Avançar para o conteúdo principal

Queremos um outono simbólico



Uma vez passado agosto, e mesmo que oficialmente não estejamos ainda no outono, para nós, é como se já estivéssemos, pois nas praias há muito menos gente, levantou-se um vento fresco e regressou-se ao emprego. Assim sendo, e para os devidos efeitos, é efetivamente outono. Que oficialmente a dita estação só se inicie em 22 de setembro, é coisa que a nós não nos aquece nem nos arrefece.

Na verdade, é até com um certo lamento, que verificamos que as autoridades oficiais, e mais concretamente quem faz os calendários, não estejam atentas aos novos tempos, nem à necessidade de também elas terem os seus mitos e símbolos.

Desde sempre que o outono começa quando se dá o equinócio, contudo, o mundo mudou e, para acompanhar essa mudança, a nossa sugestão é que se altere a data do seu início, ou seja, que o verão termine no derradeiro dia de agosto, e que no primeiro dia de setembro seja imediatamente outono.

Está tudo óptimo que o equinócio se dê a 22 de setembro, acerca disso não há nada fazer, uma vez que não temos o poder de alterar o curso dos astros, todavia, podemos muito bem ser nós a decidir quando se inicia cada estação do ano. Quem é que hoje em dia liga a equinócios? Ninguém, pois claro! Já ao fim das férias, ao retorno ao trabalho e ao regresso às aulas estão todos atentos, como é evidente.

Dito isto, por qual razão há de o outono começar quando se dá equinócio? Não é obrigatório, poderia muito bem iniciar-se com o acabar das férias. Em resumo, chegava o dia 1 de setembro e pronto, é outono e acabou-se a conversa. Assim é que o início da estação poderia ser simbólico e ter os seus mitos, assim é que estava certo.



O outono ao longo dos séculos teve muitos e variados significados simbólicos e mitológicos, porém, hoje em dia, ao que realmente está associado é ao retorno ao trabalho, ao regresso às aulas e ao fim das férias. Por assim ser, 1 de setembro, insistimos, era o dia perfeito para o princípio da estação.
Talvez haja quem diga que não, pois que se fosse dessa forma, as estações do ano ficariam desequilibradas, umas maiores, outras menores. E qual era o problema, Fevereiro também não é menor que os restantes onze meses? E sendo-o, alguém se chateia com isso? Claro que não.

Em síntese, o nosso ponto é o de que se nos tempos que correm o outono está simbolicamente associado ao fim das férias, a data do seu início deveria ser o dia 1 de setembro, pois é precisamente nesse momento que a maior parte de nós abandona o lento ritmo do estio, se despede do verão e retoma a agitação do dia-a-dia.

Abaixo a imagem de uma obra de Jackson Pollack “Autumn Rhythm”.



Iniciando-se no entanto o outono a 22 de setembro, ninguém liga nenhuma ao seu começo, perdendo-se assim toda a relação simbólica com o fim das férias e com a volta à labuta diária.
Tal como está, o outono aparece-nos com sensivelmente três semanas de atraso, é como se o Ano Novo, ao invés de se iniciar a 1 de janeiro, só começasse lá para o dia vinte e dois desse mês, enfim, não faria sentido.
Nós não somos de festas, mas estamos cá desconfiados que às tantas, sendo o réveillon para lá de meados de janeiro, haveria muito quem chegasse ao Carnaval ainda a recuperar das pândegas, banquetes e festins da passagem de ano. Em síntese, não resultava.

Para que se entenda melhor a pertinência do que dizemos, façamos uma viagem pela história, com o objetivo de constatarmos que sempre houve mitos e símbolos associados ao início do outono, só agora é que não, temos apenas um mero equinócio.

Comecemos por uma história da antiga Grécia. Deméter era a deusa do trigo e dos demais cereais, por tal os Romanos a chamavam Ceres. Deméter teve uma filha com Zeus, Perséfone, que com o tempo cresceu e se fez bela.
Hades, o deus do submundo apaixonou-se perdidamente por ela. Um dia, quando a jovem Perséfone passeava despreocupadamente pelos prados verdejantes, abriu-se na terra uma fenda e Hades saiu das profundezas para a raptar, levando-a consigo para o seu reino, o dito submundo.


