Se
consultarmos a grelha de programação da RTP 2, vamos descobrir que desde manhã
cedo até à hora de jantar, o mais que há são programas dedicados ao público
infantil e juvenil, sendo que, aos fins de semana, há também longas emissões
dedicadas a competições desportivas a que ninguém liga, tipo basquetebol,
andebol, hóquei em patins e coisas dessas.
No nosso
entender, o público infantil e juvenil ou está todo nos jogos de computador ou
anda mais pelo Disney Chanel e coisas desse género. Por assim ser, estamos em
crer que não deve haver um único aparelho de televisão neste país, que durante
o período diurno esteja sintonizado na RTP 2.
Estamos
igualmente em crer, que a larguíssima maioria das pessoas não ligam patavina ao
basquetebol, ao andebol ou ao hóquei em patins, e que quem liga, o mais
provável é que seja praticante da modalidade ou familiar ou amigo, e que quando
há um jogo, esteja presente no pavilhão onde ele decorre e não a ver televisão.
Em síntese, se tivéssemos que adivinhar, diríamos que na maior parte das horas, a RTP 2 está a emitir para o vazio. Os desenhos animados que passam na RTP 2 podem ser muito didácticos e educativos e tudo isso, mas se ninguém os vê, servem para quê?
Será igualmente muito importante promover outras modalidades desportivas que
não apenas o futebol, mas certamente que isso não se fará com as emissões da
RTP 2 aos fins de semana, para as quais não há espectadores. Dito isto, qual é
a utilidade da RTP 2?
É à noitinha
que a resposta a essa pergunta é dada. Não é todas as noites que a RTP 2
acerta, mas nesta presente semana, a RTP 2 passou três excelentes
documentários, sendo que, qualquer um deles é uma resposta acertada e correta à
questão para que serve a RTP 2.
Para sermos
mais explícitos, a RTP 2 não serve para tentar divertir crianças e jovens com
desenhos animados didáticos que ninguém vê, não serve para promover modalidades
desportivas cujos potenciais interessados estão no pavilhão e não diante do
aparelho de TV, serve sim para nos fazer pensar, reflectir e alargar
horizontes, dando-nos a ver coisas belas e poéticas.
Três
exemplos desta semana, daquilo que a RTP 2 deveria fazer todos os dias do ano.
Na terça-feira, dia 14 de outubro às 22h53, passou o documentário “Hannah
Arendt: A Liberdade de Ser Livre”.
Na
quarta-feira dia 15 de outubro também às 22h53, viu-se um filme que nos conta a
vida e obra de um imenso arquiteto, “Aalto”.
Na
quinta-feira dia 16 de outubro às 22h56, a emissão foi dedicada à poesia: “A
Secreta Harmonia do Mundo: Fiama Hasse Pais Brandão”.
Comecemos
por Hannah Arendt e sobre o porquê de ver o documentário a si dedicado. Hannah
Arendt nasceu na Alemanha em 1906, era judia. Aos catorze anos já havia lido
toda a obra de Kant, o que não é coisa pouca.
Mais tarde
foi para a Universidade de Marburg para estudar filosofia, foi aí que conheceu
o homem da sua vida, nem mais nem menos que o mais importante filósofo do
século XX, Martin Heidegger, um seu professor.
Era uma
aluna brilhante e durante os tempos da universidade manteve uma escaldante
relação com Heidegger, que por acaso era casado. Posteriormente concluiu o
curso em Heidelberg com uma tese sobre o conceito de amor em Santo Agostinho.
Pareceria
que iria dedicar a sua vida à filosofia, todavia, os nazis tomaram o poder e
sendo ela judia teve de fugir para Paris. Depois passou por Lisboa donde seguiu
para a América, sítio onde viveria até ao fim dos seus dias. Faleceu em Nova
Iorque em 1975, com 69 anos de idade.
A história
de amor entre Hannah Arendt e Martin Heidegger ainda hoje alimenta notícias e
artigos de jornais, pois ela era judia e ele associou-se aos nazis. Trocaram
uma longuíssima correspondência que se prolongou por anos e anos. Mesmo que
tudo os separasse, ainda assim, mantiveram-se próximos durante a vida inteira,
muito embora só se tivessem visto uma única vez em décadas.
