Capítulo XI- Como andar tristonho e mal-disposto em agosto… com viagens de férias para o estrangeiro
Neste nosso décimo primeiro capitulo da nossa série de verão “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto”, vamos falar-vos de uma atividade muito própria desta época do ano, a saber, de viagens para o estrangeiro.
Quando viajamos para fora, poderíamos fazê-lo optando por um meio de transporte individual, tipo um jacto privado, mas como somos eco-sustentáveis, preferimos antes ir de transporte público, ou seja, num avião comercial, tipo os da TAP, da KLM, da British Airways ou até mesmo da EasyJet ou da Ryanair, tudo a bem do ambiente.
Há muito quem sonhe com viagens de avião para fora e, das duas uma, ou sonham com apanhar sol em destinos exóticos com praias paradisíacas, com palmeiras tropicais à beira-mar e tudo, ou então sonham antes em visitar cidades com muita história e cultura, e em percorrer os seus palácios, museus e demais monumentos. Genericamente, são estas as duas hipóteses mais em voga.
Dantes, viajar de avião para longe era algo que só estava ao alcance de uns quantos. Agora, mesmo não estando ao alcance de todos, ir pelos ares é algo que é possível para muitos mais do que o era noutros tempos. Assim sendo, são bastantes os que concretizam os seus sonhos de verão indo a um país longínquo.
Abaixo uma foto da classe económica de um voo comercial da Pan Am em 1960.
Uma viagem de avião em princípio seria uma coisa alegre e divertida, e nesse sentido, contradiria o nosso pressuposto para esta nossa série de verão, cuja intenção está claramente anunciada no seu título, a saber, “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto”.
Dadas as circunstâncias, para sermos coerentes com as nossas intenções, aquilo a que aqui nos vamos referir para começar a aquecer os motores, é o quão chato e inconveniente é hoje em dia viajar de avião.
Nesse sentido, comecemos a nossa diatribe por coisas práticas, mais tarde logo iremos às de cariz filosófico. Logo para início de conversa, atualmente, na maior parte dos casos, compramos o bilhete de avião pela internet, sendo que isso, aqui há uns anos, facilitava-nos a vida, pois era rápido e prático, só que agora, transformou-se numa coisa bastante demorada e altamente irritante.
Uma vez escolhido o destino e a data da viagem, a partir daí temos um calvário pela frente. Ao marcarmos os bilhetes on-line, as companhias aproveitam para tentar vender-nos de tudo, desde a escolha do lugar, se é para irmos à janela, logo à frente ou lá para trás, se queremos comprar um espaço maior para esticar as pernas, se porventura pretendemos ter prioridade e sermos os primeiros a entrar no avião, se desejamos levar uma mala extra, adquirir um seguro de viagem, marcar um hotel, ter um transfer à espera no aeroporto, alugar um carro e sabe-se lá que outras coisas mais. Enfim, uma chatice.
Só quando respondemos a todas essas inúmeras sugestões de compras, é que então se procede finalmente o pagamento da viagem, sendo que, nesse momento já estamos verdadeiramente irritados com tantas questões. Ainda assim, caso se pague com cartão bancário, seja de crédito ou de débito, vamos ter de introduzir uns quantos códigos e responder a umas mensagens de telemóvel para confirmarmos que somos mesmo nós que estamos a efetuar a compra da viagem e não um hacker qualquer.
Em síntese, quando por fim conseguimos solucionar o imenso puzzle que é agora adquirir um bilhete de avião, estamos mesmo estafados e maçados, prontos para termos férias.
Quando a data de partida se aproxima, compete-nos também a nós realizar on-line o check-in, pois se por acaso o realizarmos no aeroporto, vão-nos cobrar umas boas dezenas de euros só por o fazerem e arriscamo-nos a que voo esteja em overbooking e só haver lugar no próximo.
Mas lá por termos previamente feito o check-in em casa, isso não significa, que uma vez chegados ao aeroporto, não tenhamos de estar numa fila para entregarmos a bagagem, isto a não ser que queiramos ser prioritários na feitura dessa entrega, só que nesse caso, lá teremos de despender mais uns quantos euros.
Dentro do avião, não vale a pena ter qualquer esperança de que, como acontecia em tempos não muitos distantes, nos forneçam um jornal ou uma revista para ler, ou sequer qualquer coisa que se petisque.
Nas companhias de aviação mais finas haverá uma sanduíche mal amanhada, umas batatas fritas de pacote e uns snacks, mas claro que tudo isto é pago como acepipes de luxo. Noutros casos, nas companhias menos finais, nem isso há. O mais que há, é estarem constantemente a anunciar no altifalante que têm à venda after-shaves e perfumes das melhores marcas internacionais a um preço muito acessível, tipo duty-free.
