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Oh England, my England…os 80’s outra vez


Aqui há uns dias escrevemos sobre o quão depressivos foram os Anos 80, e de como não compreendemos bem as razões para agora serem tão celebrados. Festejam-se esses anos como se porventura essa década tivesse sido uma época dourada, plena de alegria, prosperidade e felicidade, o que não foi.

Para nós, os chamados Anos 80 são um tempo em que a futilidade e a superficialidade foram elevadas à categoria de qualidades. Existia nessa época uma grande penúria, mas havia também uma enorme vontade de se consumir, sendo que, quem tinha dinheiro, não hesitava em o ostentar. Em resumo, essa foi a década em que “Ter” ou aparentar que se tem, tornou-se muito mais importante do que “Ser”.


Em Portugal poucos tinham como ostentar fosse o que fosse, mas mesmo sendo pobrezinhos, lá abriu o primeiro grande templo do consumo em território nacional, o Centro Comercial Amoreiras em Lisboa. O espaço permitia às gentes ir passear ao domingo para ver as montras e sonhar com o dia feliz em que finalmente iriam poder comprar uma camisola ou uns sapatos de marca.

Em 1985, à data da inauguração, havia multidões à porta, que queriam entrar e ver coisas, que provavelmente não conseguiriam comprar. Mas não fazia mal, pois fosse na escola, no café ou no emprego podia-se conversar sobre casacos, calças e T-shirts de grande classe e categoria que se tinham visto na montra do centro comercial.


Todavia, mesmo nesses anos, todos eles feitos de aparências e não de essências, havia quem quisesse Ser, ou seja, quem não ligasse nenhuma a roupas, sapatos, jóias, motos, carros e a demais símbolos de ostentação e posse.

Era de Inglaterra que nos Anos 80 nos chegavam sons, tons e palavras mais fundas e essenciais, distintas das fúteis e superficiais que então se ouviam por todo o lado.

Esses sons, tons e palavras vinham mais concretamente ali da zona de Liverpool e Manchester. Essas duas cidades industriais localizam-se no noroeste da Inglaterra, distam cercam de cinquenta quilómetros uma da outra e são o local de origem de imensas bandas que fizeram a história da música Pop-Rock.

São de Manchester grupos tão conhecidos como os The Smiths, os Bee Gees, os New Order, os ABC, os Take That, os Joy Division ou The Buggles, e artistas a solo tão famosos como por exemplo Rick Astley e Lisa Stanfield. Abaixo uma imagem retirada do site “The Pride of Manchester (The Rock'n'Goal Capital of the World)”:


São de Liverpool bandas tão famosas como os Beatles, os Soft Cell, os Orchestral Manouvres in the Dark, os Echo & the Bunnymen, os Frankie Goes to Hollywood, Gerry and The Pacemakers e artistas a solo tão conhecidos como por exemplo Cilla Black ou Elvis Costello.


Em síntese, apenas com os sons vindos de Manchester e Liverpool já dá para se fazer uma extensa playlist com temas de grande sucesso. Na década de oitenta era precisamente dessas duas cidades que vinham as nossas canções, aquelas de que gostávamos.

A nossa preferência ia para temas em que havia um pouco de melancolia, outro tanto de ironia e uma atitude vagamente existencialista. Não gostávamos de canções exuberantes, descontraídas e muito bem dispostas tipo “Wake me up before You Go-Go” ou isso, e também não gostávamos nada de xaropadas ultra-românticas, muito melosas e açucaradas. Em resumo, não gostávamos daquilo que se ouve atualmente como som ambiente em salas de espera, aeroportos, elevadores e centros comerciais.

Canções com um pouco de melancolia, outro tanto de ironia e uma atitude vagamente existencialista, pareciam-nos bem, pois assim sabíamos que não estávamos sozinhos no mundo, que lá pelo noroeste de Inglaterra existia gente que sentia e pensava a vida de um modo semelhante ao nosso, ou seja, que não tinha preocupações com aparências, futilidades e superficialidades.

Feito o contexto, hoje vamos dedicar-nos a três dessas canções dos Anos 80, que mesmo sendo bastante conhecidas, não constam (e ainda bem) das playlists habituais de aeroportos, elevadores e centros comerciais.

A primeira dessas canções é um tema de 1984, “The Killing Moon” dos Echo & the Bunnymen, uma banda de Liverpool.


Questionado sobre o significado da canção, o seu autor, Ian McCulloch, respondeu assim: “The Killing Moon is more than just a song. It’s a psalm, almost hymnal. It’s about everything, from birth to death to eternity and God—whatever that is—and the eternal battle between fate and the human will. It contains the answer to the meaning of life. It’s my ‘To Be or Not to Be …”

Ian McCulloch conta também que um dia sonhou com a frase “Fate up against your will” que depois viria a ser o refrão da canção. Segundo o próprio, ninguém sonha com uma frase desse calibre por um mero acaso. Foi por essa razão, que ele sempre atribuiu a autoria de parte da letra do tema “The Killing Moon” a Deus.

Ouçamos então “The Killing Moon”, cujo autor anunciou como um tema que contém a resposta para o sentido da vida. Talvez esse sentido seja “Fate up against your will”, ou como diziam os antigos gregos, ninguém pode escapar ao seu destino:


Quem certamente não escapou ao seu destino, foi Ian Curtis, o mítico líder da banda Joy Division. 
Ian era um rapaz dos subúrbios de Manchester, de uma localidade que nos Anos 80 estava completamente deprimida, devido ao encerramento das indústrias que durante décadas sustentaram toda a economia da região. Abaixo uma foto dos Joy Division na sua cidade de origem.


Não havendo muito para um adolescente ver ou fazer nos subúrbios pobres de Manchester, Ian Curtis dedicou-se a ler. Com efeito, não havia muito de quase nada, mas existiam bibliotecas públicas nas quais se podiam requisitar livros. As paixões literárias do jovem Ian Curtis incluíam Burroughs, Ballard, Kafka, Dostoiévski, Nietzsche, Sartre e Hesse, portanto, tudo autores de grande monta.

No auge do sucesso dos Joy Division, Ian Curtis mata-se. Por alguma razão, não conseguia encontrar um sentido para a vida. Aqui fica uma passagem sua, retirada de uma entrevista: “Nothing seems real anymore. Even the flames from the fire seem to beckon to me, drawing me into some great past life buried somewhere deep in my subconscious, if only I could find the key..if only..if only. Ever since my illness, my condition, I've been trying to find some logical way of passing my time, of justifying a means to an end.”

Em Junho de 1980 os Joy Division lançaram aquele que viria a ser o seu tema mais conhecido “Love Will Tear us Apart”. Aqui fica:



O terceiro e último tema de que vos queremos falar é dos The Smiths, que também eram de Manchester, “Girlfriend in a Coma”. Morrissey, autor e compositor do tema, decidiu investir contra todos os clichés românticos e inaugurou um novo tipo de canção de amor, mais estranha e comovente do que era habitual. Frases como “There were times when I could have strangled her/But you know I would hate anything to happen to her” ou “Girlfriend in a coma, I knowI know, it's serious” destoavam completamente do ambiente fútil e superficial da Pop dos Anos 80.


E pronto, com The Smiths terminamos mais um texto dedicado aos Anos 80, que é um trabalho de arqueologia que gostamos sempre muito de fazer. Aqui fica, “Girlfriend in a Coma”:

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