Avançar para o conteúdo principal

Há coisas espantosas a acontecer no mundo na educação (e se fechassem o ministério, a escolaridade não fosse obrigatória, os professores fossem para Edutubers e…)



Portugal, para o bem e para o mal, é um país muito igual a si próprio. Pelo mundo vão surgindo coisas inéditas que causam admiração e espanto, mas por cá vivemos como se tudo isso se passasse lá longe, num outro planeta.

Quando de repente, uns tempos depois, as coisas cá chegam, reagimos com surpresa e, na maior parte das vezes, ficamos todos sem saber bem o que se há de fazer. Mas é também para isso que este blog existe, ou seja, para trazer à lusitana nação, e muito particularmente no que concerne às áreas da cultura e da educação, as novidades que vêm lá de fora e que, tarde ou cedo, também cá chegarão.

Antes disso, um desvio, que nós não gostamos de caminhos rectos. O mais afamado dos fotógrafos, Henri Cartier-Bresson(1908-2004), visitou Portugal em 1955, tendo nos deixado excelentes imagens de várias sítios do país, como por exemplo de Lisboa, do Porto, da Nazaré, do Alentejo e do Minho. Aqui fica uma delas:


A nossa amada pátria, outrora como agora, é um sítio tranquilo e previsível onde se vive como habitualmente. O mais inesperado que sucede são uns quantos escândalos de trazer por casa, que periodicamente surgem nas TV’s para animar a malta, e dos quais, passado um certo tempo, toda a gente se esquece.

Fora isso, há umas arrelias em que uns gritam que sim e outros juram que não, e no fim, feitas as contas, as coisas terminam sempre em forma de assim-assim. Tudo por junto, cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas, tratando das maleitas, discutindo política e futebol e nuns dias chove e noutros está sol.

Na área da educação, também nada acontece de particularmente excitante, soube-se esta semana que foi aprovado um decreto-lei que altera o regime de gestão e recrutamento do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de técnicos especializados, que altera também o regime especial de recuperação do tempo de serviço dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, e que altera ainda o regime aplicável ao concurso externo extraordinário de seleção e de recrutamento do pessoal docente, a realizar no ano letivo de 2024-2025.

Em boa verdade, ninguém ligou patavina ao assunto e a vida lá continua no mesmo remanso de sempre. Abaixo uma foto de Cartier-Bresson do Castelo de São Jorge em Lisboa.


Já noutros locais do mundo, não há a mesma serenidade no sector da educação que existe por cá. Com efeito, lá por fora, nada em matéria educativa é tão plácido e sossegado como na lusitana nação.
Olhemos por exemplo, para o que acontece na América. Então não é que o presidente dos EUA ordenou que se encerrasse o Departamento de Educação. Tal departamento é o equivalente ao que na Europa se designa por ministério. Em resumo, o que Presidente Trump fez, foi aprovar uma legislação que termina de vez com o ministério da educação norte-americano.


Para adiantar serviço, e logo após a ordem executiva ter sido assinada, imediatamente e sem aviso prévio foram postos na rua metade dos funcionários do dito Departamento de Educação. Com Trump não se perde tempo, se é para se fazer, é para se fazer, e assim sendo, 1315 pessoas foram mandadas para casa de repente. Ah Trump, és um valente!

Entre demais funções, o Departamento de Educação era responsável pela gestão das verbas destinadas a empréstimos a estudantes que pretendessem aceder à faculdade, pelo financiamento das escolas públicas e estabelecimentos de ensino para alunos com necessidades especiais, ou que fossem oriundos de famílias com menores rendimentos.
Daqui para a frente, o governo central nada mais tem a ver com tudo isso, os estados, as comunidades e as famílias terão de ora em diante total liberdade para tratarem desses assuntos. Vamos lá ver como se safam.

No seu programa eleitoral, Donald Trump anuncia a criação de uma organização que, entre outras funções, seja capaz de certificar os professores que abracem valores patrióticos, pois esses sim, serão os promovidos. Uma outra medida prevista em matéria educativa, é que os diretores das escolas sejam escolhidos por eleição, sendo que, os votantes desse sufrágio serão única e exclusivamente os pais dos alunos.

Tudo isto, visto do nosso pacífico Portugal, parece-nos espantoso, quase surreal, no entanto, é só ir consultar o jornal, para se perceber que é real, está a acontecer agora mesmo. Abaixo mais uma foto de Bresson.


