O nosso tempo é todo ele feito de rapidez, de eficiência e de pressas. Adoramos tudo o que seja útil para satisfazermos os nossos apressados desejos. Constroem-se imensas vias rápidas para mais velozmente chegarmos aos grandes templos de consumo, locais onde todos estão preparados para da forma mais diligente possível, nos socorrerem e nos auxiliarem a gastarmos aceleradamente o nosso dinheiro.
Consumir rapidamente, em força e sem parar, é a pobre e limitada ideia de felicidade que nos vendem. Consumimos não só roupas, sapatos, casas, carros e telemóveis, mas também imagens e mensagens. A qualquer hora do dia ou da noite, são milhões os que avidamente e com uma louca rapidez que nunca cessa, consomem imagens e mensagens num fluxo que se diria ininterrupto.
Com a alimentação é a mesma exacta coisa, é só irmos passear a um supermercado para verificarmos as quantidades gigantescas de comida que ali há pronta para ser velozmente consumida. Prateleiras e corredores estão organizados de acordo com os mais eficientes critérios, para que consigamos adquirir quilos e quilos de paparoca tão rapidamente quanto possível e possamos ir para casa degluti-la.
Na velha cidade austríaca de Graz, existe um jardim. Ao percorrermos as suas áleas, trilhos e caminhos, vamo-nos deparando com obras de arte moderna e contemporânea, como por exemplo esta na imagem abaixo, “Fat House” de Eric Wurm.
As esculturas de Eric Wurm falam-nos sobre os nossos obesos desejos de consumo imediato. Vivemos satisfeitos consumindo mais e mais, para rapidamente voltarmos e consumirmos mais e mais, numa contínua aceleração, dir-se-ia que vivemos presos numa espiral infindável que parece nunca se deter.
Não por acaso, são várias as obras de Eric Wurm instaladas em jardins, e de facto não há melhor sítio para estarem, pois um jardim é um local onde o tempo tende a ser mais vagaroso, onde andamos mais lentamente e com o necessário vagar para apreciar obras de arte.
Na obra na imagem abaixo de Eric Wurm, temos um automóvel descapotável, objecto que é o símbolo por excelência da velocidade contemporânea e do consumo acelerado. O contraste com a tranquila paisagem que o rodeia é por demais evidente.
Nos nossos dois últimos textos neste blog falámos de jardins e de como estes são por essência lugares onde a infinita criatividade humana e a infinita criatividade divina se encontram, a humana manifesta-se na arte, a divina na natureza.
Aqui ficam esses dois textos anteriores, para quem eventualmente os queira ler:
Um jardim não é um sítio para pressas, nem onde tenhamos de consumir, é portanto um lugar distinto do mundo que quotidianamente nos assalta e cerca. Um jardim é um sítio para nos determos, para deixarmos que o silêncio nos envolva e para nos colocarmos questões para as quais não há resposta, pois são essas as que importam.
No dia a dia falamos disto e daquilo, do que vai acontecendo, do tempo, se está de chuva ou faz sol, de maleitas, da bola, do trabalho e de muitas outras coisas mais. Falamos e falamos, para o constatarmos é só olharmos em volta e verificar a quantidade de gente que fala e fala nos seus smartphones.
A toda a hora e em qualquer lugar existe um imenso parlar. São cavaqueiras, bate-papos e tagarelices sem fim, mas dito isto, será que alguém ainda fala do que é verdadeiramente essencial, do que importa, do que não tem resposta nem nunca terá?
Mas o que é o verdadeiramente essencial? Uma resposta possível a esta questão, seria a de que o verdadeiramente essencial é tudo aquilo acerca do qual continuamente procuramos uma resposta, mas para o qual jamais encontraremos uma resposta definitiva que satisfaça os nossos mais fundos anseios.
O que é a felicidade? A vida tem sentido? O que é o amor? O que é a liberdade? Deus existe? O que é o belo? A todas estas fundas questões os homens têm dado respostas ao longo da história, todavia, para todas estas mesmas exactas questões, não há indivíduo algum que não tenha tido de procurar a sua própria resposta.
Aristóteles definiu a felicidade como não sendo um estado passageiro de prazer, mas sim um estado de realização plena e duradoura. A felicidade é para o filósofo o fim último e o bem supremo para o qual todas as ações humanas são direcionadas.
No entanto, mesmo alguém que aceite essa definição, tal de nada lhe valerá, se porventura não procurar a sua própria resposta para a eterna questão “O que é a felicidade?”, que, a bem da verdade, é uma questão sem resposta.
Os supermercados, os anúncios publicitários, as televisões, os filmes, as marcas de perfume, a indústria automóvel, os bancos, as empresas de telecomunicações, as agências imobiliárias, os livros de auto-ajuda, os chamados coachings e muita gente mais, têm uma mesma ideia de felicidade para nos impingir, a saber, consumam os nossos produtos e alcançarão a felicidade.
