Anda por aí um grande alarido relativamente ao uso excessivo dos smartphones, sendo que, segundo se diz, as pessoas já não conversam entre si, passam o tempo a olhar para os ecrãs.
Toda a gente põe a culpa do défice de conversas nos smartphones, mas nós temos uma outra hipótese, que é a seguinte: será que não haverá muito boa gente, que não tem nada de interessante para dizer, e por ter consciência disso mesmo, prefere ficar calada a olhar para o ecrã?
Fizemos uma rápida sondagem e concluímos que sim, que há muito boa gente sem nada de interessante para dizer. Sendo esse o contexto, nós, imbuídos do espírito de missão que sempre nos acompanha, vamos aqui e agora sugerir vários assuntos com os quais se pode fazer uma bela conversa.
Que não haja equívocos, nós não somos daqueles que só dão os conselhos habituais, como por exemplo, que não se deve falar de religião ou política, pois o mais certo é a conversa azedar. Nós temos conselhos muito mais refinados do que os desse tipo.
É claro que muita gente fala da vida, dos filhos, do emprego ou do tempo que faz, mas isso são temas muito batidos, pouco originais e que só servem para cumprir calendário. Aqueles assuntos mais chatos, como doenças, mazelas e coisas desse género, também não caem bem. Falar de dinheiro, das prestações da casa ou do carro não nos leva igualmente muito longe. Em resumo, se forem essas conversas, o melhor mesmo é ficar a olhar para os ecrãs.
Dito isto, vamos lá então dar as nossas sugestões. Por que não começar uma boa conversa com uma anedota filosófica? Aqui vai então a nossa primeira sugestão. A situação anedótica passa-se na Grécia antiga:
Gostas da mulher de Protágoras? - pergunta um.
Demasiado sofisticada! - responde o outro.
A piada como os nossos leitores mais cultos já perceberam consiste no facto de Protágoras (490 a.C. - 415 a.C.) ser o mais conhecido filósofo sofista. Não sabemos se estão a ver, sofista…sofisticada…apanharam?
Vá lá mais uma sugestão de uma outra anedota filosófica que certamente a todos fará rir, seja num almoço de Páscoa, seja num outro convívio qualquer. Temos um homem carrancudo e bigodudo, na verdade trata-se de Nietzsche. Nisto Nietzsche aproxima-se de uma estação de comboios, entra dirige-se ao guichet e diz:
Um bilhete de ida e eterno retorno!
É ou não é boa? Claro que a piada está no facto de o eterno retorno ser uma noção central do pensamento de Nietzsche, cujo pressuposto é que tudo o que sucede se repetirá continuamente por toda a eternidade.
Citemos Nietzsche que também tem graça e alegra sempre uma conversa: “Cada dor, cada alegria, cada coisa minúscula ou grandiosa retornará. A mesma sucessão, a mesma sequência, várias e várias vezes como uma ampulheta do tempo, infinitamente!”
Neste momento, suspeitamos que alguns dos que nos leem, estarão a pensar que as nossas sugestões de conversas são demasiado filosóficas, que talvez se pudesse arranjar uma coisa mais simples, mais prosaica. Pois então, para esses, aqui vai uma anedota mais simples, mas ainda assim muito boa para se iniciar uma conversa agradável. A anedota tem pedagogia, nazismo e religião:
Temos então um professor de história e um aluno. Diz o professor:
- Espero que desta vez tenhas estudado para o exame.
- Claro que sim - responde o aluno.
- Fala-me então do Terceiro Reich.
- Qual? O da mirra?
Como é evidente, este chiste pressupõe que os ouvintes tenham alguma cultura geral, e que tenham a noção do que foi o Terceiro Reich e de quem foram os Três Reis Magos. Em princípio são conhecimentos que toda a gente detém, mas caso assim não seja, aqui vai uma outra sugestão, desta vez com uma anedota ainda mais simples. Esta passa-se numa farmácia.
—Bons dias, dá-me por favor uma caixa de ácido acetilsalicílico?
— Aspirinas?
—Sim, isso, nunca me lembro do nome.
Aqui a graça consiste na inversão de expectativas, pois o que seria expectável era que o personagem se recordasse mais facilmente da palavra aspirinas do que do composto químico ácido acetilsalicílico, só que não, e isso dá vontade de rir.
Abaixo uma imagem de Cristo a contar aos seus discípulos uma piada com coelhinhos de Páscoa.
Uma vez já tendo nós dado simples e válidas sugestões para se iniciar uma conversa, vamos agora dar-vos uma proposta de maior ambição filosófica. Não são necessários agradecimentos, pois nós tudo fazemos para que as pessoas conversem e desviem os olhos dos ecrãs.
O que relatamos, é uma situação que nós próprios a vivemos, mas que serve certamente de exemplo para muitos outros. Imagine-se uma boa dúzia de comensais à volta de uma mesa, ao centro, cabrito assado. Nisto, alguém diz assim, quem é capaz de me demonstrar, que ontologicamente este cabrito assado não existe?
Perante tal questão, o entusiasmo foi imediato, sobrinhos, tios, primos, pais e filhos, todos pegaram no guardanapo de papel para escrever a sua resposta. A maior parte dos comensais, precisou inclusivamente de ir buscar outros dois ou três guardanapos para explanar plenamente todos os argumentos.
Apesar de haver respostas muito consistentes, ainda assim, a que causou maior admiração foi a do avô, que mesmo andando frequentemente atarantado e sem saber sequer onde se encontra, respondeu espontaneamente ao desafio filosófico com uma mera interrogação: “Mas qual cabrito assado?!”
O desatino do avô, que nem se deu conta que havia cabrito assado para manjar, acabou por ser a resposta mais acertada, pois mesmo que involuntariamente, a todos demonstrou que a realidade é subjectiva e baseada em percepções. Posto isto, o cabrito assado a todos soube a pouco, pois havia à volta da mesa, a consciência ontológica de que o bicho nem sequer existia.
Digam lá que não é um belo tema de conversa, o comer-se o que em termos ontológicos não existe. Esclarecemos quem nos lê, que este jogo filosófico pode ser jogado, não apenas com cabrito assado, mas também com pato, com borrego ou até com frango no churrasco.
E pronto, por aqui paramos com estas nossas sugestões, para que se larguem os ecrãs e se iniciem interessantes conversas, seja no almoço de Páscoa ou noutra ocasião qualquer.
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