Quem são os eco-burgueses? Cheirarão os assalariados a Tupperware? E o que tem tudo isso a ver com Marx e com a luta de classes? Nós temos as respostas!
Estão fartos das gémeas do Marcelo? Já não aturam mais notícias acerca do Ventura? Não ligam aos penaltis bem ou mal assinalados do futebol, e os escândalos, broncas e tricas dos ricos e famosos saturam-vos?
Para além de tudo isso, os golos do Ronaldo não vos excitam, e irritam-se de cada vez que chove mais ou aumenta a temperatura, e os telejornais perdem imenso tempo a falar disso? Sim ou não? Por outro lado, sentem dores de cabeça por ouvirem tantos comentadores a papaguear as mesmas obviedades a todas as horas do dia ou da noite? Sim ou não? E por fim, não estão para se chatear com as opiniões tresloucadas contra ou favor de qualquer coisa, que as gentes abundantemente publicam nas redes sociais? Sim ou não?
Se responderam sim a todas as questões acima, então este blog é para vós, pois que aqui, dedicamo-nos a temas originais e pouco falados, e não nos chateamos, exaltamos ou temos opiniões extremadas. Acrescente-se a isso, que também não insistimos “ad aeternum” nos mesmos tópicos de sempre, como é costume fazer-se “ad nauseam” nos telejornais e nas diversas redes sociais. E, para além do mais, também usamos expressões em latim.
Em síntese, nós falamos da atualidade, mas tentamos não falar daquilo de que todos falam, sendo isso mesmo o que também hoje vamos fazer, a saber, falar de coisas das quais em Portugal nunca ouvimos falar.
Comecemos portanto por falar dos eco-burgueses, que é coisa que por cá, pouco ou nada se fala. O eco-aburguesamento é um processo pelo qual os habitantes originais de um bairro são “expulsos” do seu sítio, e “substituídos” por outros moradores mais finos.
Tal dá-se na sequência de iniciativas para tornar o bairro energicamente sustentável, com mais espaços verdes e com transportes menos poluentes, sendo que tudo isso acaba por provocar um grande aumento do valor das casas, fazendo assim com que quem lá morava vá à procura de uma habitação mais em conta noutro lugar. Desse modo vagam casas para que gente com mais rendimentos e maior poder de compra nelas se instale, ou seja, os eco-burgueses.
Todos os estudos confirmam que o processo de eco-aburguesamento de um bairro leva à deslocação e à exclusão social das populações menos abastadas, pois o aumento das rendas e dos preços dos imóveis torna as casas inacessíveis para aqueles que lá vivem há gerações.
O eco-aburguesamento de um bairro, em termos técnicos designa-se por “éco-gentrification” em francês, e por “green gentrification” em inglês, e o que não faltam são artigos nessas duas línguas sobre esse tema, aqui ficam uns quantos:
Todavia, o problema do eco-aburguesamento não se resume só às casas, pois os eco-burgueses arrastam consigo os restaurantes vegan, as mercearias que só vendem ovos biológicos e os cafés que servem exclusivamente sumos naturais, isto já para não falar dos bares de cervejas artesanais, das lojas de discos de vinil e das roupas vintage.
Em resumo, mesmo que eventualmente uma pessoa consiga ter dinheiro para pagar uma casa num bairro eco-aburguesado, ainda assim, tem a vida lixada. A tasca do Manel onde se comia bom cozido à portuguesa foi-se, é agora um estabelecimento vegan, a esplanada onde se ia beber uma imperial fresquinha, agora só serve batidos de fruta, a drogaria que dava tanto jeito para se adquirir pregos e parafusos, vende agora singles, LP’s de vinil e gira-discos, e no pronto-a-vestir que havia, só há atualmente roupas com mais de vinte anos e um tanto ou quanto apalhaçadas.
Uma outra situação relacionada com os eco-burgueses, é a mania que eles têm de ir de bicicleta para todo o lado. Nós nada temos contra o ambiente e contra às bicicletas, contudo, o que é demais irrita.
Dantes criticava-se quem para se deslocar quinhentos metros, tipo de casa ao café da esquina, o fazia de automóvel, agora vemos muita gente que para percorrer igual distância ou ainda menos, o faz de bicicleta. Mas tem porventura algum sentido ir de bicicleta para fazer um percurso de três ou quatro minutos? A nosso ver, não.
Há taxistas e automobilistas que detestam os ciclistas, pois que dizem que só atrapalham o trânsito, não é esse o nosso caso, nós somos a favor dos ciclistas, de quem não gostamos é dos eco-burgueses, para quem andar de bicicleta é uma espécie de “statement”.
