A imagem acima é de “Spiral Jetty”, uma obra criada pelo artista Robert Smithson em 1970 no Great Salt Lake no Utah. Nesta nossa sétima viagem pela América, vamos passear pelas suas paisagens. Não as urbanas, mas sim as naturais.
Mas ainda antes disso, refira-se que um dia, Alberto Caeiro, o poeta heterónimo de Fernando Pessoa, escreveu o seguinte: “Vi que não há Natureza, Que Natureza não existe, Que há montes, vales, planícies,
Que há árvores, flores, ervas, Que há rios e pedras, Mas que não há um todo a que isso pertença…”
Talvez não haja lugar no mundo onde vales, planícies, montes, árvores, pedras nos apareçam de um modo mais grandioso do que na América. Se há sítio em que quase se acredita que a natureza existe, esse sítio é certamente a América.
Terá sido por isso, que ao longo do século XIX, muitos foram os artistas norte-americanos que deixaram as cidades e se fizeram à estrada. Pelo caminho retrataram com as suas tintas e pincéis as imensas vistas e os vastos horizontes da América. Vamos falar-vos de três deles, os mais célebres.
O primeiro a partir pela América afora foi Thomas Cole (1801-1848). As paisagens que ele pintou não são exactamente como as vemos na tela. Os sítios existem, só que, Thomas Cole glorificou as vistas e expandiu os panoramas de modo a que tudo nos pareça sublime e esplendoroso.
De facto é bonito vermos os lagos, os vales, as rochas, as florestas e os céus num todo harmonioso, contudo, nós sabemos que essa harmonia nasceu do olhar e do labor realizado pelo artista, e não de uma qualquer intenção da “mãe-natureza” de produzir uma bela paisagem.
Albert Bierstadt (1830-1902) foi um outro pintor que percorreu e retratou os grandes espaços naturais norte-americanos. As suas monumentais pinturas são uma espécie de fusão entre a realidade e uma visão romântica e arrebatada da paisagem. A natureza que ele retratou era toda ela revestida de significados morais e espirituais, como se a América fosse uma espécie de terra prometida, um novo Éden.
O grande escritor Mark Twain, fazendo uso da fina ironia que o caracteriza e referindo-se à diferença entre as paisagens pintadas na tela e as que existem na realidade, disse assim: “algumas das montanhas do Senhor Bierstadt estão mergulhadas numa fina bruma perolada, que é tão encantadoramente bela, que deploro que o Criador não a tenha criado Ele mesmo.”
Frederic Edwin Church (1826-1900) tornou-se famoso por pintar paisagens colossais, nas quais frequentemente surgiam as cores de um arco-íris, como nesta mais abaixo, que representa as cataratas do Niagara.
Church pintou várias vistas das cataratas do Niagara, sendo que, o prestigiado historiador de arte norte-americano David C. Huntington, ao escrever há uns anos sobre essas obras, não conseguiu conter-se e explodiu num intenso êxtase místico, religioso, estético e patriótico.
Ao ler as suas palavras, quase podemos sentir essa explosão de sensações místicas, religiosas, estéticas e patrióticas. Aqui ficam na sua língua original, para que possamos sentir toda a dimensão da erupção e do arrebatamento experimentado por David C. Huntington ao contemplar as pinturas das cataratas do Niagara de Frederic Edwin Church: “Niagara is the substance of a great American metaphor; indeed, for its original viewers, a certain something more than a metaphor.... Nature and its Bible, the Science of Design, would unfold the transcendent truth of the universe to the New Chosen People in the New World.”
Como se percebe pelas obras de Thomas Cole, de Albert Bierstadt e de Frederic Edwin Church, a natureza na arte norte-americana não existe por si, mas sim como um símbolo da grandiosidade da nação. Vales, planícies, montes, árvores, lagos e rochas são símbolos de que a América era um novo Éden e de que os americanos são “The New Chosen People”, o povo escolhido.
Avancemos uns bons anos, para viajarmos até ao final do século XX, princípios do XXI. Vejamos como se relaciona agora a América com as suas grandiosas paisagens, através de três obras de arte contemporâneas.
Pode não parecer, mas a imagem abaixo foi fotografada do interior de um vulcão. O círculo que vemos é uma cratera.
James Turrell, que nasceu em 1943 em Los Angeles, comprou um vulcão extinto no deserto do Arizona e tem trabalhado nele ao longo de décadas, de modo a o transformar numa obra de arte total, na qual se pode observar a luz e a extensão do céu como em nenhum outro lugar do mundo, ou seja, bem do interior da Terra.
Como é evidente, um vídeo não nos pode transmitir qual a sensação de estarmos no ventre na terra, num deserto longínquo e olharmos para cima e vermos de que a matéria é feita a luz ou, sendo noite, o quão extenso nos aparece o universo. Ainda assim, o vídeo é uma forma de adivinharmos a experiência sublime que é penetrar na obra de James Turrell, aqui fica:
No deserto Mojave no Novo México, quatrocentos postes de aço sobressaem na paisagem desolada. Os postes, cada um medindo cinco centímetros de diâmetro, estão espaçados em intervalos de 67 metros, formando uma grande grade ilusória que se estende por quilómetros.
Trata-se de uma instalação artística, “The Lightning Field”, que foi criada por Walter De Maria em 1977. Os postes de aço atraem a electricidade dos relâmpagos e em noites de trovoada, o seu aspecto torna-se assombroso, como se pode ver na imagem abaixo.
A terceira e última obra de que vos queremos falar é da autoria de Nancy Holt e intitula-se “Sun Tunnels”. Aparentemente temos apenas quatro tubos cilíndricos feitos de cimento, como aqui se pode ver.
Estamos num remoto vale de um deserto do Utah, os tubos cilíndricos têm nome: Draco, Perseu, Columba e Capricórnio. Os seus nomes correspondem ao que à noite se pode ver através de cada um deles, a saber, as constelações de Draco, Perseu, Columba e Capricórnio. Para além disso, as quatro estruturas de cimento estão posicionadas milimetricamente para enquadrar o sol quando ele nasce e se põe durante os solstícios de verão e de inverno. Com “Sun Tunnels”, Nancy Holt trouxe-nos o cosmos para a Terra e para o reino da experiência humana.
E pronto por aqui findamos, mesmo sabendo nós como Alberto Caeiro que a natureza não existe, sabemos também que a existir seria na América, pelo menos é nisso que os artistas norte-americanos nos fazem acreditar desde os românticos do século XIX até aos contemporâneos.
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