Depois de termos andado uns tempos nesta nossa série de verão tristes e mal-dispostos com muitas e variadas coisas, voltamos hoje, neste décimo sexto capítulo, à nossa vertente radiofónica, ou seja, vamos ficar macambúzios só com canções, mais especificamente, com umas quantas da Bossa Nova e outras tantas da MPB (Música Popular Brasileira).
Não vamos escolher as canções mais célebres, como é evidente, pois aquilo de que nós gostamos, é de escrever acerca daquilo que não está no centro das atenções. Neste caso, é mais difícil, uma vez que muitas das canções da Bossa-Nova e da MBP são bastante conhecidas. Ainda assim há graus, e por consequência, escolhemos cinco músicas que não são hiper-mega famosas .
Para além disso, só as queremos melancólicas, às canções, bem-entendido. Se o Brasil é uma terra associada à alegria, ao samba, ao Carnaval e à praia, para nós, vai ser tão-somente um sítio de melancolia, um lugar por onde se andar tristonho e mal-disposto. Como dizia o outro, o Jobim, tristeza não tem fim, felicidade sim.
Todo o nosso texto de hoje, assenta naquela constatação que por vezes todos fazemos, “a gente era feliz e não sabia”.
Uma das mais melancólicas coisas que existe, é olharmos para o presente, contemplarmos o futuro, e de repente percebermos que o melhor já lá vai. A canção 'Carta Ao Tom 74' foi composta por Chico Buarque em 1974 e dirigia-se a Jobim. Trata-se de uma melódica e melancólica reflexão sobre o tempo que passou, esse que ficou lá atrás, em que tudo era mais simples e em que “mesmo a tristeza da gente era mais bela”.
Em determinado momento, refere-se na canção “Carta ao Tom 74”, uma outra melodia, o hino universal da Bossa-Nova, “Garota de Ipanema”, composta doze anos antes, ou seja, em 1962.
Diz-se então assim, numa passagem toda ela envolta em profunda nostalgia: “Nossa famosa garota nem sabia, a que ponto a cidade turvaria, esse Rio de amor que se perdeu”.
A canção fala também das transformações urbanísticas ocorridas no Rio de Janeiro nessa época, e é uma sentida crítica à construção imobiliária desenfreada, que desconsiderando completamente o valor sentimental e histórico associado aos lugares, os muda para sempre.
A música inicia-se com uma morada, Rua Nascimento Silva - 107, local onde se situava a casa do jovem Jobim e onde ele, acompanhado de muitos outros que aí o visitavam, inventou a Bossa-Nova: “Lembra que tempo feliz, ai que saudade, Ipanema era só felicidade…”
Quem também conta e canta o que já lá vai, é Maria Bethânia em “Anos Dourados”. A letra desta canção foi igualmente escrita por Chico Buarque. Aqui a reflexão é sobre um amor que há muito passou. Todavia, o que se verifica, é que passou e não passou, pois as lembranças persistem vivas, mesmo que não se adivinhe um futuro, e de vez em quando haja chatices por causa disso.
A dado momento da canção, brinca-se mesmo com a situação, pois a protagonista da história, decide ligar para o seu antigo amor e deixar-lhe mensagens no gravador, considerando até, que teria uma certa graça, se ele porventura já tivesse uma outra moça que as escutasse: “Te ligo afobada e deixo confissões no gravador, vai ser engraçado se tens um novo amor”.
A canção inicia-se com a protagonista a recordar momentos felizes retratados numa fotografia, um tempo de felicidade plena, os tais 'Anos Dourados'. Toda a melodia é em tom de bolero e no fundo, o que fundamentalmente nos diz, é que “é desconcertante rever um grande amor”.
Para além disso, tem um verso de alta poesia, que destila melancolia por todos os lados: “Meus olhos molhados, insanos Dezembros”.
