Precisamos de políticas educativas inovativas, como por exemplo, acabar com a escola pública e obrigatória!
Há muito que aqui não falamos da Argentina, no entanto, vale a pena ir vendo o que se passa por lá, pois nesse país estão a ser aplicadas políticas educativas inovadoras, que, ou muito nos enganamos, ou mais tarde ou mais cedo, também vai haver quem venha a defender a sua implementação na Europa e, por consequência, em Portugal.
Ah como é bela, pacífica e tranquila a cidade de Davos na Suíça. No inverno as montanhas que a rodeiam enchem-se de branca neve e o lago que diante dela se estende é como um espelho mágico do qual emana uma luz pura e cristalina. É nesse cenário idílico, próprio de cartão-postal, que anualmente se reúnem os líderes do planeta no Fórum Económico Mundial, que neste ano contou com a presença do presidente argentino Javier Milei.
Foi então em Davos, nesse bonito e plácido sítio, que Milei decidiu anunciar ao mundo algumas das medidas educativas que quer colocar em prática na Argentina. Não que já não as tivesse anunciado antes, mas anunciar coisas em Davos tem sempre outra categoria, dá logo outro prestígio a qualquer medida.
Milei não enganou ninguém, ele não é um desses, logo durante a sua campanha eleitoral, antes de ter vencido as eleições, disse ao que vinha. Na área da educação, Milei propôs um sistema de vouchers, no qual a escola não seria nem obrigatória nem gratuita para ninguém. "O sistema obrigatório não funciona. Quem quiser estudar, terá um voucher e poderá estudar. O dinheiro que o Estado guarda para isso será dividido entre as crianças em idade escolar e o voucher é entregue aos pais, para que eles possam escolher a escola que querem para os seus filhos".
Vejamos os títulos dos principais jornais argentinos a seguir ao discurso que Milei fez em Davos no recente mês de janeiro, “Milei en Davos: declaró su decisión de desmontar completamente la educación pública”, “Davos: Milei también atacó el derecho a la educación”, e “Anarcoeducación: ¿cómo es la educación que quiere Milei?”
Uma personalidade de que raramente falamos neste blog é do Papa Francisco, mas mesmo no final do ano de 2024, o Papa foi entrevistado pelo Clarin, um dos mais importantes jornais argentinos, e pronunciou-se acerca das inovativas políticas de Milei, tendo então dito o seguinte: “"Hacer ajuste en la educación es un suicidio programado de un país. No se puede hacer ajuste en el desarrollo educativo. No se puede, es criminal. Es un suicidio programado".
Quem quiser ver e ouvir as palavras do Papa pode fazê-lo em:
Façamos agora um pouco de história, desde a fundação do estado argentino. Durante o século XIX, todos os sucessivos governos desse país atribuíram uma função social transcendente ao sistema educativo, foi logo em 1884 que o presidente Julio Roca promulgou uma lei que estabeleceu a escolaridade primária como obrigatória.
Mesmo durante os períodos em que a Argentina viveu em ditadura, a necessidade e importância do sistema educativo nunca foi posta em causa, por consequência disso, a Argentina há muito que é de longe o país mais alfabetizado de toda a América Latina. Assim sendo, o país encontra-se perante uma situação inédita, ou seja, a de ter um governo cuja ação contraria toda a história da nação. Essa ação baseia-se nos seguintes pressupostos teóricos:
a) O Estado não tem de ser responsável pela gestão do sistema educativo e pelo acesso ao direito à educação, pois isso é uma responsabilidade das famílias e do mercado.
b) O modelo de desenvolvimento económico e de valores sociais não exige que a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia desempenhem um papel estratégico.
O fim da escola pública e obrigatória na Argentina não é uma medida improvisada, pois os seus defensores possuem a crença que a sociedade não deve investir na formação de trabalhadores ou profissionais, que não sabem se encontrarão ou não empregos para prosseguirem as suas carreiras. A tal chama Milei a “sobreeducação”.
Em termos simples, o que esta teoria nos diz é o seguinte, o estado investe verbas para formar as pessoas, contudo, sabe-se lá se essas pessoas no futuro vão ser um investimento rentável, às tantas ficam desempregadas ou arranjam empregos para os quais não precisavam sequer de ir à escola ou de lá andar tanto tempo, conclusão, tais gentes estão “sobreeducadas” e essa sua “sobreeducação” é um gasto desnecessário por parte do estado.
Segundo este paradigma, a educação pública e obrigatória implica gastos para os quais não será obtida uma taxa de retorno que justifique tal investimento. Noutras palavras, por que deve a sociedade financiar os estudos de um futuro engenheiro que certamente não conseguirá aplicar no país os ensinamentos obtidos ao longo de anos de estudo? Nesse contexto, a educação pública e obrigatória é um investimento arriscado que deve ser assumido pelos indivíduos e não pelo estado.
O que Milei disse ao mundo em Davos foi que no seu país há demasiada gente “sobreeducada”, ou seja, que para muitos dos empregos existentes não faz falta nenhuma saber ler e escrever, e que para muitos outros as pessoas podem perfeitamente educar-se através da internet ou pagando a sua própria educação do seu bolso. Por consequência de tudo isso, não vale a pena o estado argentino gastar dinheiro a financiar a escola pública e obrigatória.
O discurso de Milei foi muito aplaudido pelos presentes em Davos, e enquanto lá fora anoitecia, a neve caía e e toda a paisagem emanava uma brancura maravilhosa.
Javier Milei não só não considera a existência de um sistema educativo como algo importante para o modelo económico argentino, como também não o considera necessário para transmitir ideias e valores.
Milei não confia na escola, nos professores e nos currículos. Como repetidamente tem afirmado, está convencido que as redes ganharam supremacia sobre a educação na capacidade de construção do imaginário e do ideário coletivo de uma nação.
É nas redes que aposta e investe recursos para que estas possam ser transmissoras de valores e ideias. Para Milei, a escola pública e obrigatória transmite falsas ideias e valores, pois os verdadeiros são os que promovem o individualismo, o total liberalismo e a lógica de mercado como critério último para tudo. O forte impacto que o atual presidente teve durante a campanha eleitoral na juventude através das redes, fortalece-o nessa sua convicção.
Neste entretanto em Portugal, lê-se assim numa coluna de um jornal nacional: “Gostaria de agradecer a Javier Milei por tudo isto e por trazer a batalha cultural para o espaço de discussão pública.”
O articulista cujo nome não dizemos, inicia assim a sua prosa: “O estatismo não é apenas um desastre económico, mas também social, destruindo as famílias e a coesão moral, porque propaga e legitima a violência, e cultural, porque é igualitário.”
Uma coisa é certa, ideias ousadas e inovadoras como as de Milei chegam sempre rapidamente a Portugal e nunca falta por cá gente que as defenda, dito isto, aguardamos com expectativa o futuro próximo para vermos que influência vão ter as teorias educativas vindas da Argentina na nossa amada pátria.
Terminamos como uma melodia de Rodrigo Leão em cuja influência Argentina é muito audível, “Pasión”:
Comentários
Enviar um comentário