Não admira portanto, que em muitos sítios os ciclistas sejam vistos como uma ameaça, não ao trânsito, mas sim ao modo de viver das pessoas. Por exemplo, no verão de 2022, num bairro da classe trabalhadora de Boston chamado Mattapan, em cujo 75% da população é negra, o desenvolvimento de ciclovias pelo município foi resumido pelos moradores locais da seguinte forma: “Estão a tentar expulsar-nos”.
Em França, mais concretamente na cidade de Lyon, quando começaram a aparecer eco-burgueses ciclistas houve quem colocasse cartazes nas ruas para avisar as populações locais para o perigo que aí vinha. Aqui fica um desses cartazes:
Já falámos o suficiente de eco-burgueses, falemos agora da classe trabalhadora assalariada. Uma vez que nas cidades atuais muitas pessoas são obrigadas a morar longe dos seus locais de trabalho, pois foram “expulsas” do centro das urbes para as periferias, até cozinhar e comer, se tornaram uma autêntica maçada.
Almoçar diariamente num restaurante modesto tornou-se praticamente um privilégio, quando, há uma década e tal, a classe trabalhadora urbana podia permitir-se ir comer a uma tasca durante a pausa para o almoço, pois o preço do prato do dia ficava em conta. Contudo, hoje já não é bem assim.
Já não é bem assim, porque nas grandes cidades os restaurantes modestos e tascas familiares quase que desapareceram. Ou bem que há estabelecimentos caros que só usam produtos naturais, ou bem que os há dirigidos por “chefs” com preços que não ficam nada em conta, ou bem que há “fast-food”.
Por assim ser, a classe trabalhadora assalariada, só se pode dar ao luxo de ir almoçar fora, se porventura for comer sandes, pizzas ou hambúrgueres, porém, como tal não é lá muito saudável, a solução é trazer de casa a refeição num Tupperware.
O Tupperware foi concebido para manter frescos os restos de comida (graças à sua tampa hermética), todavia, a sua utilização como lancheira para transportar alimentos entre a casa e o trabalho tornou-o num dos objectos mais odiados do quotidiano, sendo agora um símbolo de tudo o que há de errado na nossa vida profissional e não só.
Como as idas e vindas diárias entre casa e o trabalho consomem imenso tempo e fazem também com que o cansaço se acumule, há quem recorra à estratégia “batch cooking”, ou seja, cozinhar no final da tarde de domingo comida para levar para o emprego a semana inteira. O que tal método provoca é que as horas finais de cada domingo são um momento particularmente amargo.
Por tudo isto, o Tupperware tornou-se num objeto deprimente. Se uma pessoa teve de cozinhar quando não estava com vontade ou estava cansado, se o refeitório onde se come no trabalho é horrível, e se ainda por cima se tem de partilhar o momento de comer com o António da contabilidade, com a Rosa dos Recursos Humanos e com outros colegas que se preferia não ver nem pintados, o que dá vontade é de pegar no Tupperware e desfazê-lo aos bocados.
A consequência de todas estas situações, é que a classe trabalhadora assalariada exala atualmente um peculiar odor, uma mistura do cheiro do Tupperware e da carne à jardineira que vinha no seu interior, a que não raras vezes se acrescenta um cheiro a roupa de ginástica suada, pois que para se rentabilizar o escasso tempo que se tem, come-se à pressa e aproveita-se para se ir ao ginásio durante o intervalo para almoçar.
Tupperware e roupa suada vai tudo para uma bolsa, onde também se transporta o computador, esses três itens em conjunto são o odor que exala a classe trabalhadora atual.
Nesse entretanto, num qualquer bairro antigo não muito distante do local onde se trabalha, os eco-burgueses vão tranquilos nas suas bicicletas comer uma salada de sementes de soja ao almoço, acompanhada com um sumo de cascas de bambu.
Karl Marx defendeu no seu tempo que a luta de classes consistia no conflito entre a burguesia, que detinha os meios produção e o capital, e os trabalhadores assalariados, todavia, talvez hoje em dia, essa sua teoria necessite de um acrescento relativo à propriedade das cidades.
O que se passa é que os eco-burgueses estão a tornar-se proprietários das cidades e a classe assalariada está a ser empurrada para as periferias, e, assim sendo, está condenada ao odor a Tupperware, enquanto os outros respiram ar fresco e puro nos espaços verdes para si concebidos.
É esta a atual luta de classes nos centros urbanos, e o que nós dizemos, é que queremos de volta a tasca do Manel onde se comia cozido à portuguesa, a esplanada onde se ia beber uma imperial, a drogaria que dava tanto jeito para se adquirir pregos e parafusos e o pronto-a-vestir que havia. A luta continua, a vitória é certa.
E pronto falámos da atualidade sem referir as gémeas do Marcelo, nem do Ventura, e nem sequer dos penaltis bem ou mal assinalados, e dos escândalos, broncas e tricas dos ricos e famosos, e assim sendo, por hoje, chegámos ao fim.
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