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Anos 80, quando a televisão começava às seis da tarde, exceto para os alunos da tele-escola…



Saiu por estes dias um livro, onde mais uma vez se faz a apologia dos Anos 80, o seu título é “A década prodigiosa”. Há uns anos a esta parte, sobretudo por alturas do Natal, passou a ser tradição o lançamento de uma obra (ou várias) dedicada a tal tema.

É só pesquisarem na internet, que encontram logo múltiplos títulos de grande sucesso editorial dedicados a esse assunto, como por exemplo, “Sou dos Anos 80, não tenho medo de nada” ou “Caderneta de Cromos”.


Para além dos agora inevitáveis livros, há também programas de rádio e televisão, imensos artigos nos jornais, podcasts e tudo o mais que se quiser, que se dedicam a celebrar os Anos 80. Tal situação intriga-nos, pois não nos parece que haja assim tantas razões que justifiquem tais celebrações.

Quem cresceu nos Anos 80, como é nosso caso, já vai a caminho de velho, e anda portanto meio desconfiado, que o melhor da vida já lá vai. Por consequência, tal gente tem uma certa predisposição para consumir bens, produtos e conteúdos, que lhes recordem o tempo em que eram crianças e jovens, e o tempo em que o melhor da vida ainda estava por vir.

No fundo, a coisa é simples. Existe uma imensa camada populacional pré-idosa, que olha saudosamente para a época em que era jovem. Tal população apresenta-se como um mercado apetecível e lucrativo, e há quem se disponha a fornecer bens, produtos e conteúdos, para alimentar as saudades de todo esse pessoal. Em síntese, é o sistema capitalista a funcionar.

Dito isto, nós estamos aqui para desfazer mitos e lendas, e por muito que doa a muita gente, contra ventos e marés, afirmamos solenemente, que este atual culto dos Anos 80 é uma borreguice. Assim sendo, vamos hoje fazer uma breve viagem ao passado, para que todos tenham conhecimento da realidade nua e crua, e do que verdadeiramente era a década de oitenta.

Logo para início de conversa, os Anos 80 deixaram-nos um fardo tremendo, que ainda hoje nos deixa derreados, sobretudo nesta época festiva: “Last Christmas”. É difícil, chegado cada dezembro, ouvir ano após ano, essa cançoneta por todo o lado. Mais do que isso, é terrível e dá cabo dos nervos a qualquer pessoa com o mínimo de bom gosto musical.

Para combater tal calamidade, apenas temos uma versão que parodia a canção, cujo link abaixo vos deixamos. A qualidade da imagem é péssima e a da música não é melhor, mas ainda assim, dá perfeitamente para se perceber como nos Anos 80 todas as tontices eram aceitáveis:



Por uma qualquer insondável razão, quando se fala dos Anos 80, há sempre quem se recorde com ternura das cassetes. Há também e inevitavelmente, quem constate o óbvio como se isso fosse um facto espantoso, ou seja, que os jovens de agora não sabem para que serve uma cassete. Gostávamos mesmo de saber, quantos daqueles que foram jovens nos Anos 80, sabem lidar com uma grafonola.

O surpreendente seria, se os jovens atuais soubessem que uso dar a uma cassete, porém, os pré-idosos que cresceram na década de oitenta, parecem ficar sempre estupefactos perante tal facto.
Mais a mais, as cassetes eram irritantes, as fitas partiam-se com regularidade, enrolavam-se no leitor do gravador e era uma estafa imensa só para as desemaranhar. Acrescente-se a isso, que a qualidade do som era horrível.


Só para que se saiba ou se recorde, nos Anos 80 os adolescentes não tinham pudor nem vergonha de irem lanchar com os amigos e beberem leite com Mokambo, Nesquik ou Milo. Estas três marcas, cujos nomes fizeram sonhar gerações de patêgos, eram um mero produto maltado em pó com sabor a chocolate, que vinha para a mesa dentro de umas latas mal-amanhadas.

Era uma coisa arrepiante de se observar, ver rapaziada já com idade para beber um copo de bagaço, toda risonha a emborcar uma caneca de leite com pó achocolatado.

Um outro grande mistério, é o carinho com que certas pessoas falam aos dias de hoje dos seus Kispos. Para quem eventualmente não saiba ou já não se lembre, um Kispo mais não era que um anoraque produzido pela Fábrica Internacional de Confecções de Lousada, localidade situada ao norte de Portugal.

