O Alentejo é visto pelo resto do país como se fosse uma espécie de reserva protegida, onde tradições e hábitos ancestrais se mantêm mais ou menos intactos e salvaguardados das influências modernas e contemporâneas.
É precisamente por essa razão, que muitos residentes nas cidades do litoral, movidos por um desejo de contactar com a integridade da terra, com o ar puro e impoluto, com as gentes simples e genuínas e com a gastronomia despretensiosa e tradicional, decidem adquirir um monte no Alentejo para aí passarem uns quantos fins-de-semana por ano.
Os urbanos alentejanos de fim-de-semana, ao adquirir um monte, perseguem desse modo um sonho de sossego, de autenticidade e de ruralidade, que os leve para longe das complexidades modernas e contemporâneas, e das pressas e afazeres próprios das grandes cidades.
Antes de começarmos neste texto a contrariar essa ideia de um Alentejo onde os citadinos podem repousar, descansar a mente, e viver ao sábado e ao domingo como se estivessem numa reserva de paz e tranquilidade à moda antiga, aqui fica o tema “O Alentejo é tão grande”, que serve de introdução a esta nossa dissertação:
O primeiro lugar alentejano aonde queremos ir neste texto é ao Museu de Arte Contemporânea de Elvas. É um lugar que só por existir, contraria imediatamente aquela ideia de um Alentejo rural e rústico, em cujo qual as únicas formas de arte existentes são as dos artesãos, que fazem cestas de vime, olaria, artigos em cortiça, tapetes de Arraiolos e chocalhos.
Com efeito, no Museu de Arte Contemporânea de Elvas podemos encontrar obras dos maiores artistas portugueses da atualidade e, por consequência, sermos confrontados com as complexidades e as incompreensibilidades do nosso tempo.
Quem quer que pense no Alentejo como um refúgio campestre e como um local aparte do mundo atual e dos seus dilemas, perplexidades e problemas, ao visitar o museu de Elvas vai imediatamente deparar-se com temas e interrogações próprias do presente. Veja-se por exemplo a obra abaixo de Rui Chafes, que faz parte da coleção do museu de Elvas e que se intitula “Um corpo nu coberto de flores II”.
O Museu de Arte Contemporânea está instalado no edifício da antiga Santa Casa da Misericórdia de Elvas, que foi fundada no início do século XVI.
Trata-se de uma construção em estilo barroco, o que permite às obras de arte contemporânea dialogar com artefactos de outras eras. Veja-se a imagem abaixo, onde a já referida escultura de Rui Chafes, “Um corpo nu coberto de flores II”, entra em diálogo com um antigo altar.
O que abaixo vemos não é um tempo estático no qual as formas são as mesmas de sempre, mas sim uma reconfiguração do passado no presente. É um caso típico de um Alentejo moderno e contemporâneo.
Há muito quem pense que o Alentejo é um sítio propício a sestas, é uma crença que vem do antigamente. Ao olharmos para a obra de Susanne Themlitz, “O Estado do Sono”, também ela pertencente à coleção do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, é provável que a nossa ideia acerca da que é uma sesta sofra algum tipo de estranha metamorfose.
Em “O Estado do Sono”, Susanne Themlitz apresenta-nos criaturas inusitadas, objetos paradoxais e situações inesperadas, no fundo, são cenas não muito distintas daquelas das que por vezes vemos numa sesta, é uma questão de olharmos com atenção e constatarmos a semelhança.
Uma outra obra que faz parte da coleção do Museu de Arte Contemporânea de Elvas é “Ordem de Assalto”, de Carla Filipe. Os materiais de que é feita essa obra são nem mais nem menos que alimentos. Assim sendo, e por consequência, contemplar “Ordem de Assalto” é uma outra forma de ir ao Alentejo e degustar da sua gastronomia, neste caso não através do paladar, mas sim pelo olhar.
Deixemos Elvas e vamos agora a Évora. Também nesta cidade alentejana há um prestigiado lugar dedicado à arte contemporânea, mais concretamente a Fundação Eugénio de Almeida.
A fundação fica bem no centro de Évora, a menos de cinco minutos a pé da Praça do Giraldo, da Sé e do chamado Templo de Diana. O espaço destina-se a exposições temporárias de artistas contemporâneos e atualmente nela podem ser vistas obras de Ana Vidigal.
A exposição de Ana Vidigal presente em Évora intitula-se “Histórias de Família” e pode ser comparada a uma série de caixas que se abrem sucessivamente para desvendar múltiplas e diferentes camadas de significados. Cada peça é um elemento de um quebra-cabeças intrigante, um convite para explorar as distintas dimensões da vida humana.
Ana Vidigal utiliza como matéria-prima para as suas criações sedimentos, restos, memórias, cartas e fotografias, tudo elementos extraídos da complexidade da vida, investigando desse modo detalhadamente os vestígios de vidas familiares, obsessivamente por si recolhidas e reinventadas.
Se para muitos o Alentejo é um lugar onde os costumes e tradições familiares ainda são preservados tal e qual como eram antigamente, em Évora, na Fundação Eugénio de Almeida, é possível ver como Ana Vidigal reescreve as histórias familiares dando-lhes através da sua arte sentidos e significados modernos e contemporâneos.
Após Elvas e Évora, rumemos a Montemor-o-Novo. Foi nessa localidade, que Rui Horta, um coreógrafo português de grande prestígio internacional, abriu no ano 2000, O Espaço do Tempo, que se situa num antigo convento.
A atividade de O Espaço do Tempo centra-se na divulgação da criação emergente e na promoção do pensamento crítico, sendo que atinge tais objetivos através das artes performativas.
Talvez a principal missão de O Espaço do Tempo seja a de derrubar muros e fronteiras. Derruba-os trazendo para uma localidade do interior criações performativas da mais alta contemporaneidade. Não são apenas as melhores companhias de dança e de teatro de Portugal que passam por Montemor-o-Novo, são também grandes companhias internacionais.
É por essa razão que O Espaço do Tempo integra as mais importantes redes europeias de cooperação, circulação e difusão das artes performativas contemporâneas, como por exemplo, a Aerowaves, o European Dancehouse Network, ou o IEMT - Internacional Network for Contemporany Performing Arts.
O Espaço do Tempo esbate as fronteiras entre as artes performativas contemporâneas e as zonas do interior do país, mas derruba também as fronteiras que impedem o acesso das populações à cultura atual, e por fim elimina a fronteira que separa as diversas disciplinas artísticas, uma vez que as criações que aí são feitas ou apresentadas, não raras vezes são multidisciplinares:
Aqui fica o site de O Espaço do Tempo: https://www.oespacodotempo.pt/pt
Para terminarmos este nosso passeio pelo Alentejo moderno e contemporâneo, nada melhor do que dirigirmo-nos para a Vidigueira.
É nesta vila alentejana que encontraremos a Quinta do Quetzal.
Aí há uma adega e, por consequência, vinho, há também comidas típicas. Mas o que faz a diferença deste espaço relativamente a outros semelhantes, é que também há arte contemporânea, e aos montes!
E pronto, podíamos continuar a falar de muitos outros sítios modernos e contemporâneos do Alentejo, mas não estamos com vagar...
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