Amor Vincit Omnia é um tema recorrente da História da Arte e da literatura desde a antiguidade clássica até à atualidade, sendo que, esta é uma frase em latim que apareceu pela primeira vez na poesia bucólica e pastoril do poeta romano Virgílio (70 a.C.- 19 a.C.). A tradução para português da expressão Amor Vincit Omnia é “O amor tudo vence”.
Nunca como agora, houve tantos cheios de ódio. É só ir dar uma vista de olhos às redes sociais, ler os jornais ou assistir a uns quantos noticiários televisivos, para imediatamente se perceber que odiar é o que está a dar. O ódio está na moda.
A atual vaga de ódio não se manifesta apenas em guerras, guerrilhas e outros conflitos armados, até mesmo as coisas mais pequenas e simples parecem ser um terreno propício para quem se quer irar. Vejamos um exemplo recente.
Os meteorologistas dos Estados Unidos foram alvo de ameaças de morte devido aos furacões 'Helene' e 'Milton', acusaram-nos de estarem a provocar propositadamente tais fenómenos numa conspiração com o atual governo norte-americano e as suas agências secretas. “Sim, eles podem controlar o clima", afirmou raivosamente Marjorie Taylor Greene, uma congressista de extrema-direita.
Poder-se-ia pensar que tais parvoíces são ditas e repetidas apenas por uns quantos tontos, mas não, foram milhões os que nelas acreditaram e que cheios de rancor e fúria publicaram na internet mensagens como esta: “Os meteorologistas deveriam ser espancados, presos, baleados ou até enforcados".
Os portugueses com mais de quarenta e tal anos de idade, só podem contemplar com perplexidade tais reações de raiva e cólera, pois certamente ainda se recordam de quando em pequenos e jovens, viam na TV o boletim meteorológico apresentado pelo plácido e tranquilo Anthímio de Azevedo.
Como é que pode passar pela cabeça de alguém, que gente tão sossegada e maçadora como meteorologistas, cujas conversas se limitam a superfícies frontais, a humidades relativas, a baixas pressões e a anticiclones, se fosse envolver em maquiavélicas conspirações com governos e serviços secretos?
Aqui fica uma foto do saudoso Anthímio de Azevedo, que como é fácil de verificar, não tem o menor ar de ser um perigoso conspirador.
Atualmente podemos facilmente encontrar milhares de exemplos de ódios irracionais e completamente despropositados, mas do que nós hoje vos queremos falar é do contrário, ou seja, de amor. Para tal, não há melhor lugar para irmos do que a Bruxelas.
Não raras vezes se ouve dizer que Bruxelas nada faz. Há guerra no Médio-Oriente e na Ucrânia, imediatamente se diz que Bruxelas não faz o suficiente. A inflação dispara, espera-se que Bruxelas tome uma decisão e resolva a situação. A economia não cresce, é por causa da inação de Bruxelas. Há burocracia a mais e os subsídios não chegam, é porque Bruxelas está paralisada. Em síntese, Bruxelas é o bode expiatório para tudo e mais alguma coisa, sendo assim por muitos odiada.
Como é evidente, o ódio a Bruxelas advém do facto de ser nessa cidade que se situam grande parte das instituições da União Europeia. Todavia, e para além disso, há também quem odeie as couves que ostentam o nome da capital belga.
O ódio à couve-de-bruxelas dá até para vender t-shirts, pin’s, fatos de treino e outras coisas mais.
Ora muito bem, sendo Bruxelas uma cidade odiada por ser a sede da União Europeia e também por causa das suas couves, é por consequência o sítio ideal para se falar das mais diversas formas de amar.
Vem isto a propósito, de bem no centro da cidade de Bruxelas, no centro cultural Bozar, ter sido recentemente inaugurada uma exposição transdisciplinar que conjuga artes plásticas, cinema, literatura e música, cujo título é “Love is Louder”. Entre as muitas obras expostas, está esta abaixo da artista portuguesa Helena de Almeida:
A exposição centra-se em três das dimensões do amor: o amor romântico, o amor familiar e a amizade, e o amor num contexto social mais vasto. A exposição mostra como nos últimos cinquenta anos se transfigurou a imagem do casal tradicional e da família nuclear, como as amizades nos moldam e o que significa colocar o amor no centro e coração de uma sociedade.
A mostra “Love is Louder” não pretende ser tão-somente uma exposição artística, quer igualmente ser um manifesto politico, social e íntimo. Quer dizer gritando, que o amor é o antídoto certo para se combater o ódio que por aí anda à solta.
Os organizadores escolheram o período que vai desde 1967 até à atualidade como enquadramento temporal. O ano de 1967 não surge por acaso ou capricho, mas sim porque foi nessa data que se celebrou o chamado “Summer of Love”.
Tudo começou em Nova Iorque com uma passeata pela paz na qual participaram 300.000 pessoas. Depois esse movimento estendeu-se a outras cidades norte-americanas, e muito particularmente às da Califórnia. Escritores, estrelas de cinema, poetas, artistas e músicos juntaram-se à causa e de repente eram milhões a clamar por paz e amor.
Deixemos por uns instantes Bruxelas, para nos dirigirmos ao epicentro de “The Summer of Love”, a cidade californiana de São Francisco. Como se diz na canção de 1967: “For those who come to San Francisco / Be sure to wear some flowers in your hair / If you come to San Francisco / Summertime will be a love-in there”.
