Há coisas às
quais injustamente ninguém liga nenhuma, como por exemplo, às paragens de
autocarro. Claro que quem quer apanhar um autocarro, quer também saber onde
fica a paragem, mas para além disso, nada mais lhe interessa a dita, é quase
como se não existisse.
A nós
faz-nos pena que não se dê a devida atenção às paragens de autocarro, que se
fique ali ao lado ou dentro delas enquanto se espera, mas que nem se repare, se
elas são ou não belas, se têm um carácter exótico, se são sofisticadas e
elegantes ou se são simplesmente convenientes e úteis.
É realmente
uma lástima que ninguém repare nas paragens de autocarro, todavia, quem as
desenha, pelo menos nesta nossa amada pátria, também pouco faz para que elas
captem a atenção de quem passa ou nelas aguarda.
São todas
tão assépticas, tão normais e tão iguais umas às outras, que é fácil não lhes
ligarmos nenhuma e só nos servirmos delas e pronto, toca a andar que já se faz
tarde, vamos lá embora até à próxima.
Abaixo temos
a imagem de uma típica paragem de autocarro atual, igual a tantas outras que
podemos encontrar todos os dias em muitos e diversos lugares. Alguém sente
porventura algum arrebatamento ao nela deter o olhar?
Certamente
que não, pois a paragem é praticamente transparente, quase que nem se vê. Vê-se
sim, que tal paragem é um sítio apenas para se estar um bocado, não muito, ou
seja, é um ponto para se permanecer tão-somente enquanto se espera, para logo
que o autocarro chegue, seguirmos em frente e o abandonarmos.
As atuais
paragens de autocarro não são de molde a inspirar poetas nem a empolgar alguém
a compor músicas e canções. Nem sempre foi assim, por exemplo, em 1966 a banda
britânica The Hollies compôs um tema que viria a ser um grande sucesso, cujo
título era precisamente “Bus Stop”.
“Bus Stop”
refere-se a um tempo, em que nas paragens de autocarro nasciam amores que se
acreditava serem para sempre. Neste caso, tudo teve início numa paragem de
autocarro da chuvosa cidade de Manchester, quando num dia de verão, de repente
começou a pingar. Ela estava na paragem e vinha à fresquinha, já ele, como era
um rapaz previsto, trouxe de casa um guarda-chuva, que foi o suficiente para
arranjar forma de meter conversa.
No vídeo
abaixo podemos ver várias imagens de paragens de autocarro de Manchester e
ouvir a melodia dos The Hollies, que se inicia assim: Bus stop, wet day,
she's there, I say please share my umbrella”:
Deixemos a
velha Inglaterra dos anos 60, e pensemos em Portugal na mesma década e nas
seguintes. Pelas estradas da nação, não raro era encontrar-se o sinal abaixo,
que indicava uma paragem de autocarro, só que nos arredores das grandes cidades
e na província, todos se referiam a ela como a paragem da camioneta.
Compare-se a
antiga paragem da camioneta acima, com a imagem da moderna paragem de autocarro
que antes apresentámos, dir-se-ia que provêm de dois mundos distintos, que
pertencem as duas civilizações distantes.
Enquanto
diante da moderna paragem, não há quase ninguém que nela repare, de tão
asséptica que é, perante a antiga paragem da camioneta, não havia quem não a
notasse.
Frequentemente,
em frente a ela, junto a si ou ao seu lado, havia inclusivamente um café ou uma
tasca, onde as gentes paravam e se sentavam só para ficarem a ver quem partia,
quem chegava e quem só estava de passagem.
Quem dantes
ia para a paragem da camioneta, sabia que iria ter uma experiência metafísica.
Com efeito, ninguém esperava estar nessas antigas paragens só por uns minutos,
sabia-se de antemão que ali se estaria durante um longo período.
Calculava-se
que algum tempo depois, para lá daquele que assinalado no horário, um autocarro
aparecesse, sendo o exato tempo de espera, algo de absolutamente incalculável.
Tanto poderia passar um autocarro daí a uns minutos, como daí a umas horas,
como até sequer nem vir.
É
precisamente nesse sentido, que antigamente esperar pela camioneta era uma
experiência metafísica, ou seja, para os que nela pretendiam viajar era uma
questão de fé: será que vinha, será que não vinha? E caso viesse, era para quando?
Seria daqui a pouco ou só lá para o fim dos tempos, quando Deus puser um
término a este nosso mundo?
Apesar
do anúncio do autocarro na imagem acima, que durante um certo tempo circulou
pelas ruas de Londres, a fé (ou a falta dela) nas paragens de autocarro não é
exclusivamente religiosa, pois pode também ser de cariz geopolítico. Voltemos
aos tempos da já extinta U.R.S.S.
Nessa
época já longínqua, a então União Soviética não descurava as suas paragens de
autocarro. Elas eram tudo menos transparentes ou assépticas, e era impossível
que nelas não se reparasse. Era mesmo exactamente o oposto, as paragens de
autocarro eram concebidas, para que, quem quer que nelas tivesse de esperar, se
sentisse num sítio especial. Veja-se por exemplo a paragem abaixo, situada em Pitsunda,
na região de Gagra, na distante Abkhazia.