Deméter, a mãe, ouviu os gritos de aflição da filha e correu para a ajudar, mas nada conseguiu fazer. Desesperada, começou a percorrer a terra de lés-a-lés, em busca de Perséfone. Não a encontrando, decidiu então recusar-se a cumprir as suas funções, até que a filha lhe fosse devolvida. Por assim ser, o trigo e demais cereais mirraram e a terra foi ficando cada vez mais seca e estéril.

Tudo era devastação e abandono e Zeus, responsável pela ordem no mundo, vendo a calamidade causada pela greve de Deméter, ordenou a Hades que devolvesse Perséfone. A jovem, porém, instigada por Hades, comera já um bago de romã, sendo que, esse gesto de inocente aparência, era afinal um poderoso feitiço que a ligava para sempre ao submundo.

Dadas as circunstâncias, teve de se chegar a um acordo: Perséfone passaria metade do ano com a mãe e a outra metade com Hades, no submundo. Assim, quando Deméter tivesse a filha junto a si, estaria feliz e a natureza floresceria, seria então primavera e verão. No entanto, quando Perséfone tivesse de regressar para perto de Hades, Deméter mergulharia na tristeza e iniciar-se-ia o outono, vindo logo de seguida o duro inverno.

Abaixo a imagem de o primeiro dia de primavera, aquele em que Perséfone vem do fundo da terra e retorna para junto de sua mãe, Deméter, a deusa do trigo e dos demais cereais.



Contada esta história, todos perceberão a importância simbólica e mitológica do início do outono para as antigas civilizações helénica e romana. Se quiséssemos, poderíamos relatar-vos distintos mitos e símbolos doutras épocas e civilizações relativos ao outono, porém, cremos que o nosso ponto está feito.

O ponto é que só nós, gente deste tempo, é que não temos para o começo do outono mitos e símbolos, mas apenas um simples equinócio. A nosso ver está mal, razão pela qual, como já antes dissemos, o outono haveria de começar no dia 1 de setembro, pois nessa data, certamente que com histórias de fim de férias, do retorno ao trabalho e do regresso às aulas, já haveria modo de nascerem mitos e símbolos perfeitamente capazes de rivalizar com o de Hades e de Perséfone, para dar somente um exemplo.

Terminamos com um poema da norte-americana Louise Glück (1943-2023), que não por acaso, nos fala de Hades e de Perséfone. É um poema do nosso tempo, o que nos demonstra que é possível atualizar mitos e símbolos de antigamente.
No poema relata-se que em honra de Perséfone, Hades duplicou, no seu reino do submundo, a terra. Queria ele que ela, a pouco e pouco, se sentisse acolhida e confortável. Mas o que a poesia sobretudo nos diz, é que mesmo o senhor do submundo deseja amor. Mesmo ele, que vive no escuro e nas trevas, num local, onde como na natureza, nas estações frias tudo parece morto, almeja ser amado.

When Hades decided he loved this girl
he built for her a duplicate of earth,
everything the same, down to the meadow,
but with a bed added.

Everything the same, including sunlight,
because it would be hard on a young girl
to go so quickly from bright light to utter darkness

Gradually, he thought, he'd introduce the night,
first as the shadows of fluttering leaves.
Then moon, then stars. Then no moon, no stars.
Let Persephone get used to it slowly.
In the end, he thought, she'd find it comforting.

A replica of earth
except there was love here.
Doesn't everyone want love?

He waited many years,
building a world, watching
Persephone in the meadow.
Persephone, a smeller, a taster.
If you have one appetite, he thought,
you have them all.

Doesn't everyone want to feel in the night
the beloved body, compass, polestar,
to hear the quiet breathing that says
I am alive, that means also
you are alive, because you hear me,
you are here with me. And when one turns,
the other turns—

That's what he felt, the lord of darkness,
looking at the world he had
constructed for Persephone. It never crossed his mind
that there'd be no more smelling here,
certainly no more eating.

Guilt? Terror? The fear of love?
These things he couldn't imagine;
no lover ever imagines them.

He dreams, he wonders what to call this place.
First he thinks: The New Hell. Then: The Garden.
In the end, he decides to name it
Persephone's Girlhood.

A soft light rising above the level meadow,
behind the bed. He takes her in his arms.
He wants to say I love you, nothing can hurt you

but he thinks
this is a lie, so he says in the end
you're dead, nothing can hurt you
which seems to him
a more promising beginning, more true.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...