Há anos que
todos os estudos e notícias o confirmam, Portugal apresenta a maior
discrepância entre mulheres e homens, no que diz respeito a sintomas de
mal-estar emocional. Em nenhum outro país europeu, a diferença percentual entre
o número de mulheres que sentem alguma espécie de perturbação psicológica e o
número de homens que também o sente, é tão grande como por cá.
Segundo os
dados encontrados em vários jornais, são cerca de 30% as mulheres nacionais que
reportam sintomas depressivos, de ansiedade ou outros, sendo essa uma das
maiores percentagens registadas nos países avaliados nos diversos estudos.
Enquanto isso, nos homens portugueses tal percentagem é menos do que 16%. Em
síntese, as mulheres lusitanas são muito mais dadas a problemas do foro
psico-emocional, do que o são os homens.
Claro que
esta notícia pode ser vista por dois ângulos distintos, um é o de preocupação e
lamento pelo mau estado emocional de uma parte significativa das mulheres
portuguesas, o outro é o de contentamento pelo facto dos homens portugueses,
por comparação com os restantes homens europeus, estarem em termos estatísticos
numa forma relativamente razoável.
Como seria
expectável, toda a comunicação social, desde o Público ao Correio da Manhã,
passando pela SIC, pelo Diário de Notícias ou pelo Observador, preferiu adoptar
a primeira perspetiva, ou seja, a de consternação pela frágil condição
psicológica de quase um terço das mulheres portuguesas.
Dito isto,
nós também vamos optar por essa perspetiva, só que numa área mais específica, a
saber, a classe docente.
Bem
recentemente o jornal Público intitulava assim uma notícia: “Estudo: metade dos professores sentem-se
tristes e com mal-estar psicológico”:
De acordo
com os dados oficiais, em Portugal 77% dos docentes são mulheres e apenas 23%
são homens. Se conjugarmos esse valor com o anterior, ou seja, com o que nos
indica que 30% das mulheres portuguesas se queixam de alguma espécie de
mal-estar psico-emocional, teremos de concluir que nas escolas nacionais há um
número significativo de gente ansiosa, triste, deprimida ou que para lá
caminha.
Façamos as
contas, somando os números de todos os professores dos diversos níveis de
ensino, incluindo o universitário, em Portugal há 207385 docentes. Desse total,
77% são mulheres, o que significa que são 159686. De todas essas mulheres, há
cerca de 30% que estão tristes, deprimidas, ansiosas ou que vão a caminho
disso, ou seja, 47905.
Sabendo nós
que em Portugal há 8241 estabelecimentos de ensino, e se dividirmos 47905 por
esse número, concluímos que em média cada estabelecimento de ensino português
tem sensivelmente 5,8 de mulheres ansiosas, tristes, deprimidas ou não muito
longe de tal.
Claro que
estes 5,8 é um valor médio, pois que na verdade não precisamos de ter cálculos
tão requintados, com números decimais e tudo.
Com efeito,
uma vez que 30% das mulheres dizem possuir alguma espécie de mal-estar
psico-emocional, ou seja, aproximadamente um terço do total, podemos concluir que se
numa escola existirem 100 mulheres, é previsível que 30 delas, quase um terço
portanto, andem acabrunhadas e de mal com a vida.
Se por acaso
a escola tiver ao seu serviço 50 mulheres, então há uma grande probabilidade de
15 se sentirem pelas ruas da amargura. Se porventura a escola for pequenina e
só tiver 10 mulheres, a hipótese mais provável é que pelo menos três delas,
andem com cara de caso e pouco satisfeitas.
Pensemos agora numa menina fina, que era filha de um
prestigiado doutor médico, de um que até chegou a bastonário da respetiva
ordem. Sendo que, a dita menina era também descendente da mais alta e
tradicional aristocracia nacional.
Pense-se
nessa menina já crescida, já mulher. Adulta, revolta-se com a triste condição
feminina e com a acabrunhante realidade das mulheres, e põe-se então a queimar
sutiãs, tornando-se igualmente revolucionária e feminista e, pior que tudo
isso, também escritora e poetisa.
Essa menina
e depois mulher, faleceu ontem, aos oitenta e sete anos de idade, e chamava-se
Maria Teresa Horta.
Um dia, com duas amigas, também elas chamadas Maria e igualmente dadas à literatura, escreveu um livro que haveria de ficar na história, “As Novas Cartas Portuguesas”.
Nesse dito livro de as três Marias, fala-se da condição da mulher portuguesa no período pré-democrático, contudo, passados mais de cinquenta anos da sua primeira edição, em 1972, o facto é que são muitos os novos ensaios, os artigos atuais e as teses recentes, que advogam, que as questões abordadas há meio século nessa obra, continuam perfeitamente presentes no mundo de hoje.