O que é certo, é que nos tempos que correm, podemos contar com atrasos. Por isto ou por aquilo, chegar-se ao destino uma ou duas horas depois do previsto quando não mais, tornou-se o novo normal em viagens de avião. Já toda a gente conta com isso e ninguém está à espera que seja de outra maneira.
Ser pontual e estar duas horas antes do voo no aeroporto, é regra que só se aplica aos passageiros, o avião, esse, chega quando chegar, e quem estiver com pressa que vá andando, que nenhuma companhia de aviação quer saber disso para nada.
Mas eis que mais tarde ou mais cedo, provavelmente mais tarde, o voo se concretiza. Chega-se então por fim ao desejado destino. Aqui chegados, vamos então primeiro tratar dos destinos tipo exóticos e com as praias paradisíacas, posteriormente, logo falaremos das cidades históricas e culturais, esse segundo tipo de destino fica para depois.
Se porventura o destino for uma paragem exótica com praia a acompanhar, a viagem é de sucesso garantido. Fica-se uns quantos dias encerrado num resort e desde que o tempo esteja de feição, há areias douradas, mares de quentes águas, comida à farta no buffet do hotel e bebidas “all inclueded” no bar com vista para a piscina. Para complementar, há música ao vivo para animar o serão e muitas outras atividades lúdicas para crianças e graúdos.
Abaixo uma imagem do célebre fotógrafo britânico Martin Parr, muito conhecido pelos seus projetos fotográficos em que apresenta a sua visão satírica e antropológica da malta inglesa a gozar férias em estâncias balneares de eleição.
Mas como é evidente, num destino exótico e paradisíaco, não se quer ficar o tempo todo fechado no resort, razão pela qual há sempre um dia com uma excursão organizada para se conhecer alguns dos costumes e tradições locais.
Tais excursões são sempre muito agradáveis, pois descobre-se que os indígenas da terra possuem estranhos costumes, que são muito engraçados e diferentes dos nossos. Tal descoberta é de efeito positivo garantido, pois os excursionistas têm a sensação que estão numa autêntica aventura e, para mais, ficam com um assunto divertido para conversarem uns com os outros para todo o resto das férias e até pra quando regressarem ao seu lar relatarem à família, a amigos, a conhecidos e a colegas de trabalho. Como se constata, com uma mera excursão de umas horas ficaram com tema de conversa para quase todo o sempre. Valeu a pena o investimento.
Nessas idas à localidade típica mais próxima do resort, fica-se sempre com a confortável sensação de que os locais são um tanto ou quanto atrasados, que vivem pior do que nós, e também por isso, já a viagem terá válido a pena. Sai-se dessas excursões com um agradável sentimento de superioridade relativamente aos exóticos seres que vimos, e consolados por sermos gente tão desenvolvida e evoluída.
Por fim, há também belos souvenirs para adquirir, feitos à mão por artesãos da região, e a um preço muito em conta. São bugigangas que ficam sempre bem numa qualquer estante do móvel da sala de estar e que lhe dão um ar giro, diferente e distinto, em resumo, um ar de aventura, um certo “je ne sais quoi” wild e selvagem, e para além disso, que já não é pouco, são igualmente uma eterna recordação daquelas férias sob o sol tropical num destino exótico.
Abaixo mais uma foto de Martin Parr.
Contudo, há quem não deseje apenas conhecer as tradições e costumes locais de um modo superficial, mas que queira também experimentar intimamente a sensualidade própria dos destinos paradisíacos com quentes climas.
É essa a narrativa de um filme de Ulrich Seidl de 2012, que se intitula “Paraíso: Amor”. Nas praias do Quénia, chamam-lhe as "sugar mamas", ou seja, mulheres europeias já de uma certa idade, graças às quais, em troca de um pouco de íntima sensualidade, a rapaziada queniana consegue viver um pouco mais desafogadamente.
Teresa, uma austríaca quinquagenária, passa as suas férias num desses paraísos exóticos e, feitas as contas, apesar de um ou outro percalço, não se pode dizer que não se tenha divertido. O filme de Ulrich Seidl traça o retrato dessa mulher, Teresa,, que como outras que ela encontra no resort no Quénia, vão de férias movidas por uma vontade visceral de felicidade. Let’s look at the trailer:
Façamos um resumo do que até este momento dissemos, viajar de avião é um castigo, desde comprar os bilhetes até aos atrasos, tudo nos indispõe e entristece. Viajar para destinos exóticos e com praias paradisíacas, no fundo mais não é do que estar quinze dias encerrado numa estância a comer, a beber e banhar-se, fazer uma excursão à localidade mais próxima e adquirir uns quantos souvenirs para se colocar na estante ou então, umas quantas lembranças mais pessoais de encontros quentes e sensuais, alegremente proporcionados pelos indígenas em troca de alguns simples presentes ou de uma modesta verba monetária.
