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Foi-se embora uma mulher diabólica, que encarnou desejos insatisfeitos


Imaginem a seguinte história, era uma vez uma jovem noviça que vivia num convento em Espanha. Um dia a madre superior diz-lhe para ir visitar o tio, Dom Jaime, o seu único familiar vivo. A noviça lá vai para casa do tio, situada numa aldeia distante. Lá chegada ele tenta seduzi-la e para isso, conta com a ajuda da sua empregada doméstica, Ramona.

O tio faz trinta por uma linha, mas não consegue seduzir a jovem, que, incomodada, uns dias depois acaba por se ir embora. Na verdade, o incómodo da rapariga parecia não resultar tanto dos avanços do seu tio, mas sim do facto de ele não ter conseguido ter êxito nesses seus intentos.

Quando ia no caminho de regresso para o convento, a noviça é abordada pelas autoridades que a informam que o seu tio, D. Jaime, se matou. A jovem volta para trás e passado pouco tempo passa a tomar conta da casa que antes tinha sido do seu tio.

Viridiana, é esse o nome da jovem, decide então reunir todos os pobres da aldeia próxima e instalá-los num edifício anexo à casa do seu tio. Ao invés de voltar para o convento, toma a deliberação de dedicar a sua vida à educação e à alimentação dos pobres.

Aqui a vemos na foto abaixo, ao centro da imagem com uma criança nos braços e determinada a praticar o bem e a ajudar os necessitados.


Nesse entretanto, o filho de Dom Jaime, Jorge, muda-se para a casa de seu falecido pai com a sua namorada Lúcia. Ele, tal e qual como o seu pai, também alimenta uma secreta e violenta paixão por Viridiana. No entanto, não é correspondido.

Numa certa ocasião, Jorge, Lúcia, Viridiana e a empregada Ramona ausentam-se e deslocam-se à cidade, sendo nesse momento que os pobres entram na casa sorrateiramente e, extasiados com tanto luxo e fartura, começam a desarrumar tudo e a comer e a beber desalmadamente. Aqui os vemos, na imagem abaixo, a regalarem-se com tudo do bom e do melhor.


Subitamente, Jorge, Lúcia, Viridiana e Ramona voltam e deparam-se com uma imensa desordem e desarrumação por toda a casa. Os pobres que ainda não estavam completamente ébrios desatam a fugir, mas há outros que decidem atacar Viridiana. Jorge tenta defendê-la, mas é amarrado por alguns dos restantes membros do grupo de pobres.

Com o desenvolvimento da ação percebemos que Viridiana seria estuprada se por acaso Jorge não prometesse oferecer dinheiro a um dos mendigos para impedir que tal sucedesse.

No final da história Viridiana é uma mulher completamente mudada. Usa agora o cabelo solto e tem uma postura corporal desprendida. Em dado momento, ela bate à porta do quarto de Jorge e encontra Ramona, a empregada, numa mesa ao seu lado. Jorge diz a Viridiana que os dois estão apenas a jogar às cartas e convida-a para se juntar aos dois, para jogarem um jogo a três. Subentende-se que o convite não é para jogarem à bisca, à sueca ou às copas, mas sim para um outro tipo de jogos.

Vem tudo isto a propósito da morte de Silvia Pinal, que desapareceu na passada semana na Cidade do México com 93 anos. No filme “Viridiana” do realizador espanhol Luís Buñuel, coube-lhe a ela interpretar o personagem principal, tendo desse modo ficado conhecida por todo o mundo.

À data da sua estreia, em 1961, o escândalo foi tremendo. Viridiana é o nome de uma importante santa católica do século XIII e logo por essa escolha se percebe, que o realizador do filme, Buñuel, queria criar sarilhos. E consegui-o.
A película foi condenada pelo Vaticano e considerada blasfema e indecente, o governo espanhol, que então era liderado pelo General Franco, baniu o filme do país acusando-o de ser anticlerical. Franco tentou até que todas as cópias existentes fossem destruídas, mas não o conseguiu.

Silvia Pinal ficou para sempre associada a esse papel que interpretou e por isso havia muitos fiéis que a consideravam uma mulher diabólica. Logo em 1961, o filme venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes para desgosto do Vaticano e de Franco. Sendo que, até ao dia de hoje continua a aparecer em todas as listas como um dos melhores filmes de sempre.

