Houve um tempo em que tudo era mais sério, muito embora as pessoas se rissem com maior vontade e alegria. Houve um tempo em que todas as crianças e jovens queriam, ou mais que querer sonhavam, ser heróis, médicos, bailarinas, professoras, artistas, futebolistas, bombeiros ou até astronautas. Esse tempo acabou.
Atualmente, entre crianças e jovens, haverá bastantes que afirmam quererem ser Influencers. Há uns poucos anos, os adultos que ouviam dizer tal coisa, reagiam como dantes se reagia, quando se perguntava a uma criança ou a um jovem “O que queres ser quando fores grande?” e a resposta era “Quero ser astronauta”.
Quer isto dizer, que os adultos reagiam à resposta “Quero ser astronauta” de igual modo, ao que reagem perante uma qualquer outra fantasia infantil ou juvenil, ou seja, com um leve sorriso e uma certa complacência.
Quando há uns poucos anos, os adultos começaram a escutar da boca de crianças e jovens que queriam ser Influencers, primeiro reagiram como se ser Influencers fosse uma fantasia equivalente à de ser astronauta. Porém, passado algum tempo, começou a saber-se de gente jovem que foi para Influencer e que consegue viver à custa disso e, nalguns casos, até enriquecer.
Perante tais factos, os adultos ficaram perplexos, mas rapidamente perceberam, que enquanto a resposta “Quero ser astronauta” era uma fantasia praticamente irrealizável, “Quero ser Influencer” era um sonho perfeitamente concretizável.
Foguetões e naves espaciais eram coisas de filmes de ficção científica, que só existiam na NASA, que fica lá muito longe, a saber, na América. Já computadores, tablets e smartphones há-os por todos os cantos. Por consequência, ser Influencer, ao contrário de ser astronauta, parece um destino plausível de se realizar para a rapaziada.
Há uma grande diferença entre desejar ser-se astronauta e ser-se Influencer, no primeiro caso, está pressuposto que para se atingir o objetivo tem de se trabalhar e estudar afincadamente, pois só mesmo os melhores dos melhores, chegam efetivamente a fazer viagens espaciais.
Já o ser-se Influencer parece estar ao alcance de qualquer um, isto desde que se possua um dispositivo electrónico. Para se ser Influencer, o esforço a realizar é mínimo e não se precisa saber nada de especial, basta aparecer-se e dizer-se umas quantas coisas sobre um qualquer assunto.
Damos por certo, que é provável que haja Influencers em exercício de funções, que sabem qualquer coisinha dos assuntos acerca dos quais dissertam, mas damos ainda por mais certo, que uma larguíssima maioria, diz seja o que for, perceba ou não algo do tema sobre o qual divaga.
A propósito dos Influencers saberem ou não do que falam, aconteceu por estes dias uma situação em Espanha, que parece confirmar a nossa desconfiança, de que efetivamente, a maior deles não sabe o que diz.
A situação foi a seguinte, o proprietário de um pequeno restaurante de petiscos, à semelhança de muitos outros em iguais circunstâncias, recebe constantemente e-mails e mensagens de inúmeros Influencers, que se oferecem para ir comer ao seu estabelecimento.
As propostas eram simples e basicamente idênticas, em troca de uma refeição gratuita, os Influencers propõem-se publicar no seu perfis digitais uns quantos elogios à comida servida no restaurante. Se porventura o dono do estabelecimento concordar com uma relação mais duradoura, em troca de duas ou três refeições gratuitas por semana, o Influencer vai fazendo publicações regulares relativas aos diversos pratos servidos, à excelência das sobremesas, à qualidade da garrafeira e à simpatia do pessoal. Resumindo, quanto maior for a frequência com que os Influencers forem alimentados, melhor dizem do restaurante que os sustenta.
Dito isto, o dono deste estabelecimento alimentício, situado no país vizinho, estava farto de ser constantemente assediado com propostas para dar de comer a um Influencer em troca de boas críticas nas redes digitais. A toda a hora recebia e-mails e mensagens, algo que o fazia perder imenso tempo. E vai daí, decidiu contra-atacar.
Para isso, aceitou a proposta de dois dos ditos Influencers, que supostamente eram especialistas em gastronomia. Para os servir, foi ao supermercado e comprou o pior pão que lá encontrou, daquele ultra congelado. Adquiriu de seguida, mortadela da mais barata que havia, e foi isso que colocou no prato dos Influencers. Acrescentou umas meras azeitonas, para dar um ar de categoria ao repasto.
Pensava o dono do estabelecimento, que uma vez apresentada tal refeição, os Influencers se sentiriam gozados, que se levantariam e ir-se-iam embora ofendidos. Ou seja, o dono do restaurante queria vingar-se, fazendo-lhes perder tempo, tal e qual como eles o fazem perder tempo a ele.
No entanto, a brincadeira saiu-lhe melhor que à encomenda, pois não só Influencers não se sentiram ofendidos, como comeram tudo o que lhes foi servido com imenso apetite.
Perante tal reação, o dono do estabelecimento percebeu que os ditos Influencers, que era suposto serem especialistas em gastronomia, nada entendiam de tal assunto, pois até um prato feito com pão ultra-congelado e mortadela barata, era para eles um autêntico repasto.
Posto isto, o dono do restaurante decidiu publicar nas redes sociais a ida dos Influencers ao seu estabelecimento. Tudo tinha sido filmado, mas ainda assim, os rostos dos personagens foram ocultados da gravação, de modo a não haver violações da lei.
Quem quiser ler a notícia com mais detalhe pode fazê-lo no link abaixo ou em qualquer um dos maiores órgãos de comunicação social de Espanha:
O ponto é o que o vídeo do dono do restaurante se tornou velozmente viral. Em poucas horas, em Espanha e no mundo, houve milhões a vê-lo. O que isto nos diz, é que há muita gente por todo o globo, que desconfia ferozmente dos Influencers.
Pelos vistos, muitos dos Influencers o que querem é comer, vestir, beber, calçar e viajar de graça. Outros só querem influenciar, contudo, se conseguem pagar o que comem, vestem, bebem, calçam e viajam, alguma outra coisa querem. O que será? Para descobrirmos o que será, basta fazermos como o dono do restaurante e estarmos atentos.
Para terminarmos, Chico Buarque e Milton Nascimento numa versão absolutamente única e excepcional do tema “O que será?”:
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