Dito assim, cremos que está cumprido o objetivo que anunciámos no título deste texto, ou seja, “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto…com viagens de férias para o estrangeiro”, pois pela síntese que realizámos, parece-nos que ninguém fica verdadeiramente feliz e satisfeito com tais práticas estivais, quando muito fica-se consolado por se ter uma ilusão de felicidade. Para concluirmos este ponto, aqui fica uma outra foto de Martin Parr.
Por nós os destinos exóticos com praias paradisíacas estão despachados, vamos agora então à segunda parte, ou seja, aos destinos de sonho para conhecer cidades históricas e plenas de cultura.
Tínhamos antes dito que se porventura o destino for uma paragem exótica com praia a acompanhar, a viagem é de sucesso garantido. Muito embora, como já vimos, este sucesso seja ilusório, se o destino for histórico-cultural, passa-se exatamente o contrário. Neste caso, a sensação de que a viagem foi um fracasso, é quase certa.
Thomas Struth é um dos mais prestigiados fotógrafos da atualidade, sendo grande parte da sua obra retratos de pessoas em visitas a museus. As suas imagens não pretendem denunciar nada, nem ser críticas sejam com o que for. São na verdade imagens quase filosóficas, cheias de melancolia pelo modo como no ocidente perdemos a capacidade de nos relacionarmos com a arte, com o belo e com o sublime.
Na verdade, no ocidente, perdeu-se a noção de espiritualidade, sendo esta substituída pelo consumismo como forma vida. Neste contexto, visitar museus, palácios e monumentos nada tem a ver com história e cultura, tem simplesmente a ver com consumo.
Por alguma razão, há agora milhões que pensam dever visitar museus, igrejas e palácios, a nossa pergunta é, para quê? Para quê darem-se a essa maçada?
O caso mais paradigmático e conhecido é o da Mona Lisa. Diariamente são milhares os que a vão ver, amontoam-se todos uns em cima dos outros, tiram uma foto ou uma selfie e vão-se embora. É uma experiência equivalente a ir a uma superfície comercial por alturas do Natal.
Mas não terão as gentes nada de mais interessante para fazer? É um bocadinho triste viajar-se milhares de quilómetros, dar-se a uma grande trabalheira, para depois se ficar mal-disposto por haver uma multidão à frente da Mona Lisa e o mais que se consegue fazer é tirar uma fotografia tremida e mal enquadrada.
Mas se tudo isto se passasse só com a Mona Lisa, seria menos mau, contudo, mesmo em que em menor escala, passa-se igual por todo o lado. Abaixo uma imagem de Thomas Struth no Museu do Vaticano, a sede espiritual do ocidente.
O que é verdadeiramente triste, é que genericamente, a única reação que conseguimos ter perante uma obra de arte é fotografá-la. Poucos sabem o que foram fazer a um museu, mas já que gastaram dinheiro e perderam tempo, alguma coisa há que fazer, assim sendo, o melhor é tirar-se uma foto e pronto, missão cumprida, está a viagem justificada.
Na verdade, nas imagens fotográficas de Thomas Struth, até mesmo quando não há multidões, fica-nos a sensação de que as pessoas não sabem muito bem o que estão a fazer nos museus. Parecem perdidas a olhar para obras de arte e movidas por uma qualquer espécie de obrigação, é como se obedecessem a um qualquer dever, cuja razão de ser desconhecem.
Mas nós sabemos bem a que dever obedecem, ao da sociedade de consumo.
O que se passa nos museus, passa-se igualmente nos monumentos históricos, entra-se, vê-se, diz-se que sim senhor, que está tudo muito bem, que é espetacular, que agora já não se faz nada disto, que dantes é que era, tira-se uma foto e toca de ir embora.
Com sorte, à saída do museu ou monumento há uma loja com merchandising, e aí toda a gente recupera imediatamente e sabe logo o que está ali a fazer, a consumir. Com efeito, nas lojas de merchandising parece que as pessoas ganham outro vigor, pois sabem exatamente o que vieram ali fazer, a saber, comprar uma borracha, um lápis, uma caneca ou uma t-shirt.
E pronto, com isto cremos ter destruído qualquer ilusão que alguém tenha relativamente a viagens de avião para destinos exóticos, praias paradisíacas e destinos histórico-culturais. Bem sabemos que ninguém vai ligar nenhuma às nossas filosóficas reflexões, mas não faz mal, pois não tínhamos qualquer ilusão que alguém nos levasse a sério.
E pronto, em breve neste blog, num outro dia, seguir-se-á o décimo segundo capítulo desta série de verão, “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto…”
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