“Menina e moça me levaram de casa de meu pai…”, inicia-se assim a ancestral novela escrita por Bernardim Ribeiro, todavia, hoje os tempos são outros e as histórias das raparigas e mulheres de agora, já não são iguais às de outrora.
Dito isto, quem é a Alice? Que país será o dela? Quais serão as suas maravilhas? E que tem tudo isso, a ver com o Dia da Mulher? Nós temos as respostas para todas estas questões, para as conhecerem, mais não têm de fazer que ler-nos, caso contrário, só vos resta um destino, o de permanecerem para sempre na ignorância de quais as réplicas certas a todas estas interrogações.
Partindo do princípio que não ficámos sem um único leitor, e que há efetivamente gente com curiosidade e vontade de saber no que resultam as inquirições com que iniciámos este texto, prossigamos a história de Alice, do seu país e das quais as suas maravilhas.
A Alice de que falamos é a Geirinhas, uma artista visual nascida no Alentejo, em Évora em 1964, mas que há muito trabalha na capital. A sua primeira exposição individual foi "A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer" na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, em 1995.
Muitas das obras de arte de Alice Geirinhas são parentes próximas da banda desenhada, como esta abaixo, cujo título é “Tânia Vanessa”. Ao vermos (e lermos) “Tânia Vanessa”, não podemos deixar de sentir que estamos perante uma espécie de humor amargo ou quiçá agridoce.
Por um lado, percebemos como são risíveis e ingénuas, certas pretensões e ambições de algumas mulheres pertencentes às classes sociais menos ilustradas do nosso país. Por outro lado, percebemos os dramas que atravessam a vida de muitas dessas mulheres. Em resumo, o sentimento que temos é ambivalente, rimos perante o que vemos, mas se chorássemos também não seria desadequado.
Logo o próprio nome do personagem, Tânia Vanessa, denota um gosto um tanto ou quanto exótico, sendo um claro sintoma de um certo pretensiosismo típico de certas classes sociais menos letradas. É comum em certos meios, dar-se nomes a crianças, e sobretudo a meninas e moças, que mais não são do que tiques ou maneirismos de modernidade. Na verdade, a modernidade do nome Tânia Vanessa é somente de pechisbeque.
É precisamente desse mesmo assunto, que nos fala uma canção do António Variações, “Maria Albertina”, cuja letra diz assim:
Maria Albertina deixa que eu te diga ah
Esse teu nome eu sei que não é um espanto mas
É cá da terra e tem, tem muito encanto
Maria Albertina como foste nessa
De chamar Vanessa à tua menina
Aqui fica a canção na interpretação da banda Humanos:
Para além de ostentar o nome Tânia Vanessa, a personagem de Alice Geirinhas diz-nos também que vive nas Olaias, um complexo habitacional em Lisboa, que mais do que ser um conjunto de habitações, é fundamentalmente um conjunto de equívocos.
Com efeito, foi no início dos Anos 80 que o arquiteto Tomás Taveira projetou um complexo habitacional, que seria supostamente de grande categoria, a que foi dado o lindo nome de Olaias.
Para além de acabamentos de qualidade no interior das casas, de piscina e de courts de ténis, o complexo tem também a poucas dezenas de metros o bairro da Curraleira e também o da Picheleira, e não muito mais longe, igualmente o de Chelas.
Como seria expectável para todos, menos para os que lá adquiriram apartamentos pensando que iriam viver para um condomínio exclusivo, rapidamente sucederam problemas e conflitos entre a população residente. Os que já lá antes estavam a viver nos bairros da Curraleira e da Picheleira sentiram-se invadidos, os outros, os que investiram bom dinheiro em habitações de suposto luxo, sentiram-se enganados.
Resultado de todos esses equívocos, é que hoje em dia, em determinados meios mais finos, dizer-se que se vive nas Olaias é visto como um desprestígio social, mas já noutros meios, como aqueles frequentados pela Tânia Vanessa, que viverá algures entre a Picheleira e a Curraleira, dizer-se que se vive ao pé das Olaias representa exatamente o contrário, ou seja, uma coisa de grande categoria.
O complexo habitacional das Olaias é para todos os efeitos, um outro sintoma de tiques e maneirismos de modernidade, no fundo, é o equivalente urbanístico do nome Tânia Vanessa, ou seja, uma coisa cheia de pretensões, que parece muito fina, mas que depois, quando se vai a ver bem, é fancaria.
Tem também uma certa graça amarga, a Tânia Vanessa dizer-nos que na escola é a melhor aluna de inglês da sua turma, pois que teve um três. Como é natural, dado o seu percurso académico, ambiciona ser estilista ou esteticista ou, em alternativa, ministra.
Tais opções para a sua futura carreira profissional, dão-nos a ver a dimensão da grandeza das ambições da Tânia Vanessa, mostrando-nos ironicamente a futilidade das suas escolhas e como nada é real e consistente na sua vida, mesmo os seus sonhos são de pechisbeque ou fancaria.
Igualmente a propósito de educação, mas neste caso não da escolar, mas sim da familiar, há uma outra muito interessante obra de Alice Geirinhas, “A minha mãe”. Mais uma vez a influência da banda desenhada é clara. No presente caso, temos como personagem uma menina e moça da classe média viseense dos Anos 80. No entanto, nós arriscaríamos dizer que a história dessa rapariga poderia passar-se em qualquer outro ponto do país, fosse no Minho ou no Algarve, em Lisboa ou no Porto, em Matosinhos ou em Sacavém.
Se Tânia Vanessa vislumbrava o seu futuro como estilista, esteticista ou ministra, a moça de Viseu acabou por crescer e seguir a carreira de junkie, presume-se que ficou aquém das expectativas que para ela tinha a sua mãe.
Estas duas obras de Alice Geirinhas fazem parte da coleção do Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Com excepção do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e do CCB em Lisboa, e de Serralves no Porto, não há em Portugal local mais apropriado para se ver o melhor da arte contemporânea nacional do que em Elvas.
Elvas parece não ser um sítio evidente para se apreciar arte contemporânea, isto porque o país gosta de acarinhar uma imagem do Alentejo, como se esta região fosse uma reserva da tradição, como se por lá só houvesse açorda, planícies, migas, presunto e cantares. No entanto, no Alentejo o que não falta são símbolos de modernidade, e não de fancaria ou de pechisbeque, mas sim dos bons e verdadeiros.
Voltaremos com mais vagar ao Alentejo moderno num futuro texto deste blog, por ora aqui fica uma reportagem do jornal Público intitulada “Elvas a nova capital da arte contemporânea“:
O título da reportagem não é exagerado, pois nessa cidade da raia podemos encontrar obras de Pedro Cabrita Reis, de Suzanne Themlitz, de Fernanda Fragateiro, de Joana Vasconcelos, de Rui Chafes e de muitos outros, como por exemplo, esta abaixo de Gabriela Albergaria:
Mas dito isto, regressemos a Alice Geirinhas. A nossa obra preferida da artista é uma que faz parte da coleção do Museu do Chiado em Lisboa. Essa obra conta-nos a história de três mulheres tipicamente portuguesas, sendo que, tal tipicidade se refere aos tempos atuais, e não aos de antigamente.
O que temos no Museu do Chiado é um tríptico com três personagens femininas, uma professora, uma diretora de marketing e uma auxiliar num hospital. Comecemos pela primeira, a professora, cujo nome é Gabriela. A história dela é simples mas tão triste, que a artista diz não a conseguir contar, e portanto, não a conta.
Dito isto, passamos então a apresentar a segunda personagem do trio, Rosa, a diretora de marketing. Aqui está ela:
Após sermos informados de coisas genéricas acerca da Rosa, como por exemplo, o ano de nascimento, a cidade onde mora e do que gosta, descobrimos ainda que relações tem com o administrador da empresa onde trabalha. Descobrimos também que Rosa tem ambições profissionais, que vão para além das funções que atualmente exerce.
Por fim, ficamos igualmente a saber que Rosa não é propriamente uma mulher feliz. Por um lado alberga em si segredos acerca dos quais com ninguém pode conversar, por outro, é dada a crises depressivas e a choradeiras quando está sozinha.
Passemos então à terceira personagem, Isabel, auxiliar num hospital privado. Se a história de Gabriela era triste e a de Rosa não era particularmente alegre, a de Isabel parece ser mais engraçada.
Ficamos a saber que Isabel se divorciou algures no tempo, e que daí para a frente começou a andar mais contente. Daí se depreende, que o seu casamento não haveria de ser especialmente feliz. Vive agora com um sentimento de liberdade e até lhe deu para arranjar um namorado.
Para além de tudo isso, Isabel anda sempre risonha e é dada à malandrice. Em síntese, está muito diferente do que era, parece uma outra mulher.
Recordemos as questões com que iniciámos este texto: Quem é a Alice? Que país será o dela? Quais serão as suas maravilhas? E o que tem tudo isso, a ver com o Dia da Mulher?
Alice é uma artista cujo sobrenome é Geirinhas, o seu país é Portugal, as maravilhas que nele existem são as histórias de mulheres de agora, como Tânia Vanessa, a jovem junkie e a sua mãe, a professora Gabriela, a diretora de marketing Rosa e a auxiliar Isabel. Todas elas são portuguesas típicas dos nossos tempos, umas das muitas meninas e moças para as quais se assinalou na passada sexta-feira o Dia da Mulher.
Terminamos com uma pequena reportagem da RTP 2, na qual Alice Geirinhas nos fala de um dos seus trabalhos e de como gosta de palavras e de padrões:
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