A cena que mais perturbou o Vaticano e o General Franco é uma em que nem sequer aparece Silvia Pinal. Trata-se da já referida refeição em que os pobres comem e bebem à farta. A meio da refeição decidem tirar uma fotografia para a posteridade e colocam-se numa pose igual à da última ceia de Cristo, algo que pôs os cabelos em pé ao Papa de então, João XXIII.

Como se isso já não fosse bastante, a máquina fotográfica que usaram é bastante peculiar. Aqui fica o escandaloso momento para quem o quiser ver:



Em 1962 Silvia Pinal e Luis Buñuel voltam a trabalhar juntos. Desta vez já não em Espanha, uma vez que de lá foram banidos, mas sim no México. A película que então fizeram intitula-se “O Anjo Exterminador”.

Num jantar de cerimónia, um grupo de respeitáveis e finas gentes fica retida na casa de um deles. Por uma razão qualquer, só os serviçais conseguem atravessar a porta da sala de jantar.
Constatando a sua situação, a gente da boa sociedade depressa se resigna ao enclausuramento e, a pouco a pouco, abandonam os seus educados e requintados hábitos e começam a comportar-se como autênticos bárbaros.


O ambiente deteriora-se e a selvajaria cresce a olhos vistos. Quando finalmente se conseguem libertar, os convidados do jantar vão logo de seguida a uma missa para agradecerem a Deus tal facto. Porém, no fim da missa, verifica-se que o padre não consegue atravessar o limiar da sacristia.

Buñuel recusou atribuir qualquer simbolismo ao filme e disse que “O Anjo Exterminador” trata de um só tema, ou seja, da impossibilidade de satisfazer um desejo. O desejo neste caso, é o de sair daquela casa. Silvia Pinal interpreta aqui o personagem de Letícia Valquíria, que como logo pelo nome se adivinha, não é uma mulher simpática ou muito dada.

No início do jantar, um dos convivas propõe que se faça um brinde a uma cantora de ópera ali presente: “Senhores champagne. Brindo à diva, que esta noite maravilhosamente interpretou a noiva virgem”. Um outro convidado faz o seguinte comentário em voz baixa “noiva, talvez, mas virgem…”, insinua de seguida, que virgem é um adjetivo que seria melhor aplicado ao personagem interpretado por Silvia Pinal, a fria e distante Letícia Valquiria.

O que nós espectadores vamos ver com o desenrolar da história, é que afinal a Letícia Valquiria nada tinha de recolhida e casta. No fundo, ao longo do filme Letícia Valquiria faz um percurso semelhante ao de Viridiana, pois também esta última começou por ser uma noviça num convento, para depois se libertar e acabar a fazer jogos a três.
Vejamos o trailer de “O Anjo Exterminador”:


O último encontro entre Luis Buñuel e Silvia Pinal deu-se em 1965 no filme “Simão do deserto”

Simão, o Estilita penitente e santo milagreiro, vive no alto de uma coluna no deserto, passando os dias a rezar e a benzer os fiéis que o vêm ver. O Diabo, através das suas encarnações terrenas, usa de diversos subterfúgios para o tentar, mas sem sucesso. No entanto, o Diabo, numa das vezes aparece-lhe sob a forma da bela Silvia Pinal, e desse modo acaba por levar a melhor.


Numa das cenas do filme, um caixão desloca-se pela terra, abre-se e de dentro dele surge Satã na forma da bela Silvia. Sai e leva Simão para uma discoteca dos anos 60. O espaço está cheio de gente e uma banda de rock instrumental atua ao vivo no palco. Os dois estão com trajes modernos e sentados à mesa, e Simão pergunta-lhe que dança o povo executa. Ela (o Diabo) responde que a dança energética se chama "Carne Radioativa". Um homem pede a Satanás (Silvia) para se juntar a ele, Simão levanta-se para voltar para casa, mas Satanás diz-lhe que ele tem que "aguentar até o fim”.

Vejamos o início da cena em que Simão sucumbe à tentação, o mesmo é dizer ao desejo:



E pronto por aqui terminamos esta nossa homenagem àquela que foi uma das maiores estrelas de sempre do cinema mexicano e mundial, Silvia Pinal.

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