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Vimo-nos gregos…


A expressão “ver-se grego” significa estar em dificuldades ou ter de resolver algo de muito complexo ou complicado. A explicação para essa expressão tem origem na intricada língua helénica, pois o grego sempre foi considerado como sendo um idioma difícil. Se conhecerem o alfabeto grego, entendem o queremos dizer.

Na Idade Média, aqueles que faziam transcrições ou traduções do grego usavam muito este dito: “Graecum est, non legitur”, ou seja, «É grego, não se entende». É por essa razão que ainda hoje dizemos: “Isto para mim é grego”.

Mas dito isto, o facto é que a cultura grega antiga está presente na nossa língua, no nosso pensamento, na nossa arte e na nossa alma. Somos muito mais filhos da Grécia do que de qualquer outro país.

Atentemos por exemplo nalgumas expressões que usamos comumente e cuja origem é grega. Comecemos por uma das mais conhecidas, o amor platónico. Platão há 2400 anos definiu o amor como um caminho que nos conduz à beleza e aos mais altos ideais humanos. No fundo, em Platão, o amor é o instrumento que nos leva ao pleno conhecimento.

Segundo Platão é o amor o motor que nos eleva a alma e a move para que esta faça o percurso em direção à sabedoria. Porém, com o passar dos séculos, a definição platónica de amor acabou por simplificar-se, perdeu o seu sentido original, e a partir de certa data passou a designar uma relação romântica que acontece apenas ao nível da mente, ou seja, das ideias.

Abaixo uma imagem, em que vemos Platão ao centro, entre um casal, a deliciar-se com um pacote de pipocas.

Ao que se sabe, a definição de amor tal como Platão a entendeu, surgiu no ano de 416 a.C. num simpósio. Já agora, e para quem eventualmente não saiba, simpósio é uma palavra de origem grega.
Simpósio era uma festa onde se bebia (o verbo grego sympotein significa "beber em conjunto"), geralmente realizada após um banquete, e durante a qual os convivas trocavam umas quantas ideias, havendo também música e dança para alegrar o ambiente.


No já referido simpósio realizado no ano de 416 a.C., entre demais convivas, estavam presentes Sócrates e Platão, e também o dramaturgo Aristófanes.


"A antiga natureza humana não era a mesma de agora", declarou Aristófanes, que prosseguiu afirmando que o homem primitivo tinha "o dorso redondo e os flancos em círculo. Possuía quatro mãos, quatro pés e uma cabeça com dois rostos, que olhavam em direções opostas. Alguns eram totalmente mulher, outros totalmente homem e alguns, metade mulher e metade homem."


Aristófanes afirmou também que tinham uma força e um vigor extraordinários, além de um imenso orgulho, ao ponto de conspirarem contra os deuses.

Quando esta espécie desafiou os deuses, Zeus deu-se conta de que precisava de fazer algo para a tornar menos insolente.
Depois de muito pensar, ordenou a Apolo que os cortasse pela metade, dividindo-os para sempre. Por isso, cada ser humano tem desde esse instante duas pernas, dois braços, uma cabeça e tenta constantemente encontrar a sua outra metade perdida.

Quando Apolo colocou os seres humanos na posição vertical e lhes virou a cabeça para que pudessem ver a sua outra metade de frente, eles trocaram fortes abraços, tentando desesperadamente unir-se de novo, mas sem sucesso.

Zeus compadeceu-se, transferindo os seus órgãos genitais para a parte frontal. Assim, durante o abraço, homem e mulher encontrar-se-iam, e a espécie humana continuaria a existir.
Mas, se dois homens se encontrassem, haveria pelo menos a satisfação do seu contacto, descansariam, voltariam ao seu trabalho e preocupar-se-iam com as outras coisas da vida, isto segundo conta Aristófanes.