Mais a sul, na Argentina, o seu atual presidente, Javier Milei, também está a implementar coisas espantosas na área da educação. As suas medidas sintetizam-se do seguinte modo: acabar com a educação gratuita e obrigatória.

No entender do presidente argentino, a escolaridade obrigatória não funciona. Na Argentina agora, quem quer ir à escola, vai, quem não quer, não vai. Nesse contexto, quem eventualmente queira ir à escola, e tendo pelo menos seis anos de idade, que antes disso não, candidata-se a um voucher, espera pelo resultado, e caso este seja positivo, dirige-se a uma qualquer escola e inscreve-se.
Se porventura não houver vaga no estabelecimento escolhido, que se vá em busca de um outro, pois alguma coisa se há de encontrar. Já quem não quiser estudar, não estuda e pronto, vai à sua vida. Milei chama a tudo isto, liberdade educativa.

Milei criou também uma linha telefónica direta, para que pais e alunos possam denunciar os professores quando sentirem que o seu direito à liberdade educativa está a ser desrespeitado. Já agora, uma última informação sobre o país das pampas, o seu ministério de educação foi extinto, passou a secretaria de estado.
Abaixo mais uma foto do Portugal retratado por Bresson.


Como já fomos vendo, enquanto que neste nosso cantinho à beira-mar plantado tudo no sector educativo é sereno e tranquilo, pelo estrangeiro há muito com que nos espantarmos.

Logo ao lado da Argentina fica o Brasil, só que aí o que nos espanta não são as medidas governativas, mas sim os professores. Com efeito, são já muitos os docentes que ao invés de optarem por uma carreira na escola, escolhem antes seguir a via da internet, são os chamados Edutokers e/ou Edutubers.

Veja-se o caso da professora brasileira Carina Fragozo, que é já uma celebridade internacional. Conta ela que, quando recentemente viajou para a Irlanda, “Era eu pisar na rua que vinha alguém falar comigo. Teve um dia em que sete ou oito pessoas me pararam, muito mais do que no Brasil”.

Carina é professora de inglês, a sua turma supera os 2 milhões de alunos. O seu canal, English in Brazil, tem 1,89 milhão de seguidores, acresce a esses mais 104 mil no TikTok e 63 mil no Instagram.

Segundo a Carina, apesar de nas suas aulas se lecionar o currículo oficial, não raras vezes há também vídeos curtos, dancinhas, paródias e partilha de cenas da vida pessoal com fotos de passeios da docente e com ela se maquilhando ou se preparando, para além de haver igualmente conteúdos pagos.

A professora Carina tem uma equipa de vinte pessoas a trabalhar para si, uns têm como função tirar dúvidas aos alunos, outros trabalham no marketing da sua empresa educativa. “Sou empreendedora, CEO de um negócio. Não sei como estaria se estivesse dando aula em faculdade ou escola, mas estou muito feliz”, afirmou a docente.

Para quem quiser ler mais sobre como ser Edutuber ou Edutoker é um negócio próspero no Brasil, aqui deixamos uma reportagem da Revista Galileu, que pertence ao grupo Globo:


Abaixo mais uma foto, desta vez não de Henri Carrier-Bresson, mas sim dos principais Edutubers e Edutokers do Brasil, a Carina é a que tem o mundo nas mãos:


Muitos dos que nos leem poderão pensar de si para consigo, que todas estas novidades são coisas lá das Américas, que deste lado do Atlântico tais novidades nunca chegarão, ou, se chegarem, serão epifenómenos, e não algo a que valha a pena darmos muita atenção. A esses que assim pensam, nós dizemos que não.

A prova é que mesmo aqui ao lado, na vizinha Espanha, os Edutubers e os Edutokers também estão ao rubro e mobilizam já grandes quantidades de seguidores. Elenquemos alguns docentes espanhóis que são autênticas celebridades da educação on-line.

Na área das ciências, David Calle com Unicoo, uma plataforma educativa onde se discutem questões tão fascinantes como “Cuánto pesan las nubes?” ou “Lo que sueñan los androides”.

Nas áreas da História e Geografia, temos o docente José Antonio Lucero e o seu site La cuna de Halicarnasso. Temos também a professora María Jesús Villanueva, que ensina Matemática, Física e Química e Língua Espanhola na sua plataforma Susi Profe, que é seguida por 1,76 milhões de pessoas.

Posto isto, acabamos hoje com um cartoon da série “Educação e a Profa Tuga”:

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...