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Leves sintomas…


Nós gostamos de analisar leves sintomas, daqueles que parecem não ter importância nenhuma, mas que quando se vai a ver, é um qualquer caso grave, tipo um autêntico berbicacho.


Todavia, não é de sintomas relativos a problemas de saúde, aos quais gostamos de dedicar a nossa atenção, é sim àqueles, relacionados com questões culturais e sociais.


Vejamos então um leve sintoma, daqueles que parecem não ter a mínima importância, mas que provavelmente são reveladores de um problema gravíssimo.


Estávamos nós ontem, a assistir pela TV, a uma partida do Mundial de Futebol de Clubes. Mais concretamente, à disputa entre o Benfica e o Auckland. Nisto, a meio da jogatana, o mister da equipa portuguesa decide substituir um jogador por um outro.


O substituído saiu contrariado e dirigiu amargas palavras ao treinador, que, pelos vistos, lhe respondeu à letra. Nada disto é inédito no mundo do desporto, e nem sequer do futebol em específico. É coisa comum na bola, irritarem-se uns com os outros. É algo que, de quando em vez, sucede.




O jogo terminou com um expressivo seis a zero a favor do Benfica, sendo que, o a seguir sucedido, é que foi coisa, que jamais tínhamos visto.

Mudámos de canal em canal televisivo, fomos fazendo zapping, para ouvirmos os diversos comentários sobre o desafio. Verificámos então, que em todos os canais noticiosos por cabo, os múltiplos comentadores não comentavam o jogo, mas sim a discussão entre o jogador substituído e o seu treinador.


Andámos para a frente e para trás e nada, sobre o jogo em si, nem uma palavra, todo o tempo televisivo era gasto a discutir a discussão entre o treinador e o jogador substituído.


Será impressão nossa, ou o tema principal da notícia e os subsequentes comentários, deveriam antes ter sido sobre o jogo em si, e não acerca de um simples incidente, resultante de uma substituição?


Não é coisa particularmente importante, que as notícias transmitidas deste jogo, se tenham centrado num incidente, pois há coisas muito mais fascinantes, interessantes e preocupantes no mundo, a que podemos dedicar a nossa atenção. No entanto, e ainda assim, essas tais notícias sobre o dito incidente, são um daqueles leves sintomas, a que não damos muita importância, mas que podem ser um sinal de que algo vai realmente mal.


A nosso ver, o que vai realmente mal, é que quem mais obrigação teria de saber transmitir uma notícia, distinguindo o que nela é o essencial e o que nela é meramente acessório, opta por não o fazer.


Com efeito, os jornalistas, e sobretudo os televisivos, pervertem com uma frequência inusitada, a distinção entre o essencial e o acessório, dando recorrentemente mais destaque a este último, do que ao primeiro.


As notícias do jogo de futebol são um leve sintoma, mas o problema é que esse sintoma revela, algo de bastante grave. Na verdade, confundir o acessório e o essencial, é talvez um dos mais inquietantes problemas, que uma sociedade pode ter.


Quando assim sucede numa sociedade, todas as prioridades ficam alteradas, e coisas perversas instalam-se no seu seio da comunidade.



“Quando o sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo" é um dito antigo, que significa que algumas pessoas se concentram em detalhes ou em aspectos superficiais, pois não têm uma visão mais ampla, ou não entendem sequer o ponto essencial. 


Esta história do dedo e da lua é antiga, tem milénios, o que nos mostra, que há, houve, e haverá, sempre alguém a quem escapa a essência daquilo que se quer transmitir. Contudo, e dito isto, uma coisa é haver alguém que não percebe o mais vasto contexto, ou seja, que alguém aponta para a lua. Coisa completamente diferente, é os órgãos de comunicação social, dirigirem o olhar de um país inteiro para um dedo, ao invés de o elevarem para a lua.

                              

Nos manuais escolares do 1° ciclo, e mais em concreto nos de Português, são muitas as vezes em que após um texto, surge a questão, “Quem é o personagem principal da história?”.


É uma questão recorrente, a que os alunos repetidamente respondem ao longo de anos. Respondem, e não só nos manuais escolares, mas também em testes e fichas de avaliação. Por assim ser, custa-nos a crer, que os senhores jornalistas televisivos, não saibam distinguir o principal do secundário, o mesmo é dizer, o essencial do acessório.


Partindo do princípio que os senhores jornalistas televisivos concluíram com aproveitamento a escolaridade obrigatória, o que os levará então, a transmitir notícias, onde confundem o que realmente importa, com acontecimentos laterais ou mesmo despiciendos?


A resposta é óbvia, fazem-no de propósito.


Na noite em que o Titanic naufragou, o salão de baile do navio estava cheio. Todos estavam vestidos com requinte e a orquestra tocava divinamente. O facto é que, ninguém queria perder pitada daquela festa.

Ao surgirem os primeiras sintomas de que algo de grave ocorria, poucos foram os que se tentaram salvar. Foram muitos mais, os que, com imensa expectativa, aguardaram pela próxima valsa.

Quando se vive numa redoma que se crê indestrutível, como se cria ser o navio Titanic, é muito fácil confundir-se o acessório e o essencial.

Quem vive na chamada bolha mediática, também acredita, como no Titanic, habitar numa redoma indestrutível. No entanto, é cada vez mais evidente, que essa bolha mete água por todo o lado…


Hoje falámos acerca de uma mera discussão, a propósito de um jogo de futebol. Dito isto. Também falámos do Titanic, mas, quem nos quiser ler e interpretar para além da espuma dos dias, sabe que na verdade estivemos a falar de uma sociedade que se vai afundando, por insistir em não distinguir o acessório do essencial.

Há tantos leves sintomas que estamos a ir ao fundo…

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