Primeiro uma informação, a imagem acima é da fotógrafa norte-americana Nan Goldin. Dito isto, sigamos. Na nossa amada pátria continua a haver muita preguiça e gente a dormir no que diz respeito à educação de crianças e jovens, e isto não tanto nas escolas, mas mais na sociedade em geral, e nos serviços educativos de certas instituições culturais em particular.
Neste contexto, decidimos atribuir o Prémio Preguiça Educativa 2024-2025 às atividades e materiais que o Centro Cultural de Belém em Lisboa concebe para as suas exposições temporárias, mostras essas que até são muito boas, mereciam um bem melhor acompanhamento.
Vem tal atribuição a propósito de duas exposições que recentemente abriram as portas no Centro Cultural de Belém, a saber, “31 Mulheres. Uma Exposição de Peggy Guggenheim” e “Chantal Akerman. Travelling”.
Comecemos pela primeira, que recria fielmente uma anterior organizada em 1943 pela colecionadora Peggy Guggenheim na sua galeria Art of This Century em Nova Iorque. A exposição original de 1943 ficou para a posteridade, porque foi esse o momento, em que pela primeira vez, foram expostas numa importante galeria de arte, artistas que posteriormente ficariam para a história. Gente como por exemplo, Frida Kahlo, Leonora Carrington ou Maria Helena Vieira da Silva.
Abaixo um retrato de Peggy na sua galeria nova-iorquina Art of This Century.
Tendo sido a exposição um momento marcante no seu tempo, várias instituições internacionais ligadas à arte decidiram agora celebrá-lo, recriando-o. Para esse efeito, organizaram um exposição que replica a original, que veio agora aterrar em Lisboa no CCB, depois de antes ter estado em Madrid na Fundación Mapfre, um prestigiado centro de arte situado bem no coração da capital espanhola.
Quer o CCB em Lisboa, quer a Fundación Mapfre em Madrid, são instituições culturais, por consequência disso, os seus objetivos são fundamentalmente pedagógicos e educativos. Dito isto, vejamos como cada uma dessas duas instituições cumpre essa função, relativamente a crianças e jovens, no que concerne à mostra “31 Mulheres. Uma Exposição de Peggy Guggenheim”.
No que diz respeito ao CCB, a resposta dá-se num instante, há um número de telefone para se efetuarem marcações de visitas orientadas para escolas e famílias, e existe também um e-mail para igual efeito, sendo que, todas as inscrições terão de ser feitas até às 13:00 da sexta-feira anterior às visitas.
Sobre o conteúdo das ditas visitas orientadas, nada. O mais que há, é uma folha de sala de carácter genérico, ou seja, que não foi concebida nem para crianças nem para jovens, e nem sequer para professores ou famílias. Digamos que é um mero folheto informativo, pensado para passeantes de fim de semana e turistas estrangeiros de passagem por Lisboa.
Verificado o que a propósito de “31 Mulheres. Uma Exposição de Peggy Guggenheim” o CCB fez destinado a crianças e jovens, vejamos agora o que para esse mesmo exacto efeito, se fez em Madrid.
Logo para início de conversa, temos disponível um documento on-line com o “Programa educativo de Primaria”, ou seja, para o que por cá se chama 1° ciclo. Curiosamente, esse documento destinado apenas à pequenada tem dezasseis páginas, mais do dobro daquele que as gentes do CCB conceberam para o público em geral.
Nesse documento, abordam-se temas que se calhar, por cá, até a muitos adultos deixariam confusos. Aborda-se com as crianças o modo como transfomarmos as nossas identidades através da arte. Fala-se com elas de personagens da mitologia grega e mais concretamente de musas. Propõe-se-lhes que desenhem e concebam uma galeria de arte e que escolham as obras que nela vão ser expostas. E também se discutem sonhos e emoções, nomeadamente, esses e essas que se escondem para lá das portas e em recantos escuros.
Aqui fica o dito documento:
Para seguimento desta conversa, informamos quem nos lê, que na exposição de Madrid tínhamos também disponível um outro documento, “Programa educativo de Secundaria y Bachillerato”. Como todos adivinharam, este segundo documento já não se destina a crianças de tenra idade, mas sim aos mais crescidos.
Aqui as propostas são incisivas, não havendo medos nem receios de colocar em cima da mesa temas como o feminismo, a liberdade, a sexualidade e as revoluções estéticas, políticas e culturais. Todos eles são assuntos do nosso tempo e que certamente muito interessam discutir a todo e qualquer adolescente.
O documento com as propostas das atividades destinadas à rapaziada mais crescida termina assim (a tradução é nossa): “Estas 31 mulheres consideravam-se livres, graças ao espaço de expressão que a arte lhes ofereceu. Capitaneadas por Peggy Guggenheim, conseguiram representar muitas das facetas a que a mulher aspirava naqueles tempos: emancipação, respeito, escuta, liberdade de expressão, liberdade sexual… abriram assim um importante caminho. A força que demonstram foi a de todas elas e das mais mulheres que as seguiram.”
Não é por nada, mas estamos cá desconfiados que o “Programa educativo de Secundaria y Bachillerato” concebido em Madrid para os jovens, é mais acutilante, interessante e maduro, do que o concebido para o público adulto pelo CCB.
Aqui fica o documento:
Mas não se pense que o trabalho realizado em Madrid se limitou a estes dois documentos, nada disso. Há um outro de vinte sete páginas com textos acerca de todas as obras expostas (https://documentacion.fundacionmapfre.org/documentacion/publico/es/media/group/1125419.do) e também visitas virtuais, uma livre e outra guiada (https://exposiciones.fundacionmapfre.org/Expo31mujeresFM/visita_virtual.html), para além de outras coisas mais.
Passemos agora à outra exposição atualmente patente no CCB, “Chantal Akerman. Travelling”.
Esta mostra traça o percurso da cineasta, escritora e artista belga Chantal Akerman (Bruxelas, 1950 – Paris, 2015). A exposição atravessa as diversas etapas da sua carreira e revisita os muitos lugares do mundo por onde andou e que retratou nas suas obras, tendo para isso usado meios tão variados como o cinema, a televisão, a escrita e a instalação.
Chantal Akerman viajou muito, esta sua exposição póstuma também anda de viagem. Há um ano andava por Bruxelas, onde passou a primavera e verão de 2024 no Palais des Beaux-Arts, que toda a gente conhece pelo seu “nickname” Bozar (Beaux-Arts e Bozar soam ao mesmo, e por alguma insondável razão, os belgas acham graça a este tipo de palermices).
A temporada outono-inverno foi fazê-la a Paris, e mais concretamente ao Jardim das Tulherias, num edifício chamado Jeu de Paume, local onde as gentes elegantes da Paris de dantes, praticavam um jogo que se assemelha ao atual squash.
Vamos ao CCB, e para além de uma folha de sala com oito páginas, umas escritas em português, outras em inglês, para crianças e jovens, há novamente o mesmo número telefone para se efetuarem marcações de visitas orientadas para escolas e famílias, existindo também o já antes referido e-mail em que todas inscrições têm de ser feitas até às 13:00 da sexta-feira anterior às visitas.
E agora o que se fez em Paris, relativamente à mesma exacta exposição. Para começar um dossier pedagógico com 48 páginas, disponível on-line. Dossier onde há inúmeras atividades educativas, onde há textos dedicados a cada uma das obras expostas, onde há bibliografia a respeito da artista e umas quantas dezenas de links com informações suplementares. Por fim, há igualmente um capítulo concebido conjuntamente com professores, contendo pistas de trabalho para atividades a realizar nas escolas com alunos de diversas idades:
Há ainda e também disponível on-line, um imenso conjunto de podcasts com entrevistas à artista e outras emissões radiofónicas a ela dedicadas:
Como terão adivinhado, no Jeu de Paume já não se joga a essa espécie de squash de antigamente, desde 2004 é um centro de arte dedicado às imagens. Para o seu vigésimo aniversário escolheu expor Chantal Ackerman, uma autêntica artesã de imagens.
Só mesmo para terminarmos, saliente-se que no CCB, para além das duas já referidas, está ainda patente uma terceira interessante exposição temporária, “Intimidades em fuga. Em torno de Nan Goldin”. Não temos a certeza que seja uma mostra própria para crianças e jovens, pois alguns dos conteúdos são explícitos e teriam de ser muito bem explicados.
A bem dizer, não temos sequer a certeza, que muitos adultos compreendam perfeitamente a obra da fotógrafa Nan Goldin, pois para um olhar não preparado, esta pode muito bem ser chocante e confundida com outro tipo de coisas. No entanto, não é só para crianças e jovens que existem os serviços educativos das instituições culturais é também para adultos.
Por exemplo, o Museu de Arte Contemporânea de Montreal no Canadá, quando expôs a obra de Nan Goldin disponibilizou simultaneamente on-line um documento com uma centena de páginas com belos e densos textos sobre a artista, para que quem a quisesse verdadeiramente conhecer, percebesse a estranha profundidade e dimensão do que estava a ver. É este que se segue:
Já agora, querem adivinhar o que está disponível on-line do CCB relativamente à exposição de Nan Goldin? Acertaram, uma folha de sala com seis páginas, umas escritas em português outras em inglês, pensada para passeantes de fim de semana e turistas estrangeiros de passagem por Lisboa.
É certo que no CCB organizam umas quantas conversas e conferências acerca de cada uma destas exposições, mas isso falar é fácil, mais difícil é conceber materiais consistentes e diferenciados, uns para crianças, outros para jovens e ainda outros para adultos. Mais difícil também é disponibilizá-los on-line para quem quer que queira ver as exposições as trabalhe previamente e posteriormente, e pense autonomamente acerca do que viu ou vai ver.
Fácil é falar e fazer visitas orientadas para escolas e famílias em que se diz sempre o mesmo, e cujas marcações têm de ser feitas até às 13:00 da sexta-feira anterior. Muito mais difícil é escrever com tempo, e nós que o digamos que com toda esta conversa já estamos estafados. Por assim ser, terminamos com uma foto de Nan Goldin:
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