quiser saber o que pensa o povo sobre as escolas, os professores, o ministro da educação e o sistema educativo, é ir ouvir.
O povo, como é evidente, pensa muitas coisas diferentes, mas cá está, quando essas coisas são ditas sem filtros, de coração ao pé da boca e de viva voz, ganham uma intensidade e uma intimidade que não possuem quando são escritas ou ilustradas por imagens.
Nos fóruns as vozes fazem-se ouvir por si só, e mesmo que frequentemente o que dizem tenha pouco ou nenhum sentido, o som parece vir lá do fundo do peito de quem fala e tão-somente por isso, aparenta frequentemente ter uma profunda razão de ser.
Mas antes de prosseguirmos com os fóruns, façamos um desvio para recordarmos uma das melhores películas que alguma vez foi feita dedicada aos aparelhos radiofónicos, “Radio Days” de Woody Allen.
A ação decorre em Nova Iorque nos dias áureos da rádio, os anteriores ao aparecimento da televisão. Nessa Nova Iorque das décadas de 30 e 40 do século XX, o que não falta é multiculturalidade e imigrantes pela cidade, vindos de todos os lados do mundo. A narrativa da fita segue a vida quotidiana de uma típica família judaica norte-americana.
Joe é um moço que passa os dias a escutar a rádio, mais concretamente, os programas que relatam as aventuras dos seus heróis favoritos, como por exemplo, o Lone Ranger e o Masked Avenger.
Este último tem um poderoso anel mágico, cujas réplicas se vendem em todas as papelarias e mercearias de esquina, contudo, o seu custo é de 15 cêntimos, verba da qual Joe não dispõe.
Na cena que mais abaixo vos propomos ver, Joe está na escola e cada um dos alunos apresenta à professora e à turma algo que encontrou e achou curioso. Nisto, um dos miúdos, Ross, apresenta à turma um anel do Masked Avenger. Joe rói-se de inveja ao vê-lo.
Durante a tarde, a miudagem frequenta a escola hebraica, sendo que o professor organizou uma coleta de fundos para ajudar à construção de um estado judaico, lá para os lados da Palestina.
A rapaziada anda toda pelas ruas a pedir umas moedinhas para que Israel exista. Joe também participa do peditório, no entanto, ao invés de entregar o dinheiro doado, usa-o para adquirir um anel do Masked Avenger.
Infelizmente para Joe, tudo é descoberto, e assim sendo, o professor convoca uma reunião com os seus encarregados de educação. Na dita reunião, todos concluem que o rapaz passa demasiado tempo a ouvir rádio, e que isso é péssimo para a sua educação.
Consequentemente, professor, pai e mãe decidem educá-lo de acordo com a tradição e vai de lhe assentarem umas lamparinas, umas galhetas e umas bordoadas à vez. É ver, que tem uma certa graça:
Voltando aos fóruns radiofónicos nacionais, ouvimos no outro dia uma senhora a queixar-se amargamente que o seu educando não tinha vaga na escola por si pretendida, e que na lista de alunos admitidos desse estabelecimento de ensino, havia montes de Mohamed’s, Aziz’s e Raj’s. Deduzia daí a senhora, que para os “nossos filhos” não há nada, para os dos outros, para “os que vem de fora” e nos invadem, há de tudo.
Como quem nos lê calculará, nem vamos perder tempo a comentar tais considerações. Ainda a propósito de Woody Allen, um nativo de Nova Iorque, vamos só lembrar que aquilo que fez e faz de Nova Iorque uma das mais prósperas e fascinantes cidades do mundo é o chamado Melting Pot, ou seja, o caldeirão onde todas as culturas se misturam.
O Harlem é o lugar do Jazz, do Gospel e toda a vibrante cultura afro-americana. Em Little Italy nasceram grandes mitos como Frank Sinatra, Dean Martin ou Robert De Niro. Chinatown é um clássico e depois há ainda coisas como o Korean Way, o sensual Spanish Harlem, também conhecido como El Barrio, os judeus de Brooklyn, e claro, a zona de Hell's Kitchen, secular bastião dos irlandeses.
Nova Iorque sem a sua diversidade, seria apenas uma tranquila e pacata cidade de província, muito sossegada e com vagas nas escolas para todas as crianças brancas da vizinhança.
Voltemos à rádio. Em 1938 Orson Welles realizou aquela que talvez seja a mais célebre emissão de sempre. Nela o ator leu em direto passagens do romance de H.G. Wells, “A Guerra dos Mundos”.
A narrativa desse livro conta-nos uma história, na qual a Terra é invadida por marcianos. O que aconteceu quando Orson Welles a leu, foi que o pânico se espalhou rapidamente por todo o país, havendo desacatos, quem tentasse fugir e deixasse tudo para trás e muitas mais trapalhadas.
Uma vez esclarecida a situação, todos se acalmaram e foram muitos os que se sentiram ridículos por acreditarem piamente que a Terra estava a ser invadida. Daqui se conclui, que há sempre quem esteja disposto a crer em invasões, mesmo que estas não passem de meras ficções.
Regressemos a Woody Allen e ao filme “Radio Days”. Numa das cenas, a tia solteirona de Joe, Bea, é levada a passear à cidade costeira de Coney Island, por um tal Mr. Manulis, um pretendente.
Tudo parece correr pelo melhor, vão patinar e depois jantar. A seguir a isso, regressam de automóvel, mas a gasolina acaba-se no percurso e o carro imobiliza-se, fazendo-o precisamente no meio de um descampado. Ainda para mais, a noite era de nevoeiro.
Apesar de ser o seu primeiro encontro, Mr. Manulis decide avançar romanticamente sobre Bea. Ela não o rejeita, contudo, nesse momento começa a ouvir-se no rádio do carro a transmissão de “A Guerra dos Mundos”.
Mr. Manulis entra imediatamente em pânico com a invasão interplanetária e desata a correr espavorido estrada afora, deixando a tia de Joe, Bea, abandonada na noite e na névoa.
Uns dias depois, Mr. Manulis ainda ligou na esperança de um segundo encontro, mas Bea recusou rotundamente. Foi bem feito, assim quando Mr. Manulis ouvir novamente falar de uma invasão, vai-se lembrar dessa lição.
E pronto, por aqui terminamos esta nossa viagem pelos dias da rádio, só para findarmos, uma última paragem. Esta no filme “A menina da rádio”, um filme português de 1944. No excerto abaixo, Maria Eugénia interpreta uma canção em que se faz a apologia dos bonitos bairros de então, modestos mas risonhos, e onde toda a vizinhança vivia rindo e cantando em perfeita harmonia.
Como era lindo o mundo de antigamente:
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