Em 2003, nos Estados Unidos da América, promoveu-se um boicote às batatas fritas cortadas em tiras, produto alimentar, que os americanos designam por French Fries.
Tal movimento nasceu em Washington, onde dezoito congressistas republicanos exigiram que fossem tomadas medidas retaliatórias contra França, pelo facto do governo desse país ter decidido não apoiar a América, na guerra contra o Afeganistão.
O boicote às batatas fritas às tiras obteve grande sucesso e não foram poucos os restaurantes por toda a América, que retiraram as chamadas French Fries dos seus cardápios. No entanto, como muitos dos patriotas norte-americanos não passavam bem sem a sua dose diária de batatas fritas, o movimento teve um “twist” e, ao invés de banir as ditas, rebaptizou-as. E foi assim que surgiram as Freedom Fries.
As Freedom Fries eram exatamente iguais às French Fries, mas eram muito mais patrióticas.
De 2003 para cá surgiram uma enormidade de movimentos imbecis, mas tanto quanto nos lembramos, esse foi um momento inaugural de um novo tipo de insanidade. Com efeito, o boicote às batatas fritas cortadas em tiras, deu início nesse princípio do século XXI a um modo de parvoíce, que até então não existia.
Genericamente esse modo de parvoíce consiste no seguinte, um qualquer indivíduo diz uma insanidade com um ar muito sério e num tom zangado e indignado, depois faz-se valer da comunicação social ou das redes sociais para extensamente a divulgar. Logo de seguida há uns quantos milhares ou mesmo milhões de parvos, que dizem que “sim senhor, que o indivíduo em questão tem toda a razão”.
Dito isto, temos um movimento, uma corrente de opinião ou um grupo de pressão constituído por parvos, que é ouvido, que cresce, aparece nas televisões e jornais, ganha influência e, como se tem visto por todo o Ocidente, alcança até elevadas posições de poder.
Em boa verdade, em 2003, não passou pela cabeça das pessoas responsáveis, cultas e inteligentes, que parvoíces tão grandes como um boicote às French Fries, fosse algo para se levar a sério, todavia, isso foi um tremendo erro, pois nunca devemos subestimar o imenso poder da parvoíce e da ignorância.
Ao pensarmos em 2003 e no boicote às French Fries, percebemos que esse grandioso movimento patriótico, já continha em si todos os ingredientes que atualmente alimentam tantos outros movimentos por todo o Ocidente, inclusive em Portugal.
O principal ingrediente de tais movimentos é a sua profunda ignorância. Não é uma ignorância envergonhada, muito pelo contrário, fazem até alarde em não saber nada sobre nada, mas ao mesmo tempo, não se eximem de emitir opiniões acerca de tudo.
No último domingo, no programa da SIC “Isto é gozar com quem trabalha”, foi apresentado um vídeo com um grupo de jovens de Guimarães, o berço da nação, que discutia política internacional num qualquer fórum realizado nessa cidade. A ignorância de que dão mostras é no mínimo risível, no entanto, tal não impede que se levem a sério uns aos outros, e que haja gente que os ouve e os leve em consideração. Aqui fica uma análise desse momento:
Regressemos às French Fries cuja origem é belga. O que os dezoito congressistas republicanos que em 2003 iniciaram o movimento de boicote às batatas fritas cortadas em tiras não sabiam, é que “French” no caso em específico, nada tem a ver com França. Refere-se, na verdade, ao modo como este prato é preparado. Quando o alimento é cortado em tiras, diz-se que ele é frenched. Uma vez que french fries são tiras de batatas (potatoes) que foram fritas (fried), tendo sido assim que surgiu a expressão French Fries Potatoes ou French Fries.
A Bélgica reivindica a invenção das batatas fritas em tiras e tem uma forte cultura em torno deste prato, servindo-o em “friteries” ou “frietkot” por todo o país. Os belgas são tão apaixonados pelas suas batatas fritas em tiras, que até propuseram que a UNESCO as reconhecesse como património cultural da humanidade.
Quiçá se em 2003 toda a gente responsável, culta e inteligente tivesse levado a sério o problema das batatas fritas em tiras, e explicasse ao mundo que a sua origem era belga e não francesa, ficasse imediatamente à vista a profunda ignorância de certos movimentos e hoje em dia vivêssemos num mundo menos insano.
Atualmente há gente que acredita firmemente em toda a espécie de parvoíces. Ele há os terraplanistas, os negacionistas, os que creem nas mais inusitadas conspirações e muitos outros que têm convicções e opiniões acerca daquilo de que na verdade nada sabem.
No entanto, há esperança, pois apesar do vídeo difundido no domingo no programa “Isto é gozar com quem trabalha”, chegou-se recentemente à conclusão que os jovens portugueses são dos mais desenvolvidos do Ocidente no que toca ao pensamento crítico e criativo.
Há uns tempos foram divulgados novos resultados do Programme for Internacional Student Assessment (PISA) de 2022, sendo que, as conclusões não deixam quaisquer dúvidas, em Portugal a juventude usa a cabeça e sabe pensar. Aqui ficam duas notícias relativas a esse tema:
Conhecedores destas conclusões, estamos cheios de confiança nos jovens portugueses. Mais do que isso, estamos mesmo em crer que hão de vir a ser uns dignos sucessores de grandes navegadores como Vasco de Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães e outros.
Todavia, ao invés de darem novos mundos ao mundo como fizeram os seus ilustres antecessores navegadores, os jovens atuais hão de crescer com o seu pensamento crítico e criativo plenamente desenvolvido e, contra ventos e marés, saberão colocar de lado parvoíces, insanidades e baboseiras, e por mares já anteriormente navegados, mostrarão às gentes o que é afinal pensar.
Terminamos com Camões, que jamais acreditaria em estranhas e parvas coisas, como água como fogo arder, dia misturado com noite escura, a terra nos céus ou o amor mandado pela razão.
Não vendo Camões nada disso no mundo, muito menos embarcaria por mares nunca dantes navegados em boicotes às batatas fritas cortadas às tiras, nem em teorias que defendem que a terra é plana, e muito menos ainda em teses negacionistas e em tolas suposições e conspirações.
O Camões era um homem a sério, alguém que usava a cabeça e sabia pensar. Aqui fica um seu poema, cheio de esperança e fermosura que o prova:
Quando se vir com água o fogo arder
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vêem os Céus prevalecer;
O Amor por Razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa fermosura
então a poderei deixar de ver.
Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro está não ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.
Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minh' alma e o perder-se,
para não deixar nunca de querer-vos.
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