Veja-se só o que era malta daquele tempo, gente toda contente a beber o seu leitinho adocicado com pó achocolatado, vestida com os seus anoraques vindos diretamente das melhores passarelas de Lousada.

Nos Anos 80, a penúria era tanta, que um Kispo era visto como um presente de Natal de grande categoria. No entanto, a escassez existente não era só material, era igualmente erótica. Com efeito, como em tudo o resto, também nesse campo a nação estava muito atrasada.

Na década de oitenta promoviam-se noções e estilos românticos, que é difícil de acreditar que tais coisas existiram mesmo e não são apenas cenas de ficção científica. Vejamos um exemplo, entre muitos outros possíveis: Armando Gama.

Por muito incrível que vos possa parecer, em 1983 Armando Gama compôs uma canção que se tornou um grande sucesso, a saber, “Esta balada que te dou”. Com esse tema, o Gama tornou-se uma espécie de “sex-symbol” nacional, o que por si só diz muito do grande atraso erótico e romântico, que à época havia em Portugal.

Abaixo uma foto do Armando com a sua Valentina. Em termos de erotismo e romantismo, isto era do que por cá mais sucesso tinha nos Anos 80. Não vos deixamos o link com a melodia “Esta balada que te dou” por decoro, pois a canção é mesmo péssima.


Um outro exemplo da penúria erótica dessa década, consiste no facto de a única revista da especialidade que havia, ser a “Gina”. A referida publicação destinava-se a adultos, mas podia ser facilmente adquirida num quiosque por um qualquer jovem imberbe.

O problema era que a qualidade das fotos deixava muito a desejar e os textos eram fundamentalmente escritos à base de muitas onomatopeias e igual números de ditongos. Por assim ser, a juventude que a lia, não teve oportunidade de desenvolver a sua criatividade, uma linguagem mais sofisticada e um pensamento crítico relativamente ao sexo. Ficou desse modo para sempre amputada de competências essenciais, que com toda a certeza mais tarde lhe vieram a fazer falta. Esta é mais uma pesada herança legada pelos Anos 80.

Só para se ter uma ideia da pobreza que isto era, fique-se a saber que a “Gina” chegou a ter uma tiragem semanal de 150 000 exemplares, um mais que claro sinal, que a malta não tinha mais nada com que se entreter, do que uma revista com histórias de raparigas muito acaloradas.


É muito difícil de aceitar, que alguém tenha qualificado a década de oitenta, como sendo prodigiosa. Vejamos mais um acontecimento desse tempo, que é também ilustrativo dessa época.

Um dia, em 1980, um navio afunda mesmo junto ao Terreiro do Paço, e já isso é inusitado, pois não é comum, existirem navios afundados, mesmo junto a uma das principais praças de uma cidade. Contudo, a situação tornou-se ainda mais caricata, uma vez que houve várias tentativas para o remover do local, mas todas falharam.

O navio, de seu nome Tolan, acabou por se tornar uma atracção turística, tendo dado origem ao nome de vários cafés e restaurantes. Os Anos 80 eram tanto ou tão pouco divertidos, que até um porta-contentores naufragado, servia de entretenimento e havia gente que ia de passeio só para o mirar.

Mais de três anos após o naufrágio, lá o conseguiram remover do rio. No entanto, houve quem ficasse triste, pois com a sua remoção, ficou-se com uma coisa gira a menos para se fazer ao domingo à tarde em Lisboa.

Com efeito, na década de oitenta não havia muito com que as pessoas se pudessem divertir, e assim sendo, o Tolan encalhado no Tejo, até dava jeito.


Para além de tudo isto, e como se diz no título deste nosso texto, a televisão só começava às seis da tarde, exceto para os alunos do Ciclo Preparatório. Com efeito, no início e até meados dessa década prodigiosa, nem emissão de televisão tínhamos, antes das seis da tarde, excepto os alunos da tele-escola, que esses nem uma escola feita de pedra e cal tinham.

Mortas as saudades dessa gloriosa década de oitenta, aqui fica uma canção de JP Simões, “Retrato”. Está lá tudo dito e o tema começa assim:

“A minha geração, já se calou, já se perdeu, já amuou,
já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou
ou então morreu: já se acabou.”

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