Isto das separações tem muito que se lhe diga. Nesse sentido, há uma outra canção escrita por Chico Buarque, “Eu te amo”, que neste caso também a interpreta, em que ele nos diz como é que se sente. Quando tudo começou a correr mal, ela , a moça de que se fala na canção, debandou para um destino incerto, sendo que o Chico ficou em casa a vê-la ir.
Foi surpreendido, pois o Chico estava tão seguro que a coisa ia correr bem, que logo de início, após ter tomado conhecimento com a rapariga, pôs imediatamente tudo o resto de lado. É ele próprio quem o diz: “Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios”.
No entanto, as suas previsões falharam, e ele ficou um tanto ou quanto atrapalhado, pois não estava nada à espera de ser abandonado. Em síntese, ficou a ver navios e parece nem acreditar, e nem sequer saber como reagir: “Não, acho que estás te fazendo de tonta. Te dei meus olhos pra tomares conta, agora conta como hei de partir”.
A dado momento da canção, ele diz “teus seios ainda estão nas minhas mãos”. Nós desconfiamos cá que não, que na verdade, só o estarão, os seios dela nas mãos dele, a título metafórico, o que a bem dizer não é bem a mesma coisa, que estarem de forma literal.
Do que não há dúvida, é de que Chico não tem dúvidas, a culpa do caldo se ter entornado é dela, e é por tal razão, que ele agora anda melancólico, tristonho e mal-disposto. É precisamente isso, a culpabilidade da moça, que ele nos sugere num verso que começa assim: “Se entornaste a nossa sorte pelo chão….”
Em qualquer dos casos, a canção, tirando a parte dos seios nas mãos dele, tanto pode ser protagonizada no feminino, no masculino ou no mais que existir. Ouçamo-la num dueto, Chico Buarque e Telma Costa. Ao piano, Tom Jobim.
Um pormenor, há na canção uma rima genial e altamente improvável que junta pernas e eternas: “Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas…”
Vamos lá então para uma quarta canção, “Onde anda você”, esta é de Vinicius de Moraes. Mais uma vez, o que se trata é de um amor perdido. Neste caso temos um homem que se adivinha já maduro, que sai para a noite para beber uns copos e nisto, vem-lhe à memória uma rapariga de outros tempos.
Não temos a menor indicação sobre o que se terá passado para os dois, ele e ela, se terem afastado. Adivinhamos que já tudo se passou pelo menos há algum tempo, quando não mesmo há muito, mas isto é como tudo na vida, assim do nada, por vezes assaltam-nos lembranças do antigamente e não há nada a fazer, que não seja andarmos tristonhos e mal-dispostos, mesmo que só por uma noite.
Apesar do herói da melodia ir beber uns copos para espairecer, o facto é que nem isso resulta, e é precisamente isso que ele nos diz: “Hoje eu saio na noite vazia numa boémia sem razão de ser, da rotina dos bares, que apesar dos pesares, me trazem você.”
Terminamos com “Outra vez” de Nara Leão. Não escolhemos acabar com esta canção de Nara por acaso, mas sim porque queríamos ter um “happy end”. É certo que o nosso mote “É como andar tristonho e mal-disposto em agosto”, contudo, esta cantiga em que se canta uma ausência e ao mesmo tempo se antecipa um regresso, faz-nos pensar em setembro, quando a tristeza e a má-disposição de agosto se desvanece imediatamente.
Em “Outra vez”, ao contrário do que sucedia nas anteriores canções por nós escolhidas, não se dá tudo por perdido, muito pelo contrário. Claro que o presente é de melancolia, “Todo mundo me pergunta porque ando triste assim, ninguém sabe o que é que eu sinto com você longe de mim”, todavia, há um horizonte de futuro, mesmo que a protagonista ande por aí a dizer mal de tudo, ela só o faz enquanto o seu amado não retorna: “Outra vez vou vagar por aí, pra esquecer. Outra vez vou falar mal do mundo, até você voltar”.
E pronto, em breve neste blog, num outro dia, seguir-se-á o décimo sétimo capítulo desta série de verão, “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto”.
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