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A anti-matéria: ciências, matemática, arte e poesia juntas

 


Porquê não começarmos pelo número pi que nunca acaba? Sim comecemos por esse número que, e ainda para mais, pode ser representado por uma letra, mas não uma qualquer, uma grega, π.

Só para termos uma ideia aproximada da infinitude do número pi ou, melhor dizendo, para percebermos que efetivamente é impossível termos uma ideia minimamente aproximada do número pi, aqui fica o dito: 3.14159265358979323846264338327950288419716939937510582097494459230781640628620899862803482534211706798214808651328230664709384460955058223172535940812848111745028410270193852110555964462294895493038196442881097566593344612847564823378678316527120190914564856692346034861045432664821339360726024914127372458700660631558817488152092096282925409171536436789259036001133053054882046652138414695194151160943305727036575959195309218611738193261179310511854807446237996274956735188575272489122793818301194912…

Na verdade, não é com algarismos que poderemos ter uma representação mais adequada do número pi, não é sequer com uma letra, mesmo que esta seja grega (π), é sim com poesia. Atentemos por exemplo neste poema abaixo de Wislawa Szymborska:

O admirável número pi:
três vírgula um quatro um.
Todos os dígitos seguintes são apenas o começo,
cinco nove dois porque ele nunca termina.
Não se pode capturá-lo seis cinco três cinco com um olhar,
oito nove com o cálculo,
sete nove ou com a imaginação,
nem mesmo três dois três oito comparando-o de brincadeira
quatro seis com qualquer outra coisa
dois seis quatro três deste mundo.
A cobra mais comprida do planeta estende-se por alguns metros e acaba.
Também são assim, embora mais longas, as serpentes das fábulas.
O cortejo de algarismos do número pi
alcança o final da página e não se detém.
Avança, percorre a mesa, o ar, marcha
sobre o muro, uma folha, um ninho de pássaro, nuvens, e chega ao céu,
até perder-se na insondável imensidão.
A cauda do cometa é minúscula como a de um rato!
Como é frágil um raio de estrela, que se curva em qualquer espaço!
E aqui dois três quinze trezentos dezenove
meu número de telefone o número da tua camisa
o ano mil novecentos e setenta e três sexto andar
o número de habitantes sessenta e cinco centavos
a medida da cintura dois dedos uma charada um código,
no qual voa e canta descuidado um sabiá!
Por favor, mantenham-se calmos, senhoras e senhores,
céus e terra passarão
mas não o número pi, nunca, jamais.
Ele continua com seu extraordinário cinco,
seu refinado oito,
seu nunca derradeiro sete,
empurrando, arf, sempre empurrando a preguiçosa
eternidade.

E é isto, a matemática, que é tão exacta, pode muito bem ser transformada em poesia, que há quem diga ser uma coisa vaga. No entanto, esses que o dizem, enganam-se, pois não há coisa mais exacta que a poesia.

Se porventura há uma ciência exacta, esta só se pode expressar num poema. É certo que há equações belas, como por exemplo a da imagem abaixo, a de Dirac, que de algum modo é a representação matemática da anti-matéria.


Digamos que a equação de Dirac é bela e que expressa o contrário da matéria, que na verdade ninguém sabe muito bem o que é. Para o senso comum, o conceito científico anti-matéria é quase impossível de ser vislumbrado, uma coisa que é e ao mesmo tempo não o é, como que desafia a imaginação humana.

Mas talvez num poema tudo se torne mais claro e consigamos perceber, que há no universo uns tantos estranhos fenómenos, que para nosso completo espanto, são o contrário daquilo que são. Outro poema de Wislawa Szymborska:

Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.

Não sendo a população do planeta Terra tão infinita como o é o número pi, ainda assim, é muito grande. Dantes, em séculos transactos, como aquele em que Dante viveu, diante dos poetas apresentava-se pela sua frente um mundo circunscrito. No caso de Dante, o que tinha perante si era a cidade de Florença, os seus habitantes e mais alguns personagens que conhecia da antiguidade clássica através dos livros que lia.

O inferno de Dante, aquele a que posteriormente chamámos dantesco, era povoado por diabos mas sobretudo por gente oriunda de Florença. Desde ricos comerciantes, até políticos, sacerdotes ou amantes, foram muitos os florentinos que Dante condenou às amarguras do sub-mundo para o resto da eternidade.

A “Divina Comédia” é constituída por três tomos, “O Inferno”, “O Purgatório” e “O Paraíso”, sendo que neste último, Dante também colocou num lugar mais alto uma florentina, a sua muito amada Beatriz.

Abaixo vemos o momento em que numa ponte de Florença, Dante encontra Beatriz, que está amuada, pois tinha ouvido boatos que o poeta andava metido com outras moças de Florença, ao que se diz era tudo calúnias.


No entanto, nos tempos que correm, o mundo a que temos acesso é muito mais vasto do que no tempo de Dante. Por consequência, também sabemos que há muitas mais e diversas gentes, do que apenas aquelas que vivem na nossa cidade.

A verdade é que os poetas de agora são obrigados a saber bastante mais de números, a serem mais interdisciplinares e a ter uma imaginação mais extensa, do que o eram no tempo em que Dante esperava por Beatriz junto às pontes de Florença.


Quatro bilhões de pessoas nesta terra,
e minha imaginação é como era.
Não se dá bem com grandes números.
Continua a comovê-la o singular.
Esvoaça no escuro como a luz da lanterna,
iluminando alguns rostos ao acaso,
enquanto o resto se perde nas trevas
na deslembrança, no desconsolo.
Mas nem Dante captaria mais.
Que dirá quando não se é.
Nem mesmo com a ajuda de todas as musas.

Para terminarmos, um último poema de Wislawa Szymborska, intitulado "Alguns gostam de poesia":

Alguns -
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam -
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xaile velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia -
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e agarro-me a isso
como a uma tábua de salvação.

Wislawa Szymborska, poeta polaca nascida em 1923 e falecida em 2012. Foi prémio Nobel da Literatura em 1996, tendo vivido a quase totalidade da sua vida na bela cidade de Cracóvia.

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