Na
extinta União Soviética, fé era coisa que não faltava. Não se acreditava numa
qualquer entidade divina, uma vez que os marxistas-leninistas eram ateístas,
contudo, havia uma fé imensa no triunfo do proletariado, na derrota do
capitalismo e que, num dia próximo, o mundo inteiro seria comunista, a
exploração do homem pelo homem terminaria, a propriedade privada seria abolida
e o futuro pertenceria à classe operária e trabalhadora.
Em
síntese, esperava-se pela chegada dos “Amanhãs que cantam”.
Como
todos saberão, quer na extinta União Soviética, quer nos restantes países
comunistas, a espera estava glorificada. Por tudo era preciso esperar, e não só
um pouco, mas frequentemente bastante tempo. Só para que se perceba a glória
que era esperar, ouçamos o hino da União Soviética e emocionemo-nos com a
grandiosidade que era aguardar pelos amanhãs que cantam.
Se
pelos amanhãs que cantam era grandioso esperar-se, pelo autocarro não o era
menos. Ao contrário das atuais paragens de autocarro, que são perfeitamente
assépticas e normais, as da U.R.S.S. faziam-se notar, mais do que isso, faziam
sonhar.
Como
veem pela imagem acima, numa paragem de autocarro da extinta União Soviética,
esperava-se à grande. Não só porque não era certo que o autocarro aparecesse,
mas também porque a espera estava arquitetonicamente enquadrada por uma
grandiosa paragem. Vejamos um outro exemplo.
Como
quem nos lê já terá reparado, as paragens de autocarro soviéticas eram um tanto
ou quanto criativas. Coisa que se percebe, pois que nessa sociedade, a
criatividade estava muito limitada e condicionada. Assim sendo, foi nas
paragens de autocarro que a liberdade de criação se exerceu. A esse propósito,
deixamos-vos o trailer do documentário “Soviet Bus Stops”, de 2022:
Aqui
chegados, sente-se uma certa nostalgia no ar, primeiro foram os amores da
década de sessenta de Manchester, de seguida foram as antigas paragens da
camioneta, depois os amanhãs que cantam da extinta União Soviética. Pensará
quem nos lê que no presente estaremos condenados a olhar saudosamente para o
passado, mas não.
Por
todo o lado, as paragens de autocarro renovam-se, reinventam-se e apontam para
o futuro. Destaquemos um caso em particular nos verdejantes campos dos altos
Alpes.
Ora
bem, mesmo quem nunca tenha estado numa paragem de autocarro lá pelos Alpes,
certamente que saberá que estes se situam em vários países, há pois os Alpes
franceses, os italianos e os alemães, mas os mais célebres e conhecidos são os
suíços e os austríacos, pois é onde se tiram as melhores fotografias.
Quem
já tem uma certa idade lembra-se de certeza de, em criança, ver na TV a Heidi.
A rapariga tinha um amigo chamado Pedro que era pastor. Pedro ia com as suas
cabras para os altos Alpes, que neste caso eram suíços. Por lá ficava longos
dias juntamente com os bichos, ou seja, com o seu gado caprino. Não se
aborreciam, nem ele, nem os animais. Olhavam para os verdejantes campos, para
os elevados cumes pintados de branco e assim passavam os tempos. Era uma coisa
chata e maçadora, mas como ele era pastor e as cabras se entretinham a comer
erva, o tempo lá ia passando.
Gente
que não é pastora, certamente que não achará grande piada a estar longo tempo a
olhar para os campos e para os cumes, mais a mais se não se estiver acompanhado
de umas cabras.
Imagine-se
agora que se está nos Alpes à espera do autocarro, sentado numa paragem. O
certo, certo, é que os horários são incertos. Há sinuosas curvas, encostas
imensas, por vezes as cabras e ovelhas saem das pastagens e vão para as
estradas, já para não falar de nevões e derrocadas. Em resumo, o chofer tenta
chegar a horas, mas nem sempre é possível. Nisto, quando há atrasos, que são
frequentes, os passageiros permanecem na paragem tendo como única paisagem os
verdejantes campos e os altos cumes pintados de branco, ou seja, a partir de
determinado instante já ninguém pode ver tanto verde e branco. Por essa razão,
nada melhor do que ter uma linda paragem de autocarro para onde olhar e ter com
que se entreter.
Como
os nossos leitores, mesmo os que não são pastores, já terão reconhecido, na
imagem acima já não estamos nos Alpes suíços, mas sim nos austríacos. Na
paragem de autocarro da imagem, os passageiros podem esperar alegremente pelo
dito e, caso a espera se torne longa, têm sempre a possibilidade de andar
escada acima, escada abaixo por um extenso período de tempo.
É uma proposta moderna e atual do arquiteto japonês, Sou Fugimoto. Mas, cá está, pelo meio dos Alpes, há outras paragens de autocarro, cujas propostas arquitetónicas primam pela extravagância, como por exemplo, esta:
E pronto, por aqui terminamos, que temos de ir apanhar o autocarro e já se faz tarde…
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