O que é a felicidade? A vida tem sentido? O que é o amor? O que é a liberdade? Deus existe? O que é o belo? Para todas estas questões há respostas rápidas e definitivas, encontramo-las nos centros comerciais, na publicidade, nos créditos bancários, no último modelo dos smartphones, nos automóveis de alta cilindrada e por todo o lado, só que, todas essas respostas são limitadas e apressadas, pois destinam-se apenas a proporcionar-nos um estado passageiro de prazer, coisa que, como dizia Aristóteles, não é o mesmo que a felicidade, que é sim um estado de realização plena e duradoura.
Abaixo uma obra de 1963 do artista norte-americano Roy Lichtenstein, “In the car”.
Mas que antídoto existe para este mundo em que tudo é ultra-rápido, limitado, apressado e feito tão-somente para o consumo imediato? Na realidade é num jardim que encontramos esse antídoto.
Como já antes dissemos e agora repetimos, num jardim dá-se um encontro de infinitos, pois um jardim resulta da criatividade sem fim da natureza, e também da infindável criatividade dos homens, e ainda, desse infindo anseio por beleza que pressentimos em cada um de nós. E quem diz anseio por beleza, diz também anseio por amor, por liberdade, por sentido e, claro, por felicidade.
Um jardim é uma possível resposta para todas essas questões que não têm resposta. Abaixo o quadro “O Jardim” de 1925, obra de Joan Miró.
Um jardim é um sítio onde podemos pressentir e vislumbrar a diferença entre uma vida com sentido e uma em que apenas se anda agitado e apressado de um lado para o outro, conformados com respostas rápidas e limitadas, assentes tão-somente em produtos pensados para serem rapidamente consumidos e logo substituídos pelos seguintes.
Um jardim é o local ideal para pararmos, para nos determos, e assim termos tempo para nos fazermos perguntas que nos inquietam e para as quais continuamente procuramos respostas. Um jardim é o espaço perfeito para falarmos do que é verdadeiramente essencial, ou seja, para nos questionarmos acerca daquilo para o qual jamais encontraremos uma resposta definitiva.
Um jardim é um sítio para o espanto, pois nele vislumbramos e pressentimos o divino que se manifesta na infinita criatividade da natureza. Um jardim é um sítio para o espanto, pois nele vislumbramos e pressentimos a infinita criatividade humana que se manifesta na arte.
Abaixo uma obra do duo artístico Francois-Xavier e Claude Lalanne. Um anjo repousa a sua face na superfície da água, assemelha-se a Narciso, personagem da mitologia grega, que se apaixonou pela sua própria imagem refletida na água. Lágrimas escorrem-lhe pelo rosto, no entanto, o anjo parece estar sorrindo.
A própria imagem do anjo e a sua imagem reflectida encontram-se. Uma lágrima e um sorriso cruzam-se. O infinito divino e o infinito humano reúnem-se nesta peça, a infindável criatividade de ambos manifesta-se nesta convergência entre arte e natureza. Diante deste anjo, é impossível que não surjam questões para as quais não temos resposta, na presença deste é impossível que não sintamos espanto. Em síntese, estamos num jardim.
Nós, os que aqui escrevemos, quisemos levar alunos de tenra idade a um jardim no qual eles pudessem observar a força criativa da divina natureza, assim como a fecundidade imaginativa contida em obras artísticas. Quisemos que vissem como ambas se conjugam e reúnem em perfeita harmonia, e por isso, dirigimo-nos ao Jardim Calouste Gulbenkian em Lisboa.
Há jardins onde respiramos algo mais do que o ar gasto, abafado e sujo do dia a dia. Em sítios como o Jardim Calouste Gulbenkian não somos arrastados pela veloz torrente quotidiana, pois há lá caminhos lentos, trilhos, veredas, áleas e recantos, nos quais descobrimos com espanto obras de arte. Elas inspiram-nos e é então que somos envolvidos por uma espécie de luminosidade e sentimos um ar fresco e puro que entra por nós adentro e nos eleva a mente, ao mesmo tempo que se espalha por todo o nosso corpo.
É quando estamos num desses momentos, que questões para as quais não há resposta fazem grande sentido. É nesses instantes que pressentimos e vislumbramos o que é essencial, o que não se esvai e finda na espuma dos dias.
Foi por tudo isto que passeámos nos Jardim Calouste Gulbenkian com alunos e pelos caminho fomos conversando sobre questões como o invisível, a eternidade, o incogniscível, o nada, a beleza, o profundo, a alma e o infinito. Aqui fica o guião dessa visita de estudo:
Guião imprimível "Uma viagem ao invisível"
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