Como na canção de Ella Fitzgerald, nos Guiões de Aprendizagem que por aqui vamos publicando, queremos ser multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares.
Mas também falamos de pássaros, de abelhas e até de pulgas. Viajamos desde a vizinha Espanha à longínqua Lituânia. Desde a gélida Finlândia até à ardente Argentina.
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Em busca do tempo perdido
Todos nalgum tempo fomos crianças. Há quem diga, e provavelmente com razão, que as infâncias de hoje em dia não são como as de antigamente, pelo menos no mundo ocidental, em que actualmente os mais pequenos têm vidas que dantes seriam imagináveis.
Talvez a maior diferença que observamos entre as crianças actuais e as de outrora, seja o facto de as de agora estarem contiguamente ocupadas. Ao acordar vão logo para a escola, acabam as aulas e têm actividades de tempos livres ou de enriquecimento curricular, de seguida há ainda miúdos que praticam desporto nalgum clube, aprendem a tocar violino ou piano e vão à catequese.
Nas férias e fins de semana, o que não faltam são museus e outras instituições com ateliers para ocupar a pequenada, e depois há também propostas para desenvolver competências sociais na miudagem, como por exemplo, participar em ações de solidariedade ou ir apanhar lixo em praias e florestas. Em resumo, neste momento, em muitos casos, ser-se criança é uma canseira.
Por hoje se assinalar o Dia da Criança, façamos uma viagem no tempo. Vamos então à época, ainda não muito distante desta, em que ser-se miúdo era poder andar-se livre pelas ruas a fazer-se asneiras. Um tempo em que não havia drama por se chegar a casa com a roupa numa desgraça, completamente sujos de lama e, quiçá, até com os joelhos esfolados e a cara arranhada.
As cidades ocidentais foram durante séculos o cenário privilegiado para as brincadeiras infantis, Londres, Nova Iorque, Paris, Madrid, Lisboa e muitas outras urbes, eram um palco óptimo para se fazer enormes parvoíces. Não havia receios e ninguém via perigos em lado nenhum. Era pois todo o contrário dos dias de hoje, em que crianças sozinhas a brincar e a fazer disparates pelas ruas, é coisa que já não se vê.
Há um longo poema do escritor austríaco Peter Handke, Prémio Nobel da Literatura em 2019, que se inicia assim:
Quando a criança era criança,
andava balançando os braços,
queria que o riacho fosse um rio,
que o rio fosse uma torrente
e que uma poça fosse o mar.
Quando a criança era criança,
não sabia que era criança,
tudo lhe parecia ter alma,
e todas as almas eram uma.
Quando a criança era criança,
não tinha opinião a respeito de nada,
não tinha nenhum costume,
sentava-se sempre de pernas cruzadas,
corria
tinha um redemoinho no cabelo
e não fazia poses para fotografias.
Abaixo uma foto em que duas inocentes crianças apreciam modelos em poses.
Hoje em dia todos sabem que são muitos os riscos, as ameaças e os malefícios a que as crianças poderiam estar sujeitas caso andassem como no antanho pelas ruas sozinhas.
Noutros tempos perigos também havia, só que não pareciam tão graves como os de agora. Existia por exemplo a possibilidade de nos depararmos com uma poça de água e de entramos por ela adentro.
Foi precisamente isso, o que sucedeu em criança à poeta polaca Wisława Szymborska, nascida em 1923 em Cracóvia, a mesma exacta cidade onde faleceria em 2012. Do seu currículo, consta o facto de em menina estar muito atenta às poças, e também o Prémio Nobel da Literatura que lhe atribuíram em 1996.
Recordo bem este medo da infância. Evitava as poças, sobretudo as novas, após a chuva. Afinal, uma delas poderia não ter fundo, ainda que parecesse igual às outras. Ponho o pé e, de súbito, afundar-me-ei, voando para baixo, cada vez mais baixo, rumo às nuvens reflectidas ou talvez mais além. Depois a poça secar-se-á, fechar-se-á por cima de mim, e eu para sempre trancada – onde – ficarei com um grito não repercutido à superfície. Só mais tarde compreendi que nem todas as más aventuras cabem nas regras do mundo e mesmo que o quisessem, não poderiam acontecer.
Abaixo uma foto que mostra, que estar-se com atenção às poças, não era um exclusivo da poeta-criança Wisława Szymborska.
Falemos agora da poeta brasileira Cecília Meireles (1901-1964). Em criança queria ser professora, jornalista, pintora, poeta e escritora, em adulta foi isso tudo e mais, Cecília Meireles é um nome absolutamente decisivo no desenvolvimento da cultura do Brasil.
Ela era carioca e o seu pai morreu antes dela nascer, sendo que a sua mãe se findou antes dela ter três anos de idade. Cecília Meireles teve portanto uma infância diferente, no entanto, quando mais tarde na vida, um dia lhe perguntaram numa entrevista de que se recordava da sua meninice, respondeu que a sua avó não a deixava sair de casa para brincar na rua, por muito que as outras crianças a chamassem.
Cecília Meireles escreveu uns quantos poemas sobre o que é ser criança, num deles diz-nos que é sobretudo não se saber se isto ou aquilo.
Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Para terminar, um fado, “Os putos”, na voz de Carlos do Carmo:
Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro. Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém. Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...
Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...
Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...
Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras. Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema. Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...
Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”. Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...
Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são. De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”. Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra. É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...
Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag
PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto. Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” . Assim, sem ...
“We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard." Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston. À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...
Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para como tal ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo. O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing): Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...
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