Voltemos então a Bruxelas. A mostra “Love is Louder” é de algum modo herdeira do movimento que nos anos 60 do século XX tentou colocar o amor bem no centro e no coração da sociedade.
Na imagem abaixo vemos uma obra de Evelyne Axell, “Le joli mois de mai”, de 1970. Nela faz-se referência aos acontecimentos do Maio de 68 em Paris, cidade em que então, tal como em São Francisco, todas as utopias pareciam ser realizáveis, e em que, ditos como “É proibido proibir” ou “Sê realista exige o impossível”, estavam pintados por todas as paredes e muros.
Passados uns tempos, tudo tinha terminado, e ficaram apenas as lembranças desse tempo feliz, em que tudo era só felicidade. Ninguém percebeu que caminho levou todo esse rio de amor que se perdeu, no entanto, uma coisa é certa, o centro e o coração da sociedade não foram a sua foz.
Em boa verdade, esse impulso utópico e amoroso esmoreceu quase completamente, sendo que, no centro e coração da sociedade não se instalou o amor, mas sim a competitividade e o consumo. Nas décadas seguintes à de sessenta, felicidade já não rimava com amor, mas sim com compras nos shoppings, com bons empregos, carros de boas marcas e cartões de crédito.
Se o amor de facto não vingou como o principal pilar das comunidades, poderia ainda assim ter vingado a um nível mais íntimo, ou seja, poderia crescer e ser o sustentáculo das relações familiares, românticas e de amizade.
Não é claro, que sequer isso tenha acontecido. Todas essas relações transformaram-se nas últimas décadas, e hoje em dia são de tal modo complicadas e complexas, que o que mais há é gente em terapias, em consultas psiquiátricas, a procurar coaching’s, aconselhamentos e a encher-se de comprimidos.
Nas mais recentes décadas homens e mulheres mudaram de papel e ninguém parece saber muito bem qual o rumo a seguir. Navega-se à vista, sem qualquer certeza e não se sabendo se o amor é ou não um farol que nos indique qual a rota e o caminho.
É isso mesmo que podemos pressentir numa das obras expostas na mostra “Love is Louder”.
Na imagem abaixo “Ship of Fools”, uma pintura de Apolonia Sokol de 2021.
A desorientação existente é tanta, que até mesmo muitos relacionamentos românticos parecem ser um tanto ou quanto desenxabidos. Desde sempre foi claro que era o amor que lhes servia de pilar, mas há agora imensas aplicações digitais e encontros organizados para se fazer match, que um relacionamento romântico a dois pode estar unicamente sustentado em qualquer coisa de tão superficial como por exemplo o facto de ambos os elementos do casal gostarem de lasanha ou de apanhar sol na praia.
Dir-se-ia que era uma utopia irrealizável colocar o amor no centro e coração da sociedade, mas seria expectável que esse fosse o principal pilar de um relacionamento romântico. Contudo, e pelos vistos, já não é assim. Hoje o mais importante é que as gentes sejam compatíveis, tenham interesses comuns, partilhem objetivos e sabe-se lá que mais.
Pense-se no caso clássico de Romeu e Julieta. Se porventura se tivessem conhecido ao dia de hoje, jamais se aproximariam um do outro, match era coisa que nunca fariam. Interesses comuns não tinham, antes pelo contrário, compatíveis não eram, e partilhar objetivos era coisa que nem sequer sabiam o que seria.
Mas outro tanto se pode dizer de outros famosos romances, como por exemplo o de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman no filme “Casablanca”. Também estes dois tinham interesses diversos, personalidades antagónicas e nada para partilhar. Mas mesmo assim sendo, quer Romeu e Julieta, quer Bogart e Bergman, tinham o amor bem no seu centro e coração.
Quando os relacionamentos românticos são fundados principalmente na compatibilidade, é certo que tarde ou cedo não vai dar certo. Mas não faz mal, o que não falta são terapeutas, psicólogos e psiquiatras e comprimidos para auxiliar.
Na exposição de Bruxelas “Love is Louder” há uma obra do duo Ornaghi & Prestinari, “Tango”, de 2023, que ironicamente nos fala de partilhas e de compatibilidades, é esta abaixo:
Por tudo o que já foi dito, e pelo muito mais que deixamos por dizer mas que todos sabemos, é quase inevitável que o ódio esteja atualmente a tomar conta do centro e do coração das gentes e das sociedades.
Sem amor é previsível que se vivam vidas vazias e que os dias se arrastem uns a seguir aos outros, razão pela qual o ódio entra agora por tanta gente adentro. Quando se vive frio e vazio, o ódio preenche e aquece. Odiando com fúria e cólera uma pessoa sente-se viva e quente, sente que é alguém e que tem uma razão de ser.
É tão fácil ir para as redes sociais e enchê-las de fel, sendo que também não é muito difícil participar em ajuntamentos para protestar contra isto e contra aquilo e, sobretudo, para gritarmos o nosso ódio contra aqueles que estão mais à mão de semear.
Em resumo, não havendo amor no coração nem ao centro, o que resta para afastar o frio e o vazio é odiar, nem que seja os coitados dos meteorologistas.
Terminamos com a magnífica Jane Russel que nos deixa a pergunta, “Ain't There Anyone Here For Love?”, aqui fica ela:
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