Todas as
cartas que trocaram ao longo de cinquenta anos estão editadas em variadíssimas
línguas, incluindo em português, vale a pena ler.
Num dia do
ano de 1960, Hannah Arendt viajou para Jerusalém, para aí acompanhar o julgamento
de um nazi, Eichmann, que tinha sido responsável pela morte de milhares de judeus num
campo de concentração. Os serviços secretos de Israel conseguiram encontrá-lo
na Argentina, onde há muitos anos vivia escondido, e com o brilhantismo
característico da Mossad, levou-o para a terra prometida, para aí ser julgado.
Foi nessa
ocasião, que Hannah Arendt pôde constatar que Eichmann não era nenhum génio nem
nenhum ser diabólico, era simplesmente alguém medíocre, incapaz do mínimo de
profundidade ou complexidade, ou seja, um ser absolutamente banal.
Tendo
verificado o quão vulgar era Eichmann, Arendt daí deduziu o conceito de “A Banalidade do Mal”. É só olharmos à
nossa volta, seja para os Estados Unidos da América, seja para Portugal, para
percebermos o quanto Hannah tinha razão.
Enquanto as
gentes banais, incapazes da menor profundidade ou complexidade, andam pelas
tascas, tabernas, prostíbulos ou redes sociais, não há grandes problemas,
contudo, quando essas mesmas gentes ocupam lugares de poder ou começam a ser
muitas, aí sim, é altura de nos começarmos a preocupar com as consequências da banalidade
do mal.
Passemos
agora ao segundo programa desta semana na RTP 2, “Aalto”. Alvar Aalto foi um
dos maiores arquitetos do século XX. Não falta quem diga, que foi mesmo o
maior, mas isso é discutível. Seja como for, o certo é que Aalto foi único.
O
arquiteto Aalto nasceu na Finlândia, país que, em princípio, pouco tem que ver,
a não ser o Pai Natal, lá para os lados da Lapónia. Mas mesmo tendo pouco para
ver, tem certamente os edifícios que desenhou Alvar Aalto, que concebeu os seus
interiores, como se fossem caminhos na floresta.
Não vale a pena falarmos muito sobre Aalto, o homem foi
um cómico, tinha problemas de bebida, era também um mulherengo, mas mesmo com
todos esses defeitos, para além do ser finlandês, realizou uma obra sem igual,
que ainda inspira gente por todo o mundo.
Nada tão silencioso como o tempo
no interior do corpo. Porque ele passa
com um rumor nas pedras que nos cobrem,
e pelo sonoro desalinho de algumas árvores
que são os nossos cabelos imaginários.
Até na íris dos olhos o tempo
faz estalar faíscas de luz breve.
Só no interior sem nome
do nosso corpo
ou esfera húmida de algum astro
ignoto, numa órbita apartada,
o tempo caladamente persegue
o sangue que se esvai
sem som.
Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que
ocultamos como a Terra.
Trilam os lábios nossos,
à semelhança
das musicais manhãs dos
pássaros.
Mesmo os ouvidos cantam
até à noite
ouvindo o amor de cada
dia.
A pele escorre pelo
corpo, com o seu correr
de água, e as lágrimas
da angústia
são estridentes quando
buscam o eco.
Mas nós sentimos dentro
do coração que somos
filhos dilectos do tempo
e que, se hoje amamos,
foi depois de termos
amado ontem.
O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do
ventre.
Guardado no silêncio
mais espesso,
o tempo faz e desfaz a
vida.
Afinal ainda não vamos embora, ficamos só mais um bocadinho para vos deixar o poema acima de Fiama, lido por Carmen Dolores. Vale a pena ouvir, é um programa da RTP Ensina, quem não quiser aprender, vá ver hóquei em patins, que é uma modalidade em que só com muita dificuldade é que se consegue ver a bola...
https://ensina.rtp.pt/artigo/poema-de-fiama-hasse-pais-brandao-nada-tao-silencioso-como-o-tempo/
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