Será o coelhinho da Páscoa hermafrodita? Será ele o resultado do amor entre um coelho e uma galinha? E que tem a Virgem Maria e as competências para o século XXI a ver com tudo isto?
As crianças do século XXI não têm o pensamento crítico tão desenvolvido, como o tinha a pequenada do século passado. Se à rapaziada que cresceu entre os anos 70 e 80, lhes viessem cá com historietas de coelhos que davam ovos, para mais coloridos e de chocolate, o resultado seria que largava tudo a rir de incredulidade.
“Sim, sim, os coelhos dão ovos e os porcos voam”, é o que certamente diria uma criança nascida no século XX, demonstrando assim com tal sarcasmo, que possuía uma das competências essenciais do século XXI, ou seja, o pensamento crítico.
Em Portugal, até há uns tempos, o coelhinho da Páscoa não era uma personagem pascal assim muito popular. Tal tradição só recentemente se popularizou no território nacional, não sendo por cá uma prática tão ancestral, como por exemplo os folares, as amêndoas e o cabrito assado.
Quisemos saber mais sobre este tema, para isso, pusemos então em ação uma outra competência essencial do século XXI, a saber, a capacidade de pesquisar e selecionar informação.
Sendo o assunto em questão as tradições pascais e mais concretamente a do coelhinho, nada melhor do que consultarmos um site dedicado à meteorologia.
Talvez quem nos leia estranhe tal escolha, mas isso é certamente porque não está familiarizado com os métodos de investigação e estudo do século XXI, nos quais a multidisciplinaridade e a transversalidade são procedimentos fundamentais.
No site “Meteored, o tempo.pt”, encontrámos uma especialista em gastronomia e viagens, licenciada em jornalismo e com uma Pós-Graduação em Educação Social e Intervenção Comunitária, em síntese, a pessoa ideal para nos elucidar de forma multidisciplinar e transversal sobre os coelhinhos da Páscoa.
Transcrevemos então um parágrafo do dito site: “Sabia que o coelho da Páscoa nunca viveu em Portugal? Quando pensa na Páscoa, é provável que imagine um coelhinho fofo a distribuir ovos de chocolate com uma eficiência quase mágica. Mas... e se lhe dissermos que esse coelho nunca pôs as patas em solo português até há bem pouco tempo?”
Depois de nos colocar esta lancinante questão, mais à frente nesse mesmo texto, a especialista em gastronomia e viagens, licenciada em jornalismo e com uma Pós-Graduação em Educação Social e Intervenção Comunitária, espanta-nos com uma importante revelação acerca do coelhinho da Páscoa e da sua aparição na nossa nação, citamos: “Chegou muito mais tarde, importado já no século XX, embrulhado em papel colorido... e marketing.”
Abaixo, deixamos-vos o link de tempo.pt para a eventualidade de quererem ler o restante texto. Já agora ficam a saber, que por estes dias vai estar de chuva e fazer frio!
Aqui chegados, a conclusão é clara, por cá, o coelhinho da Páscoa é coisa relativamente recente. Assim sendo, urge saber mais acerca do bicho, descobrir as suas origens e história, e donde nos chegou tal tradição. E é para isso que nós aqui estamos, imbuídos de um grande vigor didático e pedagógico, vamos então lá perceber qual é a cena do coelho.
Antes disso, um intervalo para publicidade. Na Alemanha há uma cadeia de supermercados cujo nome é Netto Marken-Discount. Nesta Páscoa, requisitaram duas outras competências do século XXI, criatividade e inovação. Conceberam uma criativa e inovadora campanha publicitária intitulada “Die Oster-Überraschung—Der Wahre Osterhase”.
Calculamos que nem todos os que nos leem tenham as necessárias competências para lidar com a poesia e sofisticação da língua alemã, razão pela qual, traduzimos o título original da campanha para a língua lusitana: “A surpresa pascal, o verdadeiro coelhinho de Páscoa”.
Em português não fica tão bonito, mas ao menos todos percebem.
A criatividade e inovação da campanha publicitária de Páscoa dos supermercados Netto Marken-Discount, consiste num pequeno filme animado que nos conta a história de amor entre um coelho e uma galinha.
Tudo começa numa discoteca, a galinha foi para a farra com amigas, também elas galinhas. É uma coisa que sempre se viu pelas discotecas, galinhas e amigas, até aqui nada de novo.
Nisto, a galinácea vê ao balcão um coelho a beber um cocktail. Foi amor à primeira vista. Mais tarde contraem matrimónio e dessa união nasce um coelhinho. Nasce de um ovo, claro está.
Passados uns anos, chega a hora do coelhinho começar a frequentar a escola. Os seus colegas não o aceitam e constata-se que não agem em conformidade com os valores do século XXI, nomeadamente, com os relativos à tolerância e ao respeito pelas diferenças. Com efeito, há um grande défice de competências ao nível do relacionamento interpessoal na escola que o coelhinho frequenta.
O problema do coelhinho é que ele evacua ovos de Páscoa. Volta não volta, sai-lhe pelo rabo um colorido ovo de Páscoa. Claro que a restante rapaziada da escola se ri à farta, de cada vez que o coelhinho defeca um ovo.
Incompreendido, o coelhinho decide tentar a sorte numa grande cidade. O sucesso é instantâneo, todos o querem conhecer. As multidões aclamam-no, as entrevistas sucedem-se e o coelhinho é frequentemente capa de jornais e revistas.
