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Comemos muito queijo, por isso andamos tão esquecidos do nosso cancioneiro!


Entre os múltiplos esquecimentos nacionais, há coisas mais esquecidas que outras. Em 2024 o país esqueceu-se de comemorar como deve de ser os 500 anos de Camões. Até houve uma comissão nomeada para o dito efeito e tudo o mais, mas pouco de lá saiu. Diz que em 2025 é que vai ser, que será no presente ano que se vai assinalar o cinquentenário de Camões à grande. Feitas as contas, em quinhentos anos, um ano de atraso não é nada, e dito isto, sigamos em frente.

Em 2024 também se deram os 500 anos da morte do navegador Vasco da Gama e, mais uma vez, pouco ou nada houve que assinalasse a efeméride, porém, diz-se igualmente, que em 2025 é que vai haver um programa de festas de encher o olho a todos. A ver vamos.

Ora bem, se Portugal até se esquece de comemorar e honrar os seus maiores, é certo e sabido que também não se iria lembrar de outras coisas menos grandiosas. 
Muito recentemente a fadista Gisela João lançou um álbum em que interpreta alguns clássicos do cancioneiro nacional.
Segundo o que a Gisela disse numa entrevista, há umas quantas canções que marcam a identidade nacional e fazem parte do nosso património, contudo, quase nunca as escutamos. Estamos num bar e não as ouvimos, ligamos a rádio e igualmente não, e na televisão também rarísssimas vezes dão.
Abaixo uma foto dela, da Gisela, toda ela inquieta com esta triste situação.


Perante tal desconsolo, Gisela decidiu deitar mãos à obra e gravar um álbum com temas maiores do nosso cancioneiro. A rapariga foi buscar temas de José Afonso, de Paulo de Carvalho, de Sérgio Godinho e de José Mário Branco e deu-lhes uma nova voz. O nome do álbum é “Inquieta”.

Todavia, Gisela não se limitou a cantar temas populares, foi também à procura de melodias complexas e eruditas, como por exemplo do “Acordai” do compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994).

Fernando Lopes Graça é o maior compositor português do século XX, com um amplo leque de criações que vão desde a música de câmara à música sinfónica, da música de inspiração popular à atonal, e da de intervenção à abstrata, contudo, não se pode dizer que os portugueses conheçam minimamente a sua obra.

Fernando Lopes Graça nasceu na então chamada Rua Nova, a antiga rua da Judiaria, bem no centro de Tomar, cidade sobre a qual escreveria que é onde “o monumento completa a paisagem; a paisagem é o quadro digno do monumento; e a luz é o elemento transfigurador e glorificador da união quase consubstancial da Natureza com a Arte.”

Em qualquer dos casos, é em Tomar que se situa a Casa-Memória Fernando Lopes Graça, pelo menos por lá, não o olvidaram. O compositor escreveu a música “Acordai” para ser interpretada por um coro, no entanto, Gisela João lembrou-se de lhe dar a sua voz e resgatar o autor do muito esquecimento a que tem sido votado.

“Acordai, acordai, homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis, vinde no clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raiz”:



Mas se a Gisela teve a ideia de recuperar para o presente, e salvar do relativo esquecimento algumas canções, aqui há uns poucos anos, o jornal musical Blitz fez uma lista com as 101 canções que marcaram Portugal.

A ideia do Blitz seria a de estabelecer uma espécie de cânone das melodias que constituem o cancioneiro nacional português das últimas décadas do século XX até hoje.
Nos Estados Unidos esse cânone há muito que está estabelecido, The Great American Songbook é uma lista que engloba as composições mais famosas da cultura popular dos Estados Unidos no século XX, que incluiu temas como “Summertime”, ““Night and Day”, “Have you met Miss Jones”, “Fever” ou “I’ve got you under my skin”.

Quem quiser, em
https://www.thisisdig.com/feature/best-jazz-songs-great-american-songbook/ pode consultar as 50 favoritas do The American SongBook, a nossa é a “Let’s do it”, que nos acompanha desde sempre no bannner deste blog:



A ideia do Blitz foi tão boa, que o semanário Expresso a aproveitou e dedicou extensos artigos a cada um desses 101 temas, nós escolhemos dois, o primeiro “Sol de Inverno” de Simone. É uma canção que nos fala de coisas olvidadas, mas não propriamente de Camões ou Vasco da Gama. Aqui fica uma celebre estrofe, que à data fez história:

Eu em troca de nada
Dei tudo na vida
Bandeira vencida
Rasgada no chão
Sou a data esquecida
A coisa perdida
Que vai a leilão

Citemos uma passagem do artigo do Expresso (https://expresso.pt/blitz/2022-03-29-101-cancoes-que-marcaram-Portugal-85-Sol-de-Inverno-por-Simone-de-Oliveira--1965--984b8aed) : “Sol de Inverno é uma grande canção. Uma grande letra. Uma grande música. Que podia ter sido cantada por Frank Sinatra, Tony Bennett ou Bing Crosby. Mas foi cantada por Simone…”

Há um vídeo antigo, onde se pode ouvir Simone a entoar pela primeiríssima vez o verso “Sonhos que vivi, quem os têm, horas que passei onde estão?”. Vale muito a pena ver, este momento inaugural de um dos temas marcantes do cancioneiro nacional:



Uma outra canção muito esquecida que consta da lista do Blitz é “O Vendaval” de Tony de Matos. É um outro tema cujo mote é o que ficou para trás, que o tempo arrastou, e que está condenado a mais tarde ou mais cedo cair no esquecimento.

Também nesta canção não nos restam dúvidas nenhumas, que seja o que for que vier a seguir, o certo è que o que lá vai, lá vai: “O vendaval passou, nada mais resta…para onde vou? Não sei O que farei? Sei lá…”:



E pronto, por aqui ficamos, para onde vamos? Não sabemos. O que faremos? Sabemos lá. Só sabemos que não podemos comer tanto queijo e esquecer o nosso cancioneiro.

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