O dramaturgo grego explica até por que temos umbigo. Segundo o seu relato, depois de realizar o corte, Apolo juntou toda a pele solta e costurou-a no meio da barriga.
"É desde então que o amor de um ser humano pelo outro está implantado nos homens, como se assim se restaurasse a nossa antiga natureza, na tentativa de fazer de dois um só",  disse Aristófanes.


Talvez quem tenha lido este mito de Aristófanes, ou até quem tenha experimentado o amor platónico, ou qualquer outro tipo, seja um tanto ou quanto céptico. 

Peguemos num céptico de eleição, Groucho Marx. Para não mudarmos de tema, vejamos uma sua citação acerca do amor, nomeadamente, o concretizado:
"O matrimónio é a principal causa de divórcio."
Mas claro está que o cepticismo vai muito para além desse fator, ou seja, do amor. O verdadeiro céptico duvida de tudo, até de aquilo em que acredita. Cá vai mais uma citação do grande Groucho para o provar:
"Estes são os meus princípios, se não vos agradarem arranjo outros."
Mas um céptico que é céptico não desacredita apenas do amor e daquilo em acredita, um céptico a sério desacredita até da própria vida. Duvidam? Leiam Marx, não o Karl, mas o Groucho:
"Se acredito na vida após a morte? Não sei nem se acredito na vida antes da morte! Acho que acredito na morte durante a vida."


Caso já não se recordem, o tema deste texto tinha origem no modo como a antiga civilização helénica influencia o nosso presente. 
Vamos então, como já terão adivinhado, pelo menos os mais previstos, falar de cepticismo. 
Cepticismo vem da palavra grega Skeptikismós que significa "exame", "teste", "prova", ou qualquer coisa desse género. Para o percebermos vamos a Pirro de Élis, que viveu entre 360 a.C. e 270 a.C. (não confundir com o Pirro, do qual habitualmente se diz, que foi uma vitória de Pirro). 


Pirro de Élis estava muito convicto e tinha a certeza absoluta disto e daquilo. Um dia, o Imperador Alexandre Magno (para quem não saiba, Magno significa "o grande", por consequência estamos a referir-nos a Alexandre o Grande) convidou-o a ir consigo pelas expedições que fez, tendo Pirro conhecido a Índia, o Egipto, a Pérsia e demais civilizações antigas. 
Tendo Pirro as conhecido, viu que há muitos diferentes e diversos costumes, que o que é certo para uns é incerto para outros, e por assim ter sido, todas as suas certezas se desfizeram. 
Pirro tornou-se então um céptico, ou seja, alguém que submetia o que via a um exame, a um teste e a uma prova, e caso o que visse não fosse igual e certo por todo o lado, ele considerava-o uma fantasia, uma crença local, regional ou nacional, mas sem sentido universal.


Para terminarmos com conceitos gregos antigos que continuam entre nós, vamos ao hedonismo. Hedoné era filho de Eros e Psiqué e nasceu no Olimpo. Na mitologia romana o seu nome era Volúpia, do latim Voluptas. Só por curiosidade, a tradução literal de Hedoné para português é prazer. 
  

Epicuro viveu entre 341 a.C. e 270 a.C. Foi um filósofo e toda a sua obra se centrava na busca do prazer, um estado que se caracteriza pela ausência de dor.
Não vamos agora chatear-vos com todas as minudências e complexidades próprias do Epicurismo, nem vale a pena, pois tal filosofia envolve coisas como o atomismo, uns certos conhecimentos de Demócrito e até perceber-se o que é a ataraxia, ou seja a imperturbabilidade da alma. 

Para o que nos interessa, basta que saibamos que hoje em dia a filosofia epicurista continua bem viva entre nós. Por exemplo, no site abaixo e na respetiva loja podem adquirir-se produtos epicuristas como por exemplo sanitas, bidés, piaçabas, suportes de papel higiénico e muitos outros objetos dedicados à imperturbabilidade da alma e, já agora, à higiene corporal.

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