Uma das
passagens de “As Novas Cartas Portuguesas” muito citada a propósito da
actualidade dessa obra, é esta que se segue:
«[…] a mulher vota, é universitária,
emprega-se; a mulher bebe, a mulher fuma, a mulher concorre a concursos de
beleza, a mulher usa mini-maxi-saia, ‘hot-pants’, ‘tampax’, diz ‘estou
menstruada’ à frente de homens; a mulher toma a pílula, rapa os pêlos das
pernas e de debaixo dos braços; põe biquíni; a mulher sai à noite sozinha, vai
para a cama com o namorado; a mulher dorme nua, a mulher entende, já sabe o que
querem dizer certas palavras, tais como: orgasmo, pénis, vagina, esperma,
testículos, erecção, frigidez, clitoris, masturbação, vulva. As mulheres entre
elas, na intimidade das retretes de repartições públicas onde estão empregadas,
nos recreios dos liceus, nas universidades, nos quartos, nas salas, à porta
fechada, até já contam anedotas obscenas, certos pormenores íntimos de cama e
em segredo tomam certas liberdades de linguagem, e assim se modernizam, se
libertam, se promovem… Eis-nos, pois, irmãs, em plena era da liberdade da
mulher portuguesa… […]»
Na verdade, o
que se depreende da passagem acima e de outras equivalentes, é que a chamada
libertação da mulher, não o foi em essência, mas sim e só, de um modo
superficial e aparente. Mais à frente no livro “As Novas Cartas Portuguesas”,
as três Marias explicam-nos porquê, dizendo-nos que “a mulher não tem uma cultura própria. Ela existe numa cultura onde o
poder pertence aos homens, logo ela está, nesta cultura alienada.”
Em termos
mais simples, o que as três autoras nos dizem, é que lá pelas mulheres
portuguesas beberem, fumarem, usarem biquíni, votarem, serem universitárias,
contarem anedotas obscenas e outras coisas mais, todavia não são livres, pois
tudo isso são manifestações superficiais (e não essenciais) de uma liberdade somente
aparente, uma vez que não é fundada numa nova e verdadeira cultura feminina,
dado que essa (ainda?) não existe.
O que tudo
isto significa, é que a única cultura feminina existente é a ancestral, aquela
da qual as mulheres se querem libertar. Num texto de “As Novas Cartas
Portuguesas” intitulado “As tarefas” está perfeitamente explícito, no que
consiste essa velha cultura, que só superficialmente e de um modo aparente, terá
sido substituída por outra.
O texto é uma
redacção de uma rapariga ficcional de nome Maria Adélia nascida no campo e
educada numa instituição católica em Beja. A menina afirma que às mulheres
cabem as tarefas subalternas e subsidiárias do homem, estando-lhes reservada a
missão de “ter filhos, guardá-los e
tratá-los nas doenças, dar-lhes educação em casa e o carinho”, como costuma
dizer o seu pai: “uma das tarefas das
mulheres é obedecer ao homem”.
Noutra
passagem, a menina Maria Adélia diz-nos que “as
mulheres foram feitas para a vida da casa, que é uma tarefa muito bonita e dá
muito gosto ter tudo limpo e arrumado para quando chega o nosso marido”.
Maria Adélia
conta-nos ainda que o Senhor Prior da terra lhe confirmou que “uma das tarefas das mulheres é ser
virtuosa”, cumprir com as suas obrigações e ter um comportamento exemplar.
Acrescente-se a isso, que a esposa ideal deve ser um modelo de virtude, “calada e
meiga”, com “a delicadeza das feições
a refletir claramente a delicadeza da alma a quem nós, os homens, queremos
anjos do lar e guardadoras fiéis de nossos anseios morais”. Por
consequência, a mulher deve evitar pensar e expressar-se, e remeter-se tanto
quanto possível ao silêncio.
Dadas todas estas circunstâncias descritas em “As Novas Cartas
Portuguesas” se manterem mais ou menos em vigor ao dia de hoje, não é assim
muito de admirar que 30% das mulheres portuguesas se queixem de alguma espécie
de mal-estar psico-emocional. Por maioria de razão, não é igualmente de
espantar que nas escolas portuguesas haja 47905 professoras que estão tristes,
deprimidas, ansiosas ou que vão a caminho disso.
Dito tudo isto, permitimo-nos aconselhar aos 30% das mulheres portuguesas com sintomas de estados psico-emocionais menos agradáveis, uns quantos poemas da menina Maria Teresa Horta.
Começamos logo por um que não escolhemos ao acaso. Uma vez tendo
nós chamado menina à escritora e poetisa Maria Teresa Horta, o poema que
propomos para rimar com “menina”, pois também nós temos qualquer coisa de
poeta, intitula-se “ A Vagina”
E cálida flor
e trópica mansamente
de leite entreaberta às tuas
mãos
Feltro das pétalas que por
dentro
tem o felpo das pálpebras
da língua a lentidão
Guelra da corpo
pulmão que não respira
Dobada em muco
tecida em água
Flor carnívora voraz do próprio
suco
no ventre
entorpecida
nas pernas
sequestrada.
Como os
nossos leitores já terão percebido, e sobretudo as mulheres, fomos buscar a
imagem de uma rosa para ilustrar um poema intitulado “A Vagina”. Fizemo-lo
porque também nós estamos condicionados pela ancestral cultura patriarcal,
mediante a qual não se mostra a vagina, e por consequência, tivemos vergonha de a apresentar.
Ainda assim,
para terminar, vamos encher-nos de alguma coragem e libertar-nos das amarras
que nos condicionam e às mulheres portuguesas, essas amarras que fazem com que
30% delas andem tristes e acabrunhadas, e deixar-vos umas quantas poesias mais
ousadas e livres de Maria Teresa Horta.
É justo que na hora da sua morte lhe façamos uma homenagem condigna e falemos de coisas como, e citamos diretamente de alguns dos seus melhores poemas, “Lambe-me os seios”, “Abre-me as pernas”, “Tenho nas mãos teus testículos” e muitas mais estrofes deste género, que podem ser lidas no site oficial que abaixo vos deixamos.
É um site institucional que se dedica à divulgação da grande literatura portuguesa:
Modos de amar - Portal da Literatura
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