Um dia vai de visita à família, para grande felicidade e contentamento dos seus progenitores. Todos juntos fazem uma alegre refeição de Páscoa, da qual constam iguarias como cenouras, alfaces, beringelas e sumos naturais, tudo produtos saudáveis adquiridos a um preço muito em conta nos supermercados Netto Marken-Discount. Aqui fica o filme completo:
Findo o intervalo para publicidade, regressemos ao nosso tema, quais as origens culturais e históricas do coelhinho da Páscoa. Tudo se inicia na antiguidade clássica, pois nessa distante época, acreditava-se que as lebres eram hermafroditas, razão pela qual se reproduziriam sem perder a virgindade. Eram ideias que as gentes do antigamente tinham.
Séculos passaram, e vá-se lá saber porquê, a crença manteve-se, de tal modo que a lebre passou a ser um símbolo de pureza e castidade. Na época medieval, a lebre foi substituída por um coelho, havendo variadíssimas esculturas, pinturas e gravuras em que coelhos são representados junto à Virgem Maria, como por exemplo esta abaixo, já da Renascença, de 1496, uma obra de Albrecht Dürer:
Ora bem, normalmente os coelhos são vistos como sendo bichos com uma extrema competência reprodutiva, todavia, por acasos e mistérios da história, tornaram-se um símbolo de pureza e castidade, sendo por isso que aparecem regularmente representados ao lado da Virgem Maria.
Um dos mais célebres exemplos disso mesmo, é o quadro do pintor veneziano Ticiano, “A Virgem e o coelho” (Madonna del Coniglio), uma obra de 1530.
Diga-se de passagem, que na antiguidade clássica, os sábios de então, entre os quais se contavam Aristóteles e Plínio, viram mal a questão zoológica, ao determinarem que a lebre era hermafrodita, e mais ainda, quando asseguraram que concebia sem perder a virgindade. Dito isto, na Idade Média, todos se enganaram novamente, ao estabelecerem que lebres e coelhos era tudo a mesma coisa. Vai daí, como resultado destes equívocos, o coelho é que acabou por ficar para a história como símbolo de pureza e castidade, logo um bicho, que ao que se diz, fornica com assiduidade e pontualidade. Coitado do animal, que não merecia tal destino.
Nós não sabemos se a competência que os coelhos detêm de serem extremamente assíduos e pontuais, é uma das competências essenciais do século XXI, no entanto, desconfiamos que não. Segundo os mais aprofundados estudos, os nascidos por volta dos anos 70 do século XX, tiveram uma média de 10,05 parceiros sexuais entre a juventude e a primeira fase da vida adulta, ao passo que os membros das gerações mais recentes, afirmaram ter feito sexo em igual período com tão-somente 5,29 parceiros.
Demonstrando a mesma tendência, um estudo realizado em 2020 com 9.500 pessoas, pelo Instituto Karolinska na Suécia em parceria com a Universidade de Indiana nos Estados Unidos, concluiu que 30,9 % dos rapazes entre os 18 e os 24 anos não fizeram sexo nos últimos doze meses, antes da entrevista. Isso significa que um em cada 3 não praticaram sexo no período de um ano. Em 2002, num estudo conduzido pelo mesmo instituto de pesquisa, a abstinência sexual entre os rapazes era de 18,9%. Entre as raparigas, a abstinência saltou de 15,1% em 2002 para 19,15% em 2018.
Num outro estudo realizado entre os anos de 2018 e 2020, com trezentos alunos de ensino secundário em São Paulo no Brasil, 67% dos rapazes disse não ter tido qualquer relação sexual nos últimos doze meses e 73% das raparigas afirmaram o mesmo. Um outro facto que chamou a atenção em todos esses estudos, foi a substituição que muitos fizeram do sexo pela prática do sexting.
Para quem não saiba, o sexting consiste na troca de mensagens escritas “calientes”, algo que eventualmente terá alguma piada, nós é que não estamos a ver qual. No fundo, a diferença entre o sexting e o sexo, é equivalente à que existe entre manjar uma pratada de coelho à caçador e ler a receita num livro de cozinha da saudosa Maria de Lourdes Modesto.
Em resumo, não será preciso recorrermos às nossas competências de tratamento de dados e de raciocínio matemático, para concluirmos que existe uma significativa diferença percentual entre o pessoal com mais idade e as gentes mais novas. Provavelmente, as gerações mais recentes são mais crentes nas castas virtudes da Virgem Maria e na simbologia clássica do coelhinho da Páscoa.
O sexting causa-nos até uma certa perplexidade, pois sempre ouvimos professores a dizer, que os jovens de agora, não gostam de escrever. Pelos vistos, afinal gostam e têm bastante prazer em fazê-lo.
Imaginemos um encontro entre um rapaz e uma rapariga atuais. Ele, malandro, diz “Let’s do it”! Ela, atrevida, aceita o convite e pergunta-lhe quem escreve o primeiro parágrafo. Ele, audaz, tecla cinco frases de seguida. Ela, destemida, responde-lhe com um parágrafo inteiro sem pontuação. A partir daí, é a loucura total, esquecem-se da sua gramática e é “all night long”, a ver quem melhor adquiriu a competência de linguagem e textos.
E pronto, por aqui terminamos, mas não sem antes vos deixarmos mais um bela imagem de um coelhinho da Páscoa.
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