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As escolas primárias do centro de Paris já quase não existem, que pena! (Capítulo I: Robert Doisneau)



Vertamos uma lágrima e deixemos um lamento por um tempo e um mundo cujos últimos resquícios desaparecem agora mesmo diante do nosso olhar. 

Vai chegando ao fim uma longa história de amor entre a cidade, a educação e a infância, pois que, no coração das grandes metrópoles europeias, há cada vez menos escolas primárias e, por consequência, menos crianças e docentes.

Por via do crescente turismo de massas e do intenso labor do lucrativo mercado imobiliário, esses estabelecimentos de ensino primário tendem a desaparecer completamente do centro das principais urbes do velho continente. 
Porém, em nenhum sítio esse desaparecimento é mais evidente e triste do que na cidade de Paris.

Essa maior evidência resulta de alguns dos maiores fotógrafos da história terem abundantemente retratado as escolas do centro da Cidade Luz, bem como as suas crianças e uns quantos professores.

Dispomos de muitas e belas fotos desses estabelecimentos escolares parisienses, que fazem parte da nossa memória, não sendo portanto possível deixar de constatarmos e de termos sempre presente, o quanto essas imagens são contrastantes com o que agora se passa.


Bem recentemente vieram a público notícias que as paredes e muros do Le Marais, o popular e histórico bairro bem no centro da capital gaulesa, está por estes dias coberto com cartazes de protesto. Não sendo esse caso único por Paris.
O facto é que têm sido muitas as escolas primárias dos bairros centrais da capital francesa, que consecutivamente encerram as suas portas. Os protestos contra esses encerramentos duram há semanas, e isto devido ao previsível fecho de mais umas quantas escolas em setembro, aquando do início do próximo ano letivo de 2025-2026.

A previsão é que se eliminem mais 110 lugares de professor na capital, o que se traduzirá em menos 180 turmas nas escolas do centro da cidade de Paris, ainda que, o Ministério da Educação tenha adiantado que poderão até vir a ser mais.

Em qualquer dos casos, trata-se de um número que engrossa as 500 turmas que já foram eliminadas ao longo dos últimos anos. Uma das consequências disso, é que no centro de Paris as escolas estão fragilizadas e como tal, o secular e lendário sistema educativo público francês, tem uma ferida aberta e a sangrar mesmo no seu âmago.

Dado o progressivo desaparecimento de escolas primárias do centro de Paris, as que resistem têm turmas com excesso de alunos, sendo frequente que se agrupe numa mesma sala de aula crianças de diferentes anos de escolaridade.

Tal situação é vista como uma vergonha sem redenção em França, pois traz à memória dos gauleses tempos antigos, que se julgavam serem definitivamente idos. 
É como se os velhos retratos das escolas rurais, pobres e impróprias da França do século XIX se reavivassem, e fossem diretamente transplantados para o coração da capital da segunda maior e mais rica economia da zona euro.


O que vamos fazer neste blog nos próximos dias, é recordar esses tempos que agora caminham para o seu fim, em que no centro de Paris havia muitas escolas, e professores e crianças com fartura. Andavam também por esses mesmos exactos sítios excelentes fotógrafos, que nos legaram uma obra ímpar, com imagens únicas de uma época que atualmente nos parece praticamente acabada.

Dedicaremos cada um dos nossos vindouros textos a um desses fotógrafos, sendo que, o de hoje, é dedicado a Robert Doisneau (1912-1994), personalidade maior da História da Fotografia.

As fotos de Doisneau são uma mistura de humor, ironia e ternura. Ao longo da sua vida fotografou frequentemente crianças, estivessem elas a passear pelas ruas, avenidas e boulevards de Paris, estivessem a ir para a escola, a regressar a casa, dentro da sala de aula ou simplesmente a fazer asneiras, como por exemplo, a tocar à campainha dos vizinhos e a fugir.


No rol de fotografias de Doisneau também encontramos com alguma frequência professores. Na imagem abaixo vemos um desses docentes numa foto de 1956 que se intitula “La conjugaison”.

Não sabemos se o professor seria ou não severo, se os alunos teriam dificuldades de aprendizagem ou se, pelo contrário, seriam extraordinariamente inteligentes e tudo aprenderiam facilmente. Nós apostamos mais na segunda hipótese, pois isto era rapaziada que ia e vinha de casa para a escola e vice-versa sozinha desde tenra idade, e que sabia desenrascar-se perfeitamente, fossem quais fossem as circunstâncias.

Para além do mais, viviam bem no centro de uma das maiores e mais agitadas cidades da Europa e não se atrapalhavam nada com isso. Brincavam na rua, iam e vinham, e de caminho faziam trinta por uma linha. Em síntese, não seria certamente uma mera conjugação verbal que os poria em apuros.


Isto da rapaziada atual só ir para a escola acompanhada pelos seus progenitores, sendo conduzida numa viatura automobilística até ao portão de entrada do estabelecimento de ensino, é uma coisa que nos faz espécie. No fundo, é um sintoma do fim de um tipo de civilização na qual logo desde criança toda a gente aprendia a desenrascar-se, a safar-se e a meter pernas ao caminho.

O que essa civilização pressupunha era que as crianças aprendessem a crescer em liberdade, não como agora em que aprendem a crescer condicionadas por mil apoios, inúmeras ajudas e com cautelas e cuidados que não acabam mais. Consequentemente, os petizes não arriscam fazer nada sem o suporte e/ou autorização de um adulto e é assim que crescem, ou seja, atados e amparados.

Veja-se abaixo o exemplo de um pirralho parisiense de outrora. Um que mesmo diante do olhar da autoridade policial, atreve-se a atravessar a estrada e vai para casa ligeiro sem medos nem receios. Em certo sentido, olhando para a imagem, adivinha-se imediatamente que é um miúdo livre, despachado e expedito, e é assim que vai crescer.


Estando dantes as escolas primárias bem no centro de Paris, era previsível que a rapaziada levasse algum tempo a fazer o percurso da escola para casa e vice-versa. 
Com efeito, haverá poucas cidades no mundo onde haja tanto para ver e nos distrairmos como em Paris. Assim sendo, seria uma pena que a meninada não aproveitasse para pelo caminho espreitar pelas montras, ver quem passa e satisfazer curiosidades várias.

Se na escola se faziam aprendizagens, as ruas eram igualmente lugares que ensinavam e onde se aprendia. Qual seria a matéria? Pois isso era algo que logo se veria, dependia dos dias!


Uma das mais conhecidas fotografias de Robert Doisneau é a que abaixo vemos. Nela há um rapaz que puxa pela cabeça e olha para o alto em busca de uma resposta, enquanto a seu lado, um outro rapaz, olha antes para baixo na esperança de que o seu companheiro já tenha transcrito a solução para o problema na sua ardósia.
Digamos que usam estratégias de cálculo distintas, enquanto uma se baseia mais no raciocínio lógico-abstrato e numa certa fé em Deus, a outra aposta mais na partilha e no trabalho colaborativo, e na crença de que ninguém está a ver.


Há uma canção parisiense em que se inicia assim: “Les gens les gens, comme les gens sont touchants, en noir et blanc, dans d'éternels instants, dans les photos de Robert Doisneau…”

E sim, há razão para se concordar com o que diz a canção, realmente as gentes são tocantes, retratadas a preto e branco, em eternos instantes, nas fotos de Doisneau.

Terminamos deste modo este primeiro capítulo de “As escolas primárias do centro de Paris já quase não existem, que pena!”
Muito brevemente teremos um segundo capítulo dedicado a um outro excelente fotógrafo, que também ele imortalizou nas suas imagens, instantes a preto e branco de crianças e docentes que antigamente estudavam e lecionavam nas escolas primárias dos boulevards e arrondissements centrais da capital francesa.

Mesmo para finalizar, mais um verso da já referida canção parisiense: “Paris la belle, ses places et ses ruelles. Sa tour Eiffel, qui